Eneva promete sair de carvão até 2040 e investir em captura de CO2 e hidrogênio

Pressionada por investidores estrangeiros, empresa assume compromisso de abandonar fonte energética suja que responde por mais de 20% de sua receita

Eneva promete sair de carvão até 2040 e investir em captura de CO2 e hidrogênio
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Sob escrutínio crescente de investidores estrangeiros que alocam capital em fundos locais com grandes posições nos seus papéis, a Eneva está anunciando o compromisso de encerrar completamente as atividades das suas duas térmicas a carvão até 2040. A companhia também se compromete a buscar a neutralidade em emissões de carbono até 2050.

Desde 2020 a empresa se comprometeu a não fazer novos investimentos em carvão, além das térmicas de Pecém (CE) e Itaqui (MA).  Os anúncios fazem parte do Plano 2030 da companhia, que será apresentado aos investidores nesta terça-feira.

“Agora temos o compromisso firme de não ter mais ativos de carvão em 2040. É uma grande mudança”, disse o CEO Pedro Zinner em conversa com o Reset.

Investidores preocupados com questões ESG vinham cobrando que a empresa, maior produtora do país de gás natural em terra, desse um norte claro sobre a sua estratégia para os negócios com carvão, que respondem por mais de 20% da sua receita.

Mesmo com a decisão de implantar o phase out das térmicas, a companhia mantém a ideia de, em caso de demanda do sistema, renovar os contratos de Power Purchase Agreement (PPA) para venda da energia dessas usinas.

Mas, de acordo com Zinner, caso essas renovações se concretizem, ainda assim a companhia manterá o compromisso de sair de carvão até 2040 – ainda que os novos contratos tenham prazos além dessa data.

Hoje o carvão responde por pouco menos de um terço da capacidade de geração da empresa e caminhará para 20% ao fim deste ano, com a entrada em operação de outros projetos de gás natural, como a quinta fase do Complexo de Parnaíba, no Maranhão.  

Em dezembro, a Eneva começou a dar corpo à tese de transição energética com a compra da Focus, que está erguendo o maior parque solar do país na Bahia. Agora, a empresa procura ir além da sinalização.

Como parte dos compromissos ESG assumidos no novo plano, a empresa de energia fixou a meta de reduzir em 24% a intensidade das suas emissões de CO2 até 2030.

Segundo Anita Baggio, diretora executiva de pessoas e ESG da Eneva, para cumprir o prometido a empresa pretende se valer de tecnologias de eficiência energética já disponíveis, como o chamado fechamento do ciclo das térmicas (que reaproveita o calor da exaustão das turbinas para gerar vapor e alimentar outras turbinas).  

Não entram nessa conta, portanto, os resultados a serem obtidos numa nova frente também anunciada pela empresa: investir R$ 500 milhões até 2030 em tecnologias de baixo carbono. 

Zinner coloca debaixo desse guarda-chuva três projetos-pilotos de captura e estocagem de carbono usando tecnologias diferentes e uma planta-piloto de hidrogênio verde (a partir de energias limpas).

No caso do carbon capture and storage, a ideia é usar parte dos reservatórios já vazios do Complexo de Parnaíba para estocar o CO2 emitido pela queima do gás natural, aproveitando a mesma infraestrutura de dutos. Segundo ele, mais do que tecnológico, o grande obstáculo aqui está na esfera regulatória, que ainda precisa definir como serão repartidas as responsabilidades em caso de escape desse CO2 no futuro.

Ele, o gás natural

Nascida com o nome de MPX, um enrosco do grupo de Eike Batista que emergiu da recuperação judicial em 2016, desde 2017 a Eneva promoveu um dos mais bem-sucedidos casos de turn around do mercado brasileiro. 

De uma empresa com operações no Ceará e Maranhão e capacidade instalada de 2,1 GW, hoje a companhia está também no Amazonas, Roraima, Goiás, Mato Grosso do Sul e Rio de Janeiro, com capacidade instalada de 3,7 GW. Seu custo de dívida caiu drasticamente, a capitalização de mercado foi na mão inversa.

A empresa é a principal produtora de gás natural em terra no Brasil e a única a gerar energia térmica com usinas na boca do poço.

No Plano 2030, a Eneva diz que sua missão será liderar uma “transição energética justa e inclusiva”. Traduzindo: ele, o gás natural, continuará a ocupar o centro da sua estratégia pelo menos até o fim desta década. 

“O gás tem papel importante na transição energética, em substituição aos combustíveis mais poluentes. Vamos migrar para uma matriz mais limpa e o gás tem seu papel”, diz Zinner, citando em especial sistemas isolados na Amazônia que hoje queimam óleo e diesel. A empresa está fortemente posicionada para o fornecimento do gás na região.

O lugar do gás natural num cenário de transição energética divide opiniões. De um lado, há quem defenda que se trata de mais um combustível fóssil, que também emite CO2. Outros,  como Zinner, afirmam que se trata de uma fonte muito menos intensiva em carbono e, portanto, um combustível válido até que se chegue a um mundo pós-carbono. Na semana passada, a inclusão do gás natural como ativo verde na taxonomia da União Europeia deu impulso à segunda interpretação.

De acordo com Zinner, até o fim da década a Eneva vai focar em buscar alternativas de monetização para o gás que extrai do subsolo. Hoje, a empresa faz a extração para gerar energia nas térmicas instaladas ao lado do poço e jogá-la no sistema. “Passaremos a fornecer energia ou gás, de acordo com a demanda do cliente”, diz ele.