Em visita relâmpago à COP, Biden foca na descarbonização dos EUA e ‘esquece’ reparação a vulneráveis

‘Perdas e danos’ ficam fora do discurso do presidente americano e combate ao metano ganha espaço

Em visita relâmpago à COP, Biden foca na descarbonização dos EUA e ‘esquece’ reparação a vulneráveis
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O presidente americano Joe Biden fez uma passagem relâmpago por Sharm el-Sheikh nesta sexta. No discurso que fez no espaço de três horas entre a aterrissagem e a decolagem do Air Force One, ainda embalado pelo resultado melhor que o esperado nas eleições de meio de mandato esta semana, ele focou nos avanços da pauta climática doméstica, mas deixou a desejar nos acenos aos países do hemisfério Sul. 

O líder do segundo maior emissor de gases de efeito estufa do mundo até anunciou alguns repasses milionários a economias emergentes, mas esses seguem aquém do necessário. 

Na agenda climática, cada palavra importa. O termo “perdas e danos”, usado quando falamos de compensação por prejuízos ligados a eventos climáticos, ficou de fora do discurso de Biden – em contraste ao de outras autoridades, como Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia.

A pauta é cara aos países em desenvolvimento – que lidam com os maiores impactos climáticos, mesmo não sendo os maiores emissores – e incluí-la na agenda oficial da COP27 foi considerada uma vitória.  

Em discursos internos, quando levanta críticas aos lucros recordes de petroleiras americanas, Biden costuma repetir inúmeras vezes que essas precisam “to pay their fair share”. Mas, ao falar da atuação de seu país nos esforços globais contra a “catástrofe climática”, a menção à parcela justa não apareceu. 

Entre os financiamentos, o democrata disse querer fornecer US$ 11 bilhões por ano às economias vulneráveis para que lidem com a crise climática até 2024, incluindo US$ 3 bilhões para adaptação. Trabalhar com outros países para alcançar o marco anual de US$ 100 bilhões também está entre os planos da Casa Branca. 

Além de nunca ter sido alcançado, o valor é também insuficiente para lidar com a agenda climática. Países em desenvolvimento e mercados emergentes, com exceção da China, precisam receber ao menos US$ 1 trilhão por ano de fundos externos até 2030 para dar conta da agenda, como mostra estudo feito a pedido das presidências da COP27, do Egito, e COP26, do Reino Unido.  

Entre os outros financiamentos prometidos por Biden também estão:

  • US$ 100 milhões para o Fundo de Adaptação, criado em 2001, durante a COP7, com o intuito de financiar projetos de adaptação em países em desenvolvimento. O valor é o dobro do prometido pelos EUA na COP26, em sua primeira contribuição;
  • US$ 150 milhões em apoio aos esforços de adaptação e resiliência climática na África;
  • US$ 500 milhões, junto da União Europeia e da Alemanha, para apoiar a transição energética no Egito, de forma que este eleve suas ambições climáticas 

Lição de casa

Biden chegou ao palanque da COP27 com a conquista da aprovação do pacote climático mais ambicioso da história de seu país: US$ 370 bilhões para transição energética e descarbonização.

Mas, nos dias anteriores ao início da cúpula, havia temores de que o pacote pudesse ser alterado a depender do resultado das eleições americanas de meio de mandato, que ocorrem nesta semana – e que atrasaram sua chegada ao Egito e fizeram com que ele se desencontrasse de outras lideranças globais.

O saldo, ao final, mostrou-se positivo para os democratas. Mesmo com cédulas ainda sendo contadas no Arizona e Nevada, a “onda vermelha” não se concretizou. 

“Graças às ações que tomamos, posso estar aqui como presidente dos Estados Unidos e dizer com confiança: Os EUA cumprirão nossas metas de emissões até 2030”, disse Biden. 

Ontem, a Casa Branca propôs uma nova regra para exigir que as maiores empresas contratadas pelo governo federal abram informações sobre suas emissões e riscos financeiros ligados ao clima e tenham metas de descarbonização alinhadas ao Acordo de Paris.

“O governo dos EUA está colocando o dinheiro onde está nossa boca”, disse Biden, aproveitando-se da expressão americana. 

Se de fato entrar em vigor, Washington seria o primeiro governo nacional do mundo a fortalecer sua cadeia de suprimentos ao requerer que seus fornecedores atuem em linha com as metas climáticas.

O democrata também anunciou o reforço de US$ 20 bilhões de investimento para redução das emissões de metano. Na mesma linha, a Agência de Proteção Ambiental (EPA, na sigla em inglês) americana propôs endurecer suas regras contra a emissão do gás e estima que os níveis de metano podem cair mais de 85% abaixo dos níveis de 2005 pelas fontes cobertas pelas medidas.  

Ao microfone, Biden agradeceu pelo trabalho e amizade de seu enviado especial para o clima, John Kerry, mas não mencionou o plano de usar vendas de crédito de carbono para financiar países em desenvolvimento a deixar o uso de carvão.

A proposta, anunciada por Kerry no início da semana, tem dado o que falar com preocupações sobre regulação das vendas de tais créditos.