Parças transforma ex-detentos em programadores — e atraiu Nubank e Bossanova

Startup de educação supre demanda das empresas por desenvolvedores qualificando pessoas que passaram pelo sistema penitenciário

Alan Almeida, fundador da Parças, escola de programação para ex-presidiários
Alan Almeida, fundador da Parças, escola de programação para egressos do sistema prisional
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Em 2017, o desenvolvedor de software Alan Almeida, hoje com 30 anos, foi abordado numa rua de São Paulo: um homem, com o alvará de soltura na mão, pedia dinheiro para comer e para comprar uma passagem de ônibus.

Quem já passou por essa situação tende a se sentir coagido. Mas Almeida lembrou de parentes e amigos que já haviam estado privados de liberdade e resolveu ajudar.

Negro, criado por uma mãe solo, Almeida viu seu primo passar dois anos como interno na Fundação Casa, autarquia paulista em que adolescentes são reclusos como medida socioeducativa. Um tio de sua companheira, Carla Cristina Almeida, assistente social e também programadora, cumpriu pena na extinta Casa de Detenção do Carandiru.

“Cresci junto com essas pessoas, sei que elas têm um potencial enorme, mas não tiveram a mesma chance que eu tive. Sou o primeiro da minha família a ter ensino superior”, diz. 

Formado em direito, começou a estudar programação por conta própria após ouvir que essa seria a “profissão do futuro”. Tomou gosto pela atividade e se tornou desenvolvedor de software, com passagens por Citibank e Natura.

“O que eu sempre ouvi dos meus chefes nessas multinacionais eram reclamações sobre a escassez de mão de obra para as tarefas mais simples. Sabendo disso e ajudando aquele cara, eu me vi diante desses dois cenários.”

Foi aquele encontro, cinco anos atrás, que inspirou Almeida a criar o embrião do que viria a se tornar a Parças Dev School (dev é o diminutivo da palavra em inglês para desenvolvedor), escola que ensina programação para jovens e mulheres encarcerados ou que já passaram por algum tipo de medida de privação de liberdade.

O que começou como um trabalho voluntário dele e da mulher hoje é um negócio que atende empresas como Nubank, Raccoon e Porto Seguro. São clientes que estão interessados no impacto positivo da escola de Almeida, mas não só isso: eles precisam de programadores.

Com potencial para crescer e provocar mudanças num dos segmentos mais vulneráveis do estrato social brasileiro, a empresa já recebeu capital semente de alguns investidores conhecidos. O Nubank adquiriu 3,7% da startup no ano passado, por meio do seu fundo Semente Preta. No mês passado foi a vez do fundo de venture capital Bossanova, que ficou com 10% da empresa. O restante é dividido entre os fundadores Alan (73%), Carla Cristina (13%) e Francisco Neto (0,3%).

Construindo pontes

O Brasil possui a terceira maior população carcerária do mundo. São mais de 900 mil encarcerados, segundo o Conselho Nacional de Justiça. Neste mesmo país, o número de vagas no setor de tecnologia pode chegar a 800 mil até 2025. Desse total, 95 mil são de nível técnico, mas o Brasil mal forma 50 mil profissionais ao ano — dados da Associação das Empresas de Tecnologia da Informação (Brasscom).

Almeida acredita que a Parças pode oferecer qualificação técnica em programação como uma forma de ressocialização e reinserção em um mercado de trabalho que nunca precisou de tantos profissionais de tecnologia da informação (TI).

Os alunos da Parças geralmente são jovens da periferia que deixaram o sistema penitenciário, internos da Fundação Casa e detentas da Penitenciária Feminina da Capital. Eles passam por treinamentos que duram de quatro meses a um ano (com uma carga horária que pode chegar a 455h). 

Durante o período de formação, os educandos recebem uma bolsa de um salário mínimo, um pacote de internet e um computador emprestado. Com o equipamento, aprendem linguagens como HTML, CSS, Javascript ou PHP e desenvolvem projetos práticos.

A empresa tem um modelo híbrido. Para os alunos, funciona como uma escola tradicional. As receitas vêm das empresas que precisam de funcionários especializados.

A Parças cobra uma taxa fixa para encontrar, dentro de sua base de currículos, os programadores com os conhecimentos específicos buscados pelas companhias. 

Outra linha de receitas é a criação e aplicação de treinamentos focados em softwares proprietários para grupos maiores, uma demanda de companhias que queiram formar equipes inteiras. “Estamos negociando com a Siemens e TrueChange um contrato deste tipo para 2024”, diz Almeida.

Desde sua fundação, a escola já formou 1.727 programadores. Os que conseguem uma colocação – 92% dos alunos, diz Almeida – recebem um salário médio de R$ 4.500. Somente 2% deles não se adaptam ao emprego.

No azul

A Parças chegou ao break even em 2019, e o faturamento vem crescendo no ritmo acelerado das startups. Há três anos, a empresa teve R$ 55 mil de receita. Só nos primeiros seis meses deste ano, o faturamento chegou a quase R$ 1 milhão. 

É uma realidade muito diferente dos primeiros passos da iniciativa de Carla Cristina e Alan de Almeida, cinco anos atrás, quando eles ensinavam código como voluntários da Fundação Casa.

“Os computadores eram poucos. E, para que os alunos pudessem se dedicar totalmente ao estudo sem se preocupar com a falta de dinheiro em casa, eles precisavam ganhar uma bolsa. Isso era especialmente crucial para as mulheres com filhos”, afirma Almeida.

A falta de um espaço próprio significava que muitos jovens não podiam continuar com a formação depois de sair da unidade.

A saída foi buscar estruturar a iniciativa como um negócio que se sustentasse com as próprias pernas e ao mesmo tempo não onerasse os estudantes. Em 2018, recém-estabelecida como negócio, a Parças passou pela Vai Tec, programa de aceleração da Adesampa (Agência São Paulo de Desenvolvimento), ligada à prefeitura.

Depois vieram três outros programas de aceleração — BrazilLab, Inovativa e SAP Brasil —, que ajudaram Almeida a pensar no crescimento, em finanças e na importância de vender sua ideia para os outros, incluindo potenciais investidores. 

A consolidação do modelo de startup de impacto social, com métricas de impacto, veio com a mentoria do Quintessa, e uma doação de cerca de R$ 200 mil dos braços de filantropia da Península, family office de Abilio Diniz, e da Provence Capital, de Leo Figueiredo.

Embora a empresa enfrente concorrentes tanto na área de formação de desenvolvedores como na de recursos humanos, Alan Almeida afirma que a Parças forma programadores com certificações valorizadas pela área de TI, como as que comprovam habilidades de gerência ou segurança da informação. 

“A empresa que contrata nossos programadores não está suprindo apenas uma carência da sua estrutura, ela está transformando uma geração que era dada como perdida. E o mais importante, o impacto é uma consequência da excelência da formação”, diz.