Da lavoura ao cooler: A saga da Ambev para cortar a pegada de carbono da cerveja

Da lavoura ao cooler: A saga da Ambev para cortar a pegada de carbono da cerveja
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Com o compromisso de cortar em 25% as emissões de gases de efeito estufa da cerveja e do refrigerante gelados que chegam à mão do consumidor até 2025, nos últimos anos a Ambev vem empreendendo uma operação de guerra.

Não se trata apenas de reduzir a quantidade de gases poluentes que saem das chaminés das suas fábricas ou de migrar a energia para fontes renováveis e limpas (o que também está na conta).

O que está em jogo aqui é também cortar a pegada de CO2 deixada pela produção da cevada e do milho, pela fabricação e uso de embalagens, pela logística de insumos e distribuição dos produtos — e até mesmo pela refrigeração da cerveja.

Conforme a transição para uma economia de baixo carbono deixa de ser uma discussão entre cientistas e ativistas do clima e é incorporada ao mainstream do mundo dos negócios, está cada vez mais claro que cortar ou neutralizar as emissões diretas das empresas é apenas o começo.

O que pode segurar de verdade o ponteiro dos termômetros são as chamadas emissões de escopo 3, justamente aquelas geradas ao longo da cadeia de valor das companhias, da compra de matéria-prima ao uso do produto pelo consumidor.

Elas são, na maioria dos casos, a maior fatia do rastro de carbono de uma empresa — e também as mais difíceis de medir. E, quanto mais complexa a cadeia de suprimentos e a variedade de produtos nas prateleiras, tanto pior.

Esse é o caso da Ambev.

As emissões de escopo 3 em toda a América Latina representam nada menos que 85% do total — e são oito vezes as emissões de escopo 1 (das fábricas e escritórios) e vinte vezes as de escopo 2 (da energia comprada).

“No passado o nosso foco era dentro de casa, aquela agenda de sustentabilidade em que algumas empresas ainda estão, que não olha para a cadeia”, diz Rodrigo Figueiredo, vice-presidente de sustentabilidade e suprimentos da Ambev para América Latina. 

Nos últimos quinze anos, a empresa reduziu as emissões diretas das fábricas em mais de 60% e está próxima de atingir 100% de uso de energia renovável. Com isso, a redução dos escopos 1 e 2 a partir de 2017, ano base para o compromisso, já superou a meta e está em 32% atualmente. 

“Mas o escopo 3 do nosso negócio é bem maior, é onde temos que influenciar a cadeia e onde está o nosso grande desafio.”

A companhia precisou marchar várias soluções ao mesmo tempo, dentro e fora de casa. A parceria com fornecedores e a aceleração de startups que trazem saídas inovadoras para os velhos problemas têm sido cruciais na jornada.   “Estão aparecendo as soluções, viáveis do ponto de vista econômico. Se não, vai ser só uma ação pequena, para fazer barulho de relações públicas, mas sem o impacto que queremos.”

Os esforços terão que ser redobrados em breve, conforme o grupo já começa a olhar para além de 2025.

“Estamos desenhando o novo compromisso de sustentabilidade, rumo ao net zero, a ser lançado no segundo semestre. Vamos soltar o compromisso com um plano bem completo de como pretendemos chegar lá”, diz Figueiredo. 

Dentro do escopo 3 da Ambev, quatro itens se destacam pela relevância no bolo total de emissões: embalagens, logística, agricultura e refrigeração de produtos.

Embalagens

De longe, a maior fonte de emissões de gases da Ambev, como costuma ser o caso das empresas do setor de consumo, são as embalagens. Da produção ao descarte, a poluição gerada é imensa e o segmento representa 40% de toda a emissão de gases de escopo 3 da companhia. 

A ideia é atingir 50% de embalagens feitas a partir de material reciclado e eliminar ou neutralizar a poluição plástica de 100% das embalagens até 2025. 

