Fim da COP: Glasgow cria mercados de carbono, coloca pressão sobre carvão e fica devendo no financiamento climático

Um dos grandes avanços foi o consenso sobre o formato que terá o mercado global de carbono. Mas agora começa a parte difícil: criar as regras detalhadas para calcular, gerar e comercializar esses créditos

Fim da COP: Glasgow cria mercados de carbono, coloca pressão sobre carvão e fica devendo no financiamento climático
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A linguagem ficou mais aguada do que muitos esperavam, e ainda há mais diferenças que convergência entre países ricos e pobres, mas o martelo foi batido na COP26: o Pacto do Clima de Glasgow foi aprovado no começo da noite deste sábado, com um dia de atraso.

Um dos grandes avanços obtidos nas duas semanas foi o consenso sobre o formato que terá o mercado global de carbono. Estabelecido sob o Artigo 6 do Acordo de Paris, longos seis anos se passaram até que se chegasse a um consenso.

E agora começa a parte difícil: criar as regras detalhadas para calcular, gerar e comercializar esses créditos. O mecanismo financeiro é considerado um elemento vital para incentivar a descarbonização das economias e estimular inovações.

Um dos momentos mais dramáticos da COP26 aconteceu nos minutos finais da conferência. Assim que começou a última sessão plenária, quando seriam chanceladas as decisões, dois países pediram a palavra: China e Índia.

Os dois maiores consumidores de carvão do mundo apontaram objeções quanto ao uso do verbo ‘phase out’ em relação ao combustível, ou seja, uma eliminação gradual, mas definitiva da mais suja das fontes de energia.

No lugar entrou o verbo ‘phase down’, ou uma redução gradual, sem um fim à vista. Pela manhã, Bhupender Yadav, ministro do meio ambiente da Índia, havia dito que não cabia ao mundo ditar o regime energético de cada país.  Quase dois terços da eletricidade consumida pelo país vêm da queima de carvão.

“Os países em desenvolvimento têm de lidar com a redução da pobreza”, afirmou Yadav. A crise climática, disse ele numa indireta mal disfarçada aos países ricos da plateia, é fruto de “estilos de vida insustentáveis”.

O texto contém ainda outra ressalva: a referência vale apenas para o carvão queimado sem mitigações, como o uso de sistemas de captura e armazenamento de CO2.

Apesar de ser a primeira menção específica a combustíveis fósseis em um documento do tipo, a diluição do texto final foi criticada pelo conteúdo e pela forma como foi negociada.

“Estamos decepcionados com a mudança”, afirmou a representante suíça. O delegado de Fiji, uma das ilhas cuja existência é ameaçada pela mudança climática, afirmou estar “espantado e profundamente decepcionado” com a alteração.

O Pacto de Glasgow também menciona a necessidade do fim gradual dos subsídios ineficientes a combustíveis fósseis ‘ineficientes’ – uma proteção que países como Irã e Venezuela afirmam ser essencial para a garantia da qualidade de vida de suas populações.

Artigo 6

O nó dos mercados de carbono foi finalmente desatado. Questões que emperravam o avanço desse mecanismo foram resolvidas, com participação ativa da delegação brasileira.

Uma delas diz respeito à dupla contagem dos créditos. Decidiu-se criar dois mecanismos – um no nível dos países emissores e outro da governança do mercado — para certificar os créditos e evitar que eles sejam contabilizados tanto pelo gerador quanto pelo comprador.

Também houve a definição de uma taxa sobre parte dessas transações com o objetivo de destinar recursos para um fundo de adaptação climática dos países mais pobres.

Aqui, saiu vencedora a posição dos países mais ricos, que só aceitavam que taxa incidisse sobre as trocas voluntárias de créditos de carbono, deixando de fora as trocas bilaterais entre países, defendida pelos países em desenvolvimento, com o objetivo de ampliar a transferência de renda entre nações ricas e pobres.

Ainda há alguns detalhes para resolver – como por exemplo a aceitação de créditos por emissões evitadas, algo que interessa ao Brasil. Mas o importante é colocar as mãos à obra, diz Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa e especialista em negociações do clima.

“O Protocolo de Kyoto foi aprovado em 1997, mas demorou muitos anos até que os créditos começassem a ser efetivamente negociados”, afirma ela.

Entre os próximos passos estão a definição do conselho internacional que vai gerir os mercados de carbono e também definições internas de cada país.

Unterstell aponta que a comissão do governo federal que lidava com o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (do Protocolo de Kyoto) foi extinta e terá de ser recriada.

A regulamentação do Artigo 6 “sinaliza um passo importante para uma retomada econômica verde no Brasil porque cria uma oportunidade para o setor empresarial se engajar no comércio global de emissões”, disse Marina Grossi, presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável, destacando, no entanto, a necessidade urgente de que o Brasil regulamente seu mercado de carbono doméstico.

Balanço delicado

O enviado especial do clima do governo americano, John Kerry, usou um clichê surrado, mas verdadeiro quando se trata de uma negociação que precisa do consenso de 197 países: “o ótimo é o inimigo do bom”.

Nas sessões públicas realizadas nos dias finais da COP, representantes dos países mais pobres pediram a palavra para pedir ajuda.

Alok Sharma, o presidente da COP, afirmou que a inclusão da expressão “perdas e danos” — que se refere aos prejuízos dos países que já sofrem com os efeitos da mudança climática, como as pequenas ilhas —  pela primeira vez no documento final de uma conferência do clima foi uma vitória. Mas os países ricos continuam resistindo à ideia de reparação financeira por um problema pelo qual têm a maior responsabilidade em termos históricos.

O G77, grupo que reúne 134 países em desenvolvimento e inclui o Brasil, queria a criação de um fundo com essa destinação específica, mas americanos e europeus são contrários.

Por enquanto, eles se comprometem apenas com ajuda técnica. O assunto certamente vai dominar as discussões da COP27, que acontece no Egito no ano que vem.

Um avanço foi obtido com a promessa de dobrar o fundo de US$ 100 bilhões de dólares que vai ajudar os países com menos recursos a fazer as adaptações necessárias para lidar com a mudança do clima.

Mas, como vários deles apontaram ao longo das últimas duas semanas, nunca se atingiu o montante — e é preciso vencer uma enorme burocracia para acessá-lo. 

Lee White, o representante do Gabão, resumiu uma sensação que permeou a conferência: “Precisamos de mais garantias antes de embarcar no trem elétrico saindo da COP de Glasgow”.

Copo meio cheio?

Uma avaliação positiva, se lida com um pouco de boa vontade, foi dada pela diretora executiva do Greenpeace, Jennifer Morgan. “É tímido, é fraco, e o objetivo de 1,5°C está vivo por pouco, mas foi dado o sinal de que a era do carvão está acabando”.

No fim das contas, o que importa é o que será feito daqui em diante, disse Sharma. “Não seremos julgados pelo que foi assinado, mas sim por entregar o que foi prometido. O trabalho começa agora.”