Eneva começa a dar corpo à tese de transição energética com compra da Focus

Mas companhia fica devendo norte mais claro na estratégia e posição sobre térmicas a carvão, diz investidor

Paineis solares
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Demandada por investidores locais e estrangeiros, a Eneva começou a traçar um caminho mais claro rumo à transição energética com a compra da Focus, anunciada ontem e detalhada há pouco.

A Focus, que fez seu IPO no começo deste ano, constrói hoje o maior parque solar do Brasil, o Futura 1, na Bahia, com capacidade de gerar 670 MW em uma área equivalente a 500 campos de futebol. Mas vinha pressionada financeiramente pela explosão do custo e quebra de fornecimento das placas solares. 

“Há uma pressão grande sobre a empresa e com a Focus a Eneva consegue se posicionar em renovável. Claro que ainda vai ter muito gás natural, porque o seu core business é grande”, diz o gestor de um fundo com posição relevante na companhia.

A capacidade instalada de geração da companhia hoje é de 2,8 GW e, portanto, a adição da Focus é significativa. Além da fazenda em construção, a empresa tem opção de desenvolver os projetos Futura 2 e 3, alcançando capacidade instalada de 3 GW.

Em teleconferência com analistas há pouco, o CFO Marcelo Habibe frisou que a Eneva entra num segmento de amplo crescimento, com chance de venda cruzada de gás natural para grandes clientes. E apontou alguns ganhos: acesso a um novo tipo de capital, com possibilidade de emissão de green bonds, redução da intensidade de emissões de CO2 no portfólio da empresa e a opção de desenvolver projetos de hidrogênio verde no futuro.

Mas ainda falta desenhar o quadro todo. O CEO Pedro Zinner prometeu para fevereiro apresentar a visão do que será a Eneva em 2030.

“Pelo visto, vamos ter que esperar até fevereiro. Eles ainda estão devendo um norte mais claro na estratégia e na questão do carvão”, disse um gestor.

Com duas térmicas a carvão no portfólio, a companhia é alvo de questionamentos constantes de investidores mais atentos aos riscos climáticos. E gestores locais com Eneva em carteira têm sido pressionados por seus investidores estrangeiros a saírem do papel.

A resposta da Eneva tem sido até agora na linha de não fazer novos investimentos em carvão, mas manter os atuais, ao mesmo tempo em que enxerga as térmicas a gás natural como peça fundamental na transição.

“Sempre colocamos o gás como energia de transição e sempre entendemos que migraríamos para fontes mais renováveis”, disse Zinner aos analistas.

Nisso, a companhia tem sido apoiada por alguns investidores de referência. Em rara entrevista, Fernando Pires, da gestora Dynamo, que tem 6% do capital da companhia, disse ao Reset em julho que, embora fosse mais fácil sair da posição, a opção é por manter o papel em carteira e trabalhar com a empresa para limpar seu portfólio progressivamente.

“Vender ativos para aventureiros não nos parece o melhor caminho. Somos contra essa solução. Importante é não renovar investimentos em combustíveis fósseis”, diz outro gestor.

Aos analistas, Habibe disse hoje que com a compra da Focus a Eneva fica com um portfólio de projetos em renováveis e poderá escolher quais desenvolver e quando. Ele citou o projeto de energia eólica de Santo Expedito, no Rio Grande do Norte.

Quanto a Futura 2 e 3, o CFO disse que a intenção é avançar, mas não em 2022. “Pelo custo das placas solares, parece não fazer sentido no ano que vem. A ideia é desenvolver nos próximos anos, mas precisamos esperar um melhor momento de custo.”

A expectativa, disse Habibe, é que a geração solar entregue rentabilidade em linha com os últimos projetos de gás da Eneva.