Gerdau certifica operação no Peru e avança para ser B Corp

Multinacional brasileira caminha para se tornar a primeira siderúrgica do mundo a receber certificação que demonstra benefícios à sociedade e ao meio ambiente

Planta de aços longos da Gerdau no Brasil
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Posicionada numa das indústrias mais poluentes do mundo, a brasileira Gerdau caminha para se tornar a primeira siderúrgica certificada como uma empresa B globalmente. O selo é concedido a empresas com fins lucrativos que, segundo padrões pré-estabelecidos, demonstram gerar benefícios à sociedade e ao meio ambiente, além de gerar lucro aos acionistas.

Depois de assumir publicamente o compromisso de se tornar uma B Corp em 2019 e iniciar os trabalhos em 2020, 2022 marcou o atingimento dos primeiros milestones da jornada da siderúrgica.

Em agosto saiu a certificação para a Gerdau Summit, sua joint-venture com a Sumitomo Corporation e com a Japan Steel Works, que produz peças para parques eólicos. Na reta final do ano foi a vez de sua operação no Peru, a Siderperu, receber o selo.

Por ora as operações são pouco representativas em termos de receita total, mas os processos para obter as primeiras certificações indicam o caminho das pedras para o restante do grupo.

O próximo passo será buscar o selo para as operações na América do Norte, que têm praticamente o mesmo peso que o Brasil dentro do conglomerado.

“Será uma espécie de segunda onda, com Gerdau Aços Longos e Aços Especiais, duas empresas que nós temos nos Estados Unidos e Canadá”, diz o head global de responsabilidade social da siderúrgica, Paulo Boneff, um dos líderes do processo.

Uma terceira onda contemplará os negócios nos demais países da América Latina: Argentina, Uruguai e México. Já o Brasil corre em paralelo, por causa de uma particularidade: a operação brasileira contempla, além da siderurgia, duas minas de ferro, atividade que também nunca recebeu uma certificação B no mundo e trouxe desafios diferentes.

A meta é ter todas as unidades com o selo até 2025, o que automaticamente qualificará a Gerdau S.A, a empresa-mãe do grupo listada em bolsa, como uma B Corp.

Processo fatiado

A decisão de fatiar o processo deve-se ao fato de a Gerdau ser uma organização complexa, em que várias empresas foram adquiridas ao longo do tempo, em diferentes geografias, até se chegar ao desenho atual. 

“E o Sistema B naquele momento também estava aprendendo a trabalhar com multinacionais, um caminho no qual a Danone está bem avançada. Foi um processo de aprendizado pros dois lados”, diz Boneff. 

Das mais de 5 mil empresas certificadas no mundo, a grande maioria é de porte pequeno ou médio. O engajamento de grandes empresas e multinacionais é algo recente. 

No Brasil, das quase 300 empresas B, apenas 4% faturam mais de US$ 100 milhões. Entre as listadas em bolsa, só Natura, Movida, Clearsale e Arezzo têm o selo – a Gerdau será a quinta quando concluir o processo. 

Para uma empresa com faturamento abaixo de US$ 100 milhões por ano, o padrão é levar menos de doze meses para a certificação completa.

“O processo de certificação é mais desafiador para empresas maiores, com cadeias complexas e política interna também mais complexa”, diz 

Rodrigo Santini, diretor-executivo do Sistema B Brasil. 

No caso da Gerdau, durante os dois primeiros anos a empresa foi analisada sob vários aspectos para decidir se ela era elegível à certificação. Foram levadas em conta questões societárias, tributárias, financeiras, área de atuação, entre outros.

O sinal verde para seguir adiante só veio na virada de 2021 para 2022.

Esse trabalho, diz Boneff, foi feito pelo comitê de padrões globais do Sistema B. “A gente não sabe quem integra e nem onde ficam, só sabemos que eles existem. Os pedidos de esclarecimentos são feitos por meio de uma carta enviada por um intermediário a esse conselho. É um processo para garantir a independência da decisão.”

No curso da certificação, por meio de um processo chamado Avaliação de Impacto B, que é uma das ferramentas de aferição de impacto socioambiental mais usadas no mundo, as empresas são avaliadas em cinco frentes: governança, trabalhadores, clientes, comunidade e meio ambiente.

A pontuação mínima para a certificação é de 80 pontos e a máxima, 200 – o selo vale por três anos e a empresa passa por uma revisão caso resolva renová-lo. A Gerdau Summit obteve 96,6 pontos na largada. 

Na Siderperu, onde mais de 97% da água é recirculada, 100% da energia é renovável, a matéria-prima é quase toda de sucata e há 29% de mulheres em postos de liderança, a nota foi de 100,1 pontos.

O desafio da mineração

Além do porte, a natureza do negócio também tornou o processo mais complexo. “Para trazer uma nova indústria como a siderúrgica para dentro do sistema, foi preciso construir novos parâmetros, utilizando e adaptando padrões do próprio setor”, diz Santini, do Sistema B.

Além disso, a existência de duas mineradoras em Minas Gerais, cujos produtos são consumidos pela própria siderúrgica, também trouxe complexidade adicional ao processo.  

“A mineração é um setor controverso ambientalmente no mundo todo e nos disseram que precisaríamos obter uma certificação adjacente específica do setor, porque a mineração tem uma complexidade adicional que o Sistema B não conseguiria avaliar”, explica Boneff.

O selo indicado foi o IRMA, sigla para Initiative for Responsible Mining Assurance, única avaliação independente de impacto do setor de mineração.

A expectativa, diz Boneff, é que as minas recebam o aval do IRMA agora em 2023. “E essa certificação é o pré-requisito para avançarmos com o selo B para a operação Brasil, que tecnicamente estaria pronta.”

Indutor de (melhores) práticas

Tirar a certificação B não significa que o aço que sairá dos fornos da Gerdau terá esse novo selo. Não se trata de uma avaliação do produto, mas da empresa como um todo.

Boneff entende que, para a empresa, a certificação é um atestado de que o que a empresa diz praticar foi verificado por um terceiro. “É algo que nos ajuda na comunicação, a comprovar que o que estamos falando é realmente verdade e não greenwashing”, diz. 

“As informações sobre emissões de CO2, consumo de água ou uso de energia continuam as mesmas, mas agora isso tudo é auditado. E não estamos falando apenas de padrões do Sistema B. Porque, quando se fala de carbono, eles usam o padrão do CDP; quando se fala de relações trabalhistas, eles usam as regras da Organização Internacional do Trabalho. Então, estamos falando dos standards mais elevados em cada categoria.”

Mas, mais do que um fim em si mesmo, diz, um dos grandes benefícios percebidos é que a certificação acaba funcionando como um indutor de melhores práticas nas frentes socioambientais e de governança.

Ele cita como exemplo a decisão da Gerdau de começar a comparar a remuneração dos colaboradores nas diversas unidades de negócio com o ‘living wage’ da geografia em questão. O living wage é a renda mínima necessária para que o trabalhador tenha uma condição de vida digna, satisfazendo suas necessidades básicas para além do que seria um salário de subsistência.

Num primeiro momento, as unidades estão apenas levantando a informação, algo que nunca havia sido feito. No futuro, diz Boneff, a empresa irá decidir se pretende agir e adotar políticas para corrigir eventuais desvios.

“Além de elevar todas as práticas para um patamar mais alto no curto prazo, o resultado ainda deixa um backlog de oportunidades de melhoria para os anos seguintes.”