Fundo Amazônia começa a ser reativado. O que esperar

Mais que novos recursos, fundo precisa retomar financiamento de projetos; primeira reunião acontece na quarta

Fundo Amazônia começa a ser reativado. O que esperar
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Os US$ 50 milhões que os Estados Unidos vão colocar no Fundo Amazônia foram recebidos com decepção por alguns. É claro que mais recursos seriam bem-vindos, mas o principal problema do fundo hoje não é falta de dinheiro.

Com R$ 3,4 bilhões parados, a grande urgência é colocar esse dinheiro para trabalhar.

As engrenagens voltam a se mover esta semana. O Comitê Orientador do Fundo Amazônia, conhecido como Cofa, se reúne na quarta-feira pela primeira vez em quase quatro anos.

Sem o Cofa, o fundo ficou sem o mecanismo de governança responsável por estabelecer as diretrizes de investimento. Projetos que já estavam em andamento continuaram recebendo financiamento, mas nenhuma nova iniciativa pôde ser aprovada.

Agora, as três partes que formam o comitê – governos federal e estadual, junto com representantes da sociedade civil – têm a missão de recuperar o tempo perdido.

É a partir dessas definições que o BNDES, responsável pela  captação e gestão, pode recolocar o fundo nos trilhos.

Dupla missão

O Fundo Amazônia começou a operar em 2009. Na essência, os recursos têm dois tipos diferentes de destino. Um deles são programas conduzidos por ONGs para estimular o desenvolvimento sustentável.

O objetivo é ajudar as populações locais a gerar renda sem provocar degradação ou devastação da vegetação nativa.

Desde a segunda metade da década passada, com a falta de dinheiro no orçamento, ele também desempenha um papel fundamental para viabilizar operações de vigilância e repressão a atividades ilegais.

O combate ao garimpo deve ser um dos temas principais da reunião desta semana, diz Adriana Ramos, diretora do Instituto Socioambiental (ISA) e representante da sociedade civil no Cofa.

Os quatro anos de hibernação do fundo, afirma Ramos, foram decisivos para a extensão da tragédia humanitária ocorrida no território Yanomami.

Ela acredita que o governo federal fará uma demanda específica para lidar com a crise em Roraima, que deve ser acatada.

No passado, o fundo também contribuiu com dinheiro para apoiar situações emergenciais, comprando ou alugando aviões para a detecção de incêndios e viabilizando missões de fiscalização.

O trabalho vai ser especialmente complicado – e caro – no caso dos garimpeiros porque “eles saem de uma área e vão para outra”, diz Ramos.

A última milha

Medidas de vigilância e repressão são necessárias, mas insuficientes, segundo Ramos. Elas têm de ser complementadas com o desenvolvimento econômico, o que ela chama de uma “maneira indireta” de atacar o desmatamento.

Essa é uma das missões da Fundação Amazônia Sustentável (FAS), uma das entidades que mais receberam recursos e têm experiência com o Fundo Amazônia. Entre 2010 e 2021, a entidade foi contemplada com quase R$ 50 milhões do fundo para realizar dois projetos (o carimbo de aprovação representado pelo fundo ajudou a alavancar mais recursos de outras fontes).

Quando as atividades do fundo foram congeladas, a FAS estava nas etapas iniciais de aprovação de um projeto para estimular a geração de renda nas cadeias de valor da região.

O pedido era de R$ 69 milhões. Com a paralisação, a ONG teve de buscar fontes alternativas. “A vida continuou”, diz Victor Salviati, responsável pela área de inovação e desenvolvimento institucional da entidade. “Continuamos captando com outros parceiros. Mas o impacto foi grande.”

O programa de empreendedorismo da entidade conseguiu levantar R$ 25 milhões nos últimos dois anos de fontes privadas. “Com os R$ 69 milhões do fundo, eu teria mais de R$ 90 milhões para apoiar aquelas cadeias produtivas, combater a pobreza e diminuir o desmatamento”, afirma Salviati.

Segundo ele, nenhuma iniciativa parou, mas a intensidade diminuiu. “Do ponto de vista mais macro, organizações como a FAS estão em lugares onde o BNDES não chega, porque é muito caro e difícil. E as comunidades também não conseguem acessar o BNDES lá no Rio de Janeiro.”

Ele menciona como exemplos um programa de pesca responsável do pirarucu no Alto Solimões e iniciativas para desenvolver negócios de turismo em comunidades ribeirinhas para atrair viajantes que buscam “um banho de floresta”.

Ainda não está claro como será a retomada dos projetos que estavam em trâmite quando o fundo foi congelado.

No mínimo deve haver atualização dos valores. “Quando fizemos o projeto, de 2016 para 2017, a gasolina custava R$ 5 ou R$ 6 o litro. Depois bateu em quase R$ 9”, diz Salviati.

Aumentando o bolo

Com dinheiro em caixa e problemas inadiáveis para atacar, a contribuição simbólica anunciada pelo governo americano deveria ser entendida justamente pelo simbolismo, diz Ramos, do ISA.

“O importante é o compromisso e o fortalecimento do fundo”, afirma ela.

A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, afirmou que o movimento pode ajudar a alavancar a captação junto a novas fontes. Em entrevista ao jornal O Globo, ela disse que isso “anima” outros doadores.

Hoje, o principal contribuinte do Fundo Amazônia é o governo da Noruega, seguido pelo da Alemanha. Mas não há restrições para ingresso de instituições filantrópicas privadas, por exemplo.

Ramos também lembra que Lula, em suas declarações depois do encontro com Joe Biden, tentou enquadrar o assunto dentro do tema mais amplo do financiamento climático para os países em desenvolvimento.

Falando a jornalistas na sexta-feira, ele mencionou a aliança do Brasil com o Congo e a Indonésia para preservar as três maiores florestas tropicais do mundo e também os vizinhos da América do Sul com quem o país divide a região Amazônica.

Foi a repetição de uma das principais mensagens de seu discurso na COP27, em novembro passado, ainda na condição de presidente eleito. Na ocasião, ele se definiu como um “Lula cobrador” dos países ricos.

Fazer com que o mundo industrializado reconheça sua responsabilidade pelas emissões históricas de gases de efeito estufa foi o tema dominante da COP27, no ano passado, e a queda de braço deve continuar pelos próximos anos.

Uma das ambições de Lula é assumir o papel de líder das demandas dos países mais vulneráveis no âmbito político – e, nas mesas de negociação, alinhar a diplomacia brasileira de forma inequívoca a essa reivindicação.

Ao mesmo tempo em que existe uma tensão subjacente no que diz respeito ao dinheiro, o encontro dos presidentes sela a volta definitiva de Brasil e Estados Unidos ao campo das nações comprometidas com o Acordo de Paris.

Para Brian Winter, vice-presidente de políticas da Americas Society/Council of the Americas, trata-se de um sinal claro enviado pelos “dois parceiros mais cruciais do Hemisfério Ocidental quando se fala de mudança do clima”.

“Foi um gesto importante para sinalizar que os dois países estão de acordo” em relação à agenda climática, afirma Winter.