Governo relança plano interministerial contra o desmatamento na Amazônia

Com metas e órgãos responsáveis já estabelecidos, plano prevê quase 200 ações do PPCDAm a serem implementadas até 2027

Governo relança plano interministerial contra o desmatamento na Amazônia
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Em meio aos desafios que o Governo vem enfrentando na área ambiental, o presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, e a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, anunciaram nesta tarde o novo Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm). 

Num momento de relações estremecidas, com a desidratação MMA aprovada pela Congresso e atritos em relação à exploração de petróleo na Bacia da Foz do Amazonas, um evento no Palácio do Planalto pela ocasião do Dia Mundial do Meio Ambiente tentou passar uma impressão de normalidade. 

Foram assinados diversos decretos, inclusive um que cria o Comitê Interministerial da Mudança Climática. Mas o PPCDAm é a iniciativa mais estruturante. Com quase 200 ações, o plano é abrangente e será executado entre 2023 e 2027 para contribuir com o compromisso de reduzir a perda da vegetação nativa da Amazônia e alcançar o desmatamento zero até 2030. 

Ainda sem detalhes sobre a execução, o programa é presidido pela Casa Civil e Presidência da República e tem o MMA como secretaria executiva, que acompanhará o dia a dia da implementação, além da participação de outros 17 ministérios.

Em discurso durante evento pelo Dia Mundial do Meio Ambiente, Silva destacou a importância da transversalidade da pauta climática e ambiental para que a agenda avance. 

Para colocar ecologia e economia na mesma página e exportar sustentabilidade, é preciso desmatamento zero, respeito aos indígenas, adequação à agricultura sustentável, afirmou. 

“Ainda não faremos tudo agora, mas vamos transitar. Em quatro anos de governo, vamos colocar as bases para isso”.

O documento é dividido em quatro eixos, com metas, prazos e objetivos traçados para cada um deles: I) Atividades produtivas sustentáveis; II) Monitoramento e controle ambiental; III) Ordenamento fundiário e territorial; e IV) Instrumentos normativos e econômicos. 

Os eixos I e IV devem ser cruciais para fortalecer a bioeconomia amazônica, pauta cara à ministra Silva. Entre as ações ligadas a ele, estão o fortalecimento do Fundo Amazônia e o alinhamento progressivo do crédito rural com metas brasileiras contra o desmatamento.

Um dos principais desafios atuais do plano, segundo o documento, é conseguir “a consolidação do eixo de atividades produtivas sustentáveis como um vetor para a redução do desmatamento e transformação da realidade amazônica”. De forma simplificada: provar que manter a floresta em pé também dá dinheiro e contribui com a população local.

Esta é a quinta fase do PPCDAm, que havia sido extinto em 2019, durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro. O programa foi lançado em 2004, quando Marina também era ministra de Lula. 

“Nos dois primeiros mandatos, [com esse plano] houve a maior redução da taxa de desmatamento da Amazônia. Estamos retomando a criação de áreas protegidas, parques e reservas”, disse o presidente, em discurso. “Não deve haver contradição entre crescimento econômico e meio ambiente. 

Em etapas anteriores do PPCDAm, foram criados 25 milhões de hectares em unidades de conservação e homologados 10 milhões de hectares em terras indígenas, de acordo com documento do MMA.

“O fato do PPCDAm estar sendo lançado hoje, reeditado, e pelo presidente é relevante, principalmente quando olhamos de onde viemos”, diz o secretário executivo do Observatório do Clima, Marcio Astrini. “Mas os desafios são vários. Há um crime organizado na Amazônia muito mais presente e um Congresso muito mais conservador do que a gente já teve na história.”

Também durante a cerimônia, Lula vetou trechos de medida que fragilizavam o combate ao desmatamento na Mata Atlântica. O veto ainda deve passar pelo Congresso.

Eixo I:  Atividades produtivas sustentáveis

O primeiro eixo do PPCDAm está entre seus pilares – e entre os principais desafios.  “A bioeconomia é percebida como estratégica para o desenvolvimento na Amazônia, sendo o apoio às cadeias produtivas locais e às economias da sociobiodiversidade um requisito para a conservação da floresta e inclusão social das populações que dela sobrevivem”, diz o plano.

Neste eixo, os objetivos são:

  • Estimular atividades produtivas sustentáveis;
  • Promover o manejo florestal sustentável e a recuperação de áreas desmatadas ou degradadas;
  • Fortalecer a articulação com os estados da Amazônia Legal nas ações de fomento às atividades sustentáveis.

Para isso, foram estabelecidas dezenas de ações que vão desde criar e adaptar instrumentos para fomentar a bioeconomia de base comunitária até converter multas ambientais para recuperação de florestas e agroflorestas. 

O MMA deve ainda trabalhar junto ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), chefiado pelo vice-presidente Geraldo Alckmin, para criar categorias de selos que certifiquem produtos gerados pela bioeconomia ou que estejam em linha com a produção ambiental e socialmente sustentável. 

Eixo II: Monitoramento e controle ambiental

Através do documento, o Executivo reconhece que a ausência de presença efetiva do Estado na Amazônia, fragilidade na implementação de instrumentos regulatórios e a inação em determinados temas são alguns dos fatores que facilitam a ocorrência de desmatamento e exploração madeireira e de mineração ilegal. Para reverter a situação, os objetivos se concentram em:

  • Garantir a responsabilização pelos crimes e infrações administrativas ambientais ligados ao desmatamento e degradação florestal;
  • Aprimorar a capacidade de monitoramento do desmatamento, incêndios, degradação e das cadeias produtivas;
  • Prevenir e combater a ocorrência dos incêndios florestais;
  • Avançar na regularização ambiental com o aprimoramento do Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural;
  • Fortalecer a articulação com os estados da Amazônia Legal nas ações de fiscalização ambiental e a plena integração de dados de autorizações e autuações e embargos.

Assim, o PPCDAm deve dar mais ênfase na integração de ações de inteligência e responsabilização pelo desmatamento ilegal do que feito em anos anteriores, com a mobilização por diferentes partes do Governo Federal e de Estados que compõem a Amazônia Legal. 

Para fortalecer o monitoramento, entre outras ações, será desenvolvido e implementado um sistema de predição de áreas de desmatamento com base em dados de sensoriamento remoto, permitindo ações preventivas. 

Eixo III: Ordenamento fundiário e territorial

O caos fundiário é um dos principais problemas da Amazônia – o que vem sendo agravado por um processo de interiorização do desmatamento, que deixa de se concentrar na transição entre floresta e Cerrado e passa a adentrar áreas mais remotas do Pará, Acre e Amazonas.

Para combater esse problema, o PPCDAm pretende:

  • Garantir a destinação e a proteção das terras públicas não destinadas;
  • Ampliar e fortalecer a gestão das áreas protegidas;
  • Alinhar o planejamento dos grandes empreendimentos e projetos de infraestrutura com as metas nacionais de redução do desmatamento.

Entre as ações previstas para alcançar tais objetivos, estão a criação de Unidades de Conservação na Amazônia, com foco em áreas críticas de desmatamento,  e regulamentar e implementar a Avaliação Ambiental Estratégica (AAE), que visa identificar antecipadamente os possíveis impactos e efeitos de uma decisão estratégica como instrumento de planejamento para grandes empreendimentos e projetos de infraestrutura. 

Eixo IV: Instrumentos normativos e econômicos

O último eixo do PPCDAm é voltado exclusivamente para criar, aperfeiçoar e implementar instrumentos normativos e econômicos para controle do desmatamento e concretização das linhas de ação dos demais eixos.

“Você precisa de muito recurso no Fundo Amazônia, muito recurso orçamentário, fazer contratações no IBAMA, repor o pessoal e capacidade operativa dos institutos de fiscalização para que o Estado brasileiro possa combater o crime ambiental no Brasil. Isso tudo foi muito enfraquecido”, comenta Astrini, do Observatório do Clima.

O Fundo Amazônia deve ganhar novas diretrizes, alinhadas com a atual fase do PPCDAm. Buscar outras fontes de recurso para fortalecer o Fundo e criar mecanismo de apoio emergencial aos Estados através dele também estão entre as ações previstas.

Outro destaque está em elevar o padrão de sustentabilidade do crédito rural, com alinhamento progressivo para que contribua com a meta de desmatamento zero até 2030. Devem ser introduzidos estímulos no Plano Safra da Agricultura Familiar e Plano Safra para a produção sustentável.

Uma taxonomia verde, para orientar atividades governamentais e privadas, também deve ser criada para áreas estratégicas de mitigação e adaptação para mudanças climáticas. A primeira proposta deve ser apresentada até novembro deste ano, de acordo com o documento. Paralelamente, o MDIC deve propor uma legislação para que as empresas sejam obrigadas a mensurar e divulgar os impactos socioambientais e a neutralizá-los.

Ainda, está prevista a criação de uma lei específica sobre bioeconomia indígena e de uma metodologia para avaliação do valor monetário da biodiversidade em áreas preservadas.