ESG com algoritmo? A estratégia da Pandhora nos seus fundos quant

Gestora de R$ 460 milhões fez lista de 'quase exclusão' para setores controversos na sua fatia em ações brasileiras — e tenta lidar com a falta de padronização de dados para escalar integração

ESG com algoritmo? A estratégia da Pandhora nos seus fundos quant
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A falta de padronização na divulgação dos dados ambientais, sociais e de governança é uma das principais queixas no mundo do ESG. 

Se a confusão generalizada de métricas atrapalha até os gestores acostumados a gastar saliva e sola de sapato para entender o caso a caso de cada companhia, é um obstáculo ainda maior para os fundos quantitativos, que operam com base em algoritmos e que representam uma fatia cada vez maior da alocação de recursos globais. 

No Brasil, a Pandhora, uma casa com R$ 460 milhões sob gestão e que só opera com estratégias quant, decidiu encarar o desafio. 

O impulso veio da história de dois dos fundadores, Alexandre Bossi e Pedro Camargo, que decidiram estender sua preocupação com causas ambientais na pessoa física também para a jurídica. 

Gestor com passagens por casas de value investing clássicas como Fama e Brasil Capital, Bossi é presidente da SOS Pantanal, organização voltada para a conservação do bioma desde 2018, e vice-presidente da Onçafari, projeto que estimula o ecoturismo para conservação ambiental. 

“Isso é algo que eu nunca aprendi na escola, nos cursos, no mercado. Mas fato é que os investidores têm poder e a gente nunca pensou em usá-los de forma ativa, para melhorar a situação do planeta”, afirma, dizendo que encontra muito preconceito entre outros gestores. “A maior parte acha que é bobagem.”

Diante dos obstáculos para obter dados consistentes e elaborar uma estratégia ESG mais sofisticada, a gestora começou pelo básico: criou uma política de “quase exclusão” para setores considerados controversos do ponto de vista ambiental na sua carteira de ações ‘long only’ — compra dos papéis com aposta na sua valorização. 

Petróleo e gás, mineração, indústria química, proteína animal, bebida alcoólica, siderurgia e transporte aéreo recebem um desconto de 75% em relação à alocação tradicional sugerida pelos algoritmos.

Em outras palavras: se o modelo sugere colocar 1% do fundo em Vale, essa alocação será de apenas 0,25%. 

Como tudo na casa, a política só começou a ser adotada depois de validada por um ‘backtest’, uma avaliação que permite examinar como o algoritmo se comportaria em outros momentos do mercado.  E a análise retroativa trouxe um resultado inesperado. 

“Eu achei que seria detrator de rendimento para trás, porque há 10 anos ninguém olhava para isso. Mas, para a nossa surpresa, foi neutro, não alterou rentabilidade e nem volatilidade”, diz Bossi. 

Tirando o olhar do retrovisor em direção ao pára-brisa, ele espera que o efeito seja diferente. “Acreditamos que para frente isso deve ser um contribuidor de resultado. Tanto pela questão geracional, quanto pelas pessoas começaram a se acostumar com os conceitos e ver que isso realmente funciona. O investimento vai migrar para esse tipo de estratégia.” 

Descorrelação com o Ibovespa 

Com frequência, gestores de ações no Brasil apontam dificuldade em implementar listas de exclusão setoriais porque elas implicam num descolamento do Índice Bovespa, que tem grande peso de produtoras de commodities, como Petrobras e Vale. 

Na Pandhora, esse obstáculo virou diferencial. Uma das principais vantagens e argumentos de venda dos quants é a descorrelação com o restante do mercado, o que dá conforto à carteira em momentos de crise. 

“Nossa estratégia de ações está baseada essencialmente em dois fatores. Temos modelos que compram ações baratas, de acordo com vários indicadores de balanço; e de ‘momentum’, que compram ações que estão tendo um bom desempenho recente”, conta Flávio Duarte, analista responsável pela estratégia ESG. 

Esses dois fatores levam a uma carteira diversificada, composta por cerca de 80 papéis, enquanto casas long-only mais tradicionais muitas vezes têm o portfólio concentrado em menos de duas dezenas de papéis. 

Apenas uma fatia 

Os critérios ESG se aplicam à posição comprada em ações nos dois principais fundos da Pandhora. Mas mexe pouco no ponteiro do carro-chefe da casa, o multimercado Essencial, que tem uma alocação pequena na bolsa brasileira. 

A análise ESG não se estende a outros ativos, como o próprio futuro de Ibovespa ou de outros mercados acionários mundiais, e ainda não se aplica também às estratégias long-short (em que há apostas também na queda de certas ações, por meio de posição vendida).  

Na prática, a política de exclusão faz mais diferença na carteira do long-bias, o fundo de renda variável que tem a maior parte do capital comprado em bolsa brasileira. Operando desde 2019, ele acabou de ganhar um veículo espelho na XP, voltado para previdência, que levou o carimbo de “ESG” no nome.

“Quando começamos a pensar nos fatores ESG, nem pensamos em colocar isso no nome dos fundos. Mas veio uma provocação da XP e entendemos que isso pode ser um diferencial”, diz Bossi. 

Começo de jornada

A gestora reconhece que a lista de exclusão setorial é apenas o começo de uma jornada ESG, que tem fatores muito mais amplos que apenas o componente ambiental — e com muito mais nuances do que o impacto de cada setor. 

“Sabemos que existem companhias fora de setores obviamente controversos e com más práticas”, diz Bossi. “Mas ainda não conseguimos capturar isso.”

O desafio é como incorporar as premissas ESG dentro de algoritmos que dependem de bases de dados padronizadas e replicáveis para tomar decisões. 

No início da jornada, a Pandhora chegou a avaliar os provedores de dados ESG, mas acabou identificando três problemas. O primeiro é que cada um tem uma metodologia própria, que dá mais peso ou menos para a questão ambiental ou social. Segundo, eles não contemplam diversas empresas brasileiras, especialmente as que estão fora do Ibovespa. 

E o principal: o histórico desses ratings não é muito longo — quando muito, de 2014 para a frente —, o que não permite os tais ‘backtests’ cruciais para validação da estratégia. 

Os gestores, no entanto, são otimistas quanto à evolução dessa padronização. 

“A gente entende que a iniciativa da CVM de endereçar a questão de ESG no reporting das empresas pode ser um avanço, que auxilie nessa análise sistemática”, diz Duarte.

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