“Criamos um índice de neutralização de plástico em 2020. Começamos com 23%, chegamos a 34% e temos que chegar a 100%. Vamos eliminar o plástico, substituí-lo por outras coisas, vamos usar plástico reciclado ou um biodegradável que não tenha geração de microplásticos. Estamos tentando desenvolver tecnologias e, na pior das hipóteses, teremos que fazer uma compensação do que sobrar”, diz Figueiredo.

Quanto ao conteúdo reciclado das embalagens, ele diz que a empresa já está ‘beliscando’ a meta, bastante ajudada pelas latas de alumínio (acima de 75%). O índice de uso de vidro reciclado está em 44% e o de plástico, com mais desafios, em 26%. “No agregado estamos em 49% e devemos passar a barreira dos 50% nos próximos meses.” 

Uma das iniciativas foi o desenvolvimento da garrafa de PET 100% reciclado, ainda em 2012. Atualmente, 80% de todo o guaraná Antarctica já usa garrafas recicladas e o índice chegará a 100% até o fim do ano. “Isso nos mostrou que é possível e a ideia é fazer o mesmo em todas as marcas que tenham garrafa plástica.”

No Rio de Janeiro, uma fábrica própria de garrafas está ajudando a elevar os índices de reaproveitamento de vidro: com 50% da matéria-prima vindo de cacos de material usado, a planta é uma das maiores recicladoras de vidro da América Latina.

Dentro dessa mesma frente, outra das apostas é no desenvolvimento de novos materiais que partam do uso de resíduos. Um dos exemplos é a startup GrowPack, que acaba de receber capital semente da Ambev e também firmar um contrato para fornecer um novo pack para seis latas de cerveja feito a partir da palha do milho.

Outra aposta está no uso de embalagens retornáveis. Com 43% dos envases de cerveja feitos de vidro, essa é uma vantagem que a empresa está tentando concretizar.

É preciso atuar também na ponta da reciclagem.  Além do trabalho com cooperativas de catadores e reciclagem, que foi bastante prejudicado na pandemia, a ideia é trazer parte da etapa para dentro de casa.

Um projeto-piloto de logística reversa que roda em Curitiba (PR) traz de volta para a fábrica os resíduos do ponto de venda. O caminhão que faz a entrega foi adaptado, com a inclusão de um container, para recolher os resíduos. “A legislação não permitia, então conseguimos um regime especial. Depois do Paraná, São Paulo já está fazendo e outros Estados estão aderindo.”

No limite, a empresa também colocará à prova em breve o conceito de bebidas sem embalagens. Numa evolução dos post mix usados em restaurantes de fast food, está desenvolvendo com a startup Avoid, que passou pelo programa de aceleração de 2020, uma máquina que mistura os refrigerantes no ponto de venda. “Mas, diferentemente dos post mix, a gente quer garantir a vedação, para não perder o gás, e a qualidade da bebida. Você leva a sua garrafinha, faz o refrigerante e vai embora.”

A companhia está pedindo a liberação do uso à Anvisa e o piloto começará pelo guaraná Antarctica. 

Resfriamento

Embora possa parecer algo menos relevante à primeira vista, o resfriamento das bebidas nos pontos de venda são a segunda maior fonte de emissões da cadeia de valor. São muitos supermercados, bares e restaurantes e milhares de geladeiras espalhadas pelos quatro cantos do país. 

Para resolver parte do problema, a empresa fez uma parceria com a fabricante Metalfrio para desenvolver o ‘eco cooler’, que consome 26% menos energia que refrigeradores comerciais tradicionais, por conta de sensores que colocam os aparelhos em stand by fora dos horários de pico dos estabelecimentos. 

Paralelamente, a cervejeira tem recolhido aparelhos antigos e ineficientes para modernização. 

Mas a grande jogada nessa frente, diz Figueiredo, será levar energia limpa para os pontos de venda. “Estamos colocando nas fábricas, nos centros de distribuição e nos caminhões elétricos, mas para os pontos de venda era difícil a geradora querer fazer contratinhos tão pequenos.”

A solução veio com mais uma startup, a Lemon, que conecta usinas de energia solar ou eólica à rede de distribuidores elétricos. