Em Piracicaba, o puro creme da inovação no agro

Como o hub AgTech Garage, comprado pela PwC, encurta a distância entre as startups e as gigantes do campo

Em Piracicaba, o puro creme da inovação no agro
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PIRACICABA – Produtores de uvas do Vale do São Francisco, no Nordeste, tinham dificuldades para prever suas safras de forma confiável. A solução estava do outro lado do planeta: com imagens em vídeo dos parreirais, uma startup australiana passou a estimar as colheitas com mais de 95% de precisão.

Quem construiu a ponte foi o AgTech Garage, um hub que conecta empresas iniciantes e grandes companhias (o programa das vinícolas nordestinas foi patrocinado pela alemã Bayer) no que é provavelmente o maior centro de inovação aberta do mundo dedicado só ao agronegócio.

“O importante é a tecnologia resolver o problema do produtor e das empresas do agro onde quer que elas estejam”, diz José Augusto Tomé, fundador do AgTech Garage e hoje sócio da PwC, empresa de consultoria que adquiriu o hub no fim do ano passado.

O dono é outro, mas o modelo e o objetivo do hub seguem os mesmos, afirma Tomé: encontrar respostas tecnológicas para questões muitas vezes antigas de produtores e empresas do agro.

As principais clientes do hub são multinacionais presentes em diversas geografias, como as traders Bunge e Cargill e a fabricante de equipamentos agrários John Deere.

Na outra ponta, completando o ecossistema, estão 1.100 startups, das quais mais de 10% são estrangeiras. A conexão com a PwC, afirma Tomé, e a reconhecida liderança do Brasil no agronegócio têm o potencial de levar o hub de Piracicaba para o mundo.

Foco no campo

O modelo do AgTech Garage é semelhante ao de outros hubs de inovação aberta e colaborativa: grandes companhias querem aproveitar a agilidade das startups para descobrir e aplicar novas tecnologias.

Mas a diferença fundamental, segundo o fundador, é que não existem concorrentes focados no agro e com o mesmo tamanho. “Você tem casos como [o americano] Plug and Play, que é uma referência nesse modelo”, afirma ele. “Só que o agro é mais uma indústria lá dentro.”

Em troca de uma anualidade, as companhias têm acesso à rede de startups. Hoje, são 85 grandes empresas clientes. Elas são responsáveis por cerca de 80% do faturamento. O AgTech Garage não revela a receita e diz somente que o plano é multiplicá-la por oito até 2026.

O modelo básico envolve publicar chamadas com um problema específico para encontrar quem tenha a solução, ou então se interesse em desenvolvê-la.

A equipe do hub ajuda as empresas a colocar o desafio no papel e a fazer a peneira das startups que se candidataram. Nem sempre a busca se restringe às que fazem parte da rede do AgTech Garage.

“Quando é algo muito fora da casinha, a gente ativa as universidades, vai atrás de empresas que ainda não estejam na nossa comunidade”, afirma Tomé.

Ele dá o exemplo de uma demanda do Genesis Group, que faz serviços de inspeção e análise de commodities. A empresa buscava uma forma de cortar o grão de soja ao meio de forma automatizada, em vez do processo manual com um alicate.

“Uma dupla de jovens que trabalha na indústria automotiva falou: ‘A gente corta chapas de aço com um fio que gira em alta velocidade’. Podemos aplicar isso para a soja.”

Fluxo global

Um dos desenvolvimentos que mais empolgam Tomé é a transformação do hub num ponto de conexão entre empresas brasileiras e estrangeiras.

Numa tarde de janeiro, pouco antes de um temporal que derrubou a eletricidade na região, o fundador fez um tour da sede do hub, às margens do rio Piracicaba.

O espaço, de 1.100 metros quadrados, foi inaugurado em 2019 numa antiga concessionária. O plano é dobrar de tamanho este ano. A decoração lembra a de um escritório compartilhado moderno, ou então a de uma empresa do Vale do Silício.

Em uma das mesas compartilhadas, Tomé aponta um francês trabalhando num laptop. 

Além de abrigar alguns empreendedores estrangeiros, o hub também tem servido de porta de entrada para agências de promoção estrangeiras, que dessa forma não precisam abrir um escritório no Brasil, contratar pessoas e correr atrás de clientes. O governo holandês contratou um serviço assim.

O sentido também pode ser inverso: startups brasileiras usando as conexões estabelecidas no hub para abrir mercado no exterior. A Cromai, que identifica ervas daninhas com base em imagens captadas por drones, fechou um acordo com a John Deere.

Depois da análise baseada em inteligência artificial, o software da Cromai gera um arquivo que pode ser carregado nas máquinas pulverizadoras da John Deere para garantir a aspersão de herbicidas só nas áreas infestadas.

“O contato com essas empresas de atuação global pode acelerar nossos planos de internacionalização”, diz Thalles Linhares, responsável pela área comercial da startup.

Tomé afirma que um número crescente de escritórios internacionais de seus clientes vem consultado a rede de empreendedores do hub.

Independência

Cerca de um quarto das startups do AgTech Garage faturam mais de R$ 1 milhão, e um percentual semelhante tem receitas que ficam entre R$ 100.000 e R$ 1 milhão. Cerca de um terço ainda não tem faturamento.

Mesmo antes da venda para a PwC, Tomé afirma que o modelo sempre foi de conexão, não de aceleração ou incubação. Investir em uma determinada empresa iniciante poderia dar margem a conflitos de interesse nos desafios promovidos pelo hub.

Mas o interesse por startups do agronegócio – tanto por parte dos investidores quanto de eventuais aquisições ­– vem crescendo muito nos últimos anos, na esteira da onda das fintechs e outras empresas de base tecnológica.

Há pouco mais de um ano, o AgTech Garage se associou à gestora The Yield Lab Latam para ajudar a atrair investidores locais para um feeder fund de US$ 5 milhões que vai alimentar um veículo de US$ 50 milhões da gestora que está em fase de captação.

O objetivo do fundo, também dedicado à tecnologia, é investir em startups da América Latina que olham para o campo (três empresas já receberam aportes, entre elas a plataforma Seedz). O AgTech Garage será remunerado pela administração e pela performance.

Mesmo conectando a maior rede de startups do setor, Tomé afirma que seu grande diferencial não é fazer esse tipo de aproximação para investimentos e captação de recursos.

A chave estará nos contatos estratégicos, e é por isso que a venda da empresa para a PwC fez tanto sentido, diz ele (o valor da transação não foi revelado).

“O Brasil é o único país em que a PwC colocou o agro como indústria prioritária”, afirma Tomé. “[As filiais do] mundo inteiro já consultavam o centro de expertise em agribusiness daqui. Agora, com o hub, isso vai se potencializar.”

Além do alcance mundial, Tomé também vislumbra uma possível integração com os serviços de consultoria estratégica oferecidos pela PwC. O negócio foi fechado em novembro, e Tomé afirma que os novos sócios ainda estão “entendendo o que têm”.

Mas a “alma” do AgTech Garage, a inovação colaborativa, vai permanecer, afirma ele. “Talvez o que a gente tem aqui possa ser convertido numa best practice e depois distribuído e exportado.”