O ESG será a nova vítima da polarização política?

Nos Estados Unidos, políticos republicanos partem para o ataque contra instituições que defendem os investimentos sustentáveis

Campo com poços de exploração de petróleo no Texas, Estados Unidos
A A
A A

Um movimento nascido nos redutos mais conservadores dos Estados Unidos rapidamente tornou-se tema nacional do Partido Republicano: atacar os investimentos sustentáveis e tudo o que levar a sigla ESG.

O ex-vice-presidente Mike Pence afirmou que propostas de mais regulações ESG vão permitir que “radicais de extrema esquerda destruam por dentro os produtores de energia americanos”.

Ron DeSantis, governador da Flórida, anunciou na semana passada que os fundos de pensão do estado não poderão mais tomar decisões de investimento baseadas em critérios ambientais, sociais ou de governança.

Junto com o ex-presidente Donald Trump, Pence e DeSantis são potenciais postulantes à candidatura presidencial dos republicanos na eleição de 2024.

No noticiário, a agenda ESG está se transformando em mais material para bate-bocas políticos. Mas a disputa já mostra consequências práticas.

Em Estados em que os combustíveis fósseis têm peso relevante na economia, leis querem restringir a atuação de instituições financeiras e fundos de investimentos que seriam agentes “esquerdistas”.

Desde a ascensão de Trump, a relação do Partido Republicano com Wall Street tem sido turbulenta. Antes, a acusação era de “elitismo”. Agora, de que o setor financeiro estaria deixando de lado a busca do lucro.

A Virgínia Ocidental, um estado que a cada eleição pende mais para a direita, não vai mais fazer negócios com instituições como JP Morgan, Goldman Sachs e BlackRock – alegando que, ao negar recursos para a queima de carvão, eles estariam prejudicando o Estado.

Mas é o desenrolar desse embate no Texas, segunda maior economia americana depois da Califórnia, que expõe como a polarização se insinua em todos os aspectos da vida americana.

Don’t mess with Texas

Controlada pelos republicanos, a assembleia legislativa do Texas aprovou no ano passado uma lei exigindo que fundos de pensão de funcionários públicos vendessem as ações das instituições que “boicotam” empresas de energia.

O Estado é o maior produtor de petróleo do país. Seguindo a determinação da lei, o comptroller (uma espécie de fiscal das contas públicas), Glenn Hegar, preparou uma relação dos grupos financeiros ameaçados com rompimento.

A lista publicada no final de agosto continha 10 nomes de instituições de capital aberto, entre os quais a BlackRock, maior gestora de ativos do mundo, e instituições europeias como Credit Suisse e BNP Paribas.

Além delas, 350 fundos de investimentos podem ser alvo de desinvestimento obrigatório por entes oficiais do Texas.

“O movimento ESG produziu um sistema opaco e perverso, no qual algumas companhias financeiras não tomam decisões com base no interesse dos acionistas ou de seus clientes, mas sim usam sua influência financeira para promover uma agenda política e social cheia de segredos”, afirmou Hegar em comunicado oficial.

Os integrantes dessa lista são inicialmente advertidos. Caso continuem – na avaliação de Hegar – a boicotar o setor de energia, entra em vigor a proibição.

Somente o fundo de pensão dos professores da rede pública do Texas detém cerca de US$ 200 bilhões em ativos.

Politização do ESG

Para elaborar a lista, o fiscal texano procurou as instituições mais bem colocadas no ranking ESG da MSCI, uma companhia de informações financeiras. Também foram consultadas alianças globais como a Net Zero Banking Alliance e Climate Action 100.

Do cruzamento dessas fontes saíram 19 nomes. Eles podem ser interpretados como uma relação de companhias publicamente comprometidas com a transição energética ou então, como decidiu o Texas, um rol de investidores “hostis” ao Estado.

Os 19 foram consultados sobre sua relação com a indústria de energia. Mas o processo foi cheio de falhas, incluindo correspondências enviadas a executivos aposentados, segundo uma reportagem do Financial Times.

Além disso, os rankings ESG medem muito mais que somente critérios energéticos. E não existe uma padronização para eles. Se fosse usada uma tabela de outro fornecedor, o resultado seria diferente, afirmam os críticos.

“Politizar fundos de pensão estatais, restringindo o acesso a investimentos e afetando o retorno financeiro dos aposentados não condiz com o dever de atuar no interesse da população”, afirmou a BlackRock. “O julgamento não se baseou em fatos.”

A gestora diz ter investido mais de US$ 100 bilhões em empresas de energia texanas e dá a entender que a medida foi política. Indícios certamente existem.

‘Woke’

A BlackRock administra quase US$ 10 trilhões, o que garante a seu fundador e CEO, Larry Fink, audiência cativa. Há alguns anos ele defende a importância da responsabilidade socioambiental dos negócios – e também o coloca na mira dos críticos do ESG.

Ted Cruz, senador texano e um dos nomes mais ruidosos da extrema direita republicana, chamou Fink de “woke”, um termo inicialmente cunhado para designar pessoas antirracistas mas que passou a designar de forma pejorativa todo tipo de tema ou indivíduo associado à esquerda.

“Tem um adicional Larry Fink toda vez que você enche o tanque. Pode agradecer ao Larry pela pressão ESG massiva e inadequada”, afirmou o senador, atribuindo a alta dos combustíveis a pressões ambientais.

Legisladores de mais de outros dez Estados além do Texas já anunciaram que pretendem apresentar projetos para limitar ou proibir o uso de critérios ESG pelos administradores de recursos públicos.

Os eleitores podem gostar desse tipo de posicionamento, mas se eles fazem sentido financeiro é incerto.

Bancos como Goldman Sachs, Bank of America e Citibank adotam práticas “discriminatórias” contra fabricantes de armas de fogo e não podem mais participar de emissões de dívidas municipais.

A menor concorrência pode ter custado aos cofres públicos de US$ 300 milhões a US$ 500 milhões, de acordo com um paper publicado no mês passado e intitulado: “Gas, Guns and Governments: Financial Costs of Anti-ESG Policies” (gasolina, armas e governos: custo financeiro de políticas anti-ESG).

Risco real ou imaginário?

Alguns argumentam que esse tipo de reação política ESG seja somente uma batalha de menor importância na guerra cultural que divide os Estados Unidos – e, cada vez mais, também o Brasil.

Apesar da leve desaceleração do fluxo de recursos para investimentos sustentáveis, o segmento ESG ainda é um dos que mais crescem nas finanças globais.

Estima-se que US$ 2,5 trilhões em recursos sejam direcionados seguindo algum tipo de critério de sustentabilidade, de acordo com o serviço de informações Morningstar.

Mas há quem alerte para consequências potencialmente sérias. “Será que gestores terão de escolher de que lado estão?”, perguntou o analista Andrew Poreda, da Sage Advisory Services, em entrevista à Bloomberg.

Dever fiduciário e alinhamento político sempre foram coisas distintas. Mas até quando?