Dez princípios para créditos de carbono de qualidade

Com escrutínio cada vez maior dos compradores, novo framework quer servir de farol para garantir a efetividade das compensações de emissões

Dez princípios para créditos de carbono de qualidade
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(Este texto foi publicado em primeira mão na newsletter Carbono Zero. Inscreva-se aqui.)

Até os mais ferrenhos defensores da ideia reconhecem: o mercado de créditos de carbono enfrenta um problema de descrédito — com o perdão do trocadilho. Investigações jornalísticas publicadas nos últimos meses apontam exageros nos benefícios prometidos, exploração de comunidades locais ou casos de fraude pura e simples.

Embora isso não seja verdade no atacado, essas denúncias no varejo acabam manchando a credibilidade do setor inteiro. E isso já começa a se refletir nos números. Depois de um crescimento explosivo em 2021, a demanda global caiu no ano passado, como aponta um levantamento da BloombergNEF. 

Com a missão de melhorar a reputação desse mercado e, por consequência, permitir que ele atinja seu potencial comercial e climático, foram divulgados ontem à noite os primeiros resultados da maior mobilização global pela integridade e qualidade dos créditos de carbono.

Centenas de participantes na cadeia, de desenvolvedores de projetos a representantes de povos indígenas, concordaram com dez princípios centrais para avaliá-los, batizados de Core Carbon Principles, ou CCP (veja abaixo). 

Quem esperava um guia para avaliar créditos logo de partida pode sair frustrado. Os princípios são bastante generalistas e não fogem muito do que já dizem praticar as principais entidades certificadoras.

O resultado prático, no entanto, ainda deve levar alguns meses: a emissão de selos que atestam que um determinado projeto foi concebido e verificado de acordo com os CCP.  

A ideia não é analisar projetos individualmente, disse ao Reset o economista americano Nat Keohane, conselheiro-sênior do Integrity Council, a entidade responsável pela iniciativa. Mas sim olhar para o processo. 

O foco inicial do Integrity Council serão as certificadoras, como Verra e American Carbon Registry e a suíça Gold Standard. 

Como se trata de um mercado voluntário, elas operam sem uma entidade que as supervisione, e um protocolo para avaliá-las pode ajudar a dar mais clareza das melhores práticas. 

A fase seguinte da iniciativa vai avaliar as diferentes metodologias usadas para aferir créditos de carbono, como desmatamento evitado (os mais comuns no Brasil atualmente) e reflorestamento. O plano é apresentar esse segundo protocolo até a metade do ano.

Sem bala de prata

Isso deve ser suficiente para aplacar as preocupações dos compradores? Provavelmente não, mas os CCP querem ajudar a pavimentar o caminho.  

Os selos de adequação aos CCP não serão um carimbo de qualidade definitivo, diz Keohane. A ideia é que eles sirvam como um ponto de partida.

Esse olhar pode ser complementado pelas análises do nascente segmento de ratings, como as das startups BeZero e Sylvera, que fazem com os créditos de carbono o mesmo que uma Moody’s faz com as dívidas de uma empresa.

É a implementação dos princípios que vai dizer se a barra vai realmente ficar mais alta. 

O Integrity Council for the Voluntary Carbon Market — presidido por Annette Nazareth, ex-diretora da SEC — se concentra no lado da oferta dos créditos.

Outra entidade, o Voluntary Carbon Markets Integrity Initiative (sim, os nomes são muito parecidos), atua do lado da demanda e promete também para este ano uma série de diretrizes de boas práticas para os compradores. 

Os Core Carbon Principles

Dos dez princípios, dois dizem respeito a desenvolvimento sustentável

  • os créditos precisam contribuir para que se alcance o net zero em 2050; e
  • ter benefícios socioambientais e salvaguardas, incluindo aqui o consentimento obrigatório de comunidades locais.

Outros quatro são de governança e se aplicam especificamente a programas de certificação:  

  • eles precisam ter “governança efetiva”,
  • permitir o acompanhamento dos projetos,
  • dar ampla transparência às informações; e
  • ter exigências de verificação e validação robustas realizadas por terceiros para os projetos de mitigação de gases de efeito estufa.  

Os quatro finais dizem respeito aos créditos em si: 

  • precisam ter adicionalidade;
  • as reduções ou remoções de GEE devem ser permanentes;
  • precisa haver quantificação robusta;
  • e não pode haver dupla contagem.