Gado de máscara? É a nova aposta da Cargill para reduzir o efeito estufa

Gado de máscara? É a nova aposta da Cargill para reduzir o efeito estufa
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Colocar máscara no gado pode ajudar a reduzir um dos principais problemas da humanidade — e um dos principais alvos de negacionismo. 

Nesse caso, o efeito estufa. 

Se, para humanos, as máscaras se tornaram imprescindíveis para reduzir a propagação da covid-19, para as vacas, o acessório ganhou uma função inusitada: filtrar arrotos. 

Desenvolvida por uma startup britânica, a tecnologia ainda é usada em caráter experimental, mas acaba de ganhar o apoio de peso da Cargill, que começará a oferecê-la a criadores de gado leiteiro na Europa em 2022. 

Pode parecer piada, mas, no fundo, o problema é bastante sério. 

O agronegócio tem a segunda maior contribuição para a emissão de gases de efeito estufa no mundo, depois do setor de energia, e a pecuária — especialmente bovina — responde por mais da metade da pegada de carbono do setor. 

Os micróbios da ruminação emitem metano, um gás que retém muito mais calor na atmosfera que o gás carbônico. 

A cada ano, mais de 80 milhões de toneladas métricas de gás metano são emitidas por animais criados pelo homem no mundo, o equivalente a 28% da emissão de metano de forma antrópica, segundo a Universidade de Colorado. 

Bem diferente das máscaras humanas, o acessório bovino desenvolvido pela Zelp (abreviação de Zero Emissions Livestock Project) é colocado pouco acima da boca das vacas. 

Alimentado por energia solar, o dispositivo “suga” os arrotos e os filtra em uma câmara que absorve o metano. O gás só é expelido quando é transformado em dióxido de carbono — que é até 20 vezes menos nocivo do que o metano para o meio-ambiente — e vapor d’água.

A empresa afirma que pode reduzir a emissão de metano do gado até pela metade. (Um detalhe sobre a fisiologia bovina que você nunca imaginou que pudesse ser relevante: o principal problema não são as flatulências, mas sim o arroto dos bichinhos — cerca de 95% do metano liberado pelas vacas sai pelo nariz.)

A Zelp espera iniciar a fabricação em massa dos dispositivos no final de 2021. A expectativa é que sejam produzidas 50 mil máscaras nos primeiros doze meses e mais 200 mil unidades no segundo ano de operação. Cada máscara pode ser usada por quatro anos, de forma ininterrupta. A distribuição começa em 2022 e será focada em produtores de leite europeus.

No modelo de negócio estabelecido na parceria com a Cargill, o plano é cobrar uma taxa anual pelo uso do acessório em cada vaca. O valor ainda não foi definido oficialmente, mas a startup estima que a assinatura possa custar inicialmente a partir de US$ 80 por ano.

Trata-se ainda de uma tecnologia experimental e que precisa passar pela avaliação de pares para ter sua eficácia comprovada — além, é claro, de levantar questionamentos sobre como e se ela afeta o bem-estar dos animais.

Cada vez mais empresas do setor estão se comprometendo a reduzir sua pegada de carbono. A JBS, por exemplo, lançou o compromisso de se tornar net-zero em carbono até 2040 — e para isso vai ter que lidar também com o problema da fermentação entérica dos animais. 

Não há bala de prata.

O que atrai a Cargill é a possibilidade de combinar os produtos da Zelp, sobre os quais terá exclusividade de distribuição na Europa, com outras soluções. 

Nesta cesta entram produtos como aditivos alimentares, que inibem os micróbios nos estômagos das vacas para ajudá-los a produzir menos metano e vêm sendo desenvolvidos por uma série de empresas de nutrição animal.

“O bom do Zelp é que pode complementar uma vaca que já está recebendo aditivos para ração para reduzir as emissões de metano”, disse Sander van Zijderveld, um dos diretores de tecnologia e marketing da Cargill na Europa, em entrevista à Bloomberg. “Ele pode capturar o metano que ainda está saindo. Poderíamos reduzi-lo ainda mais.”

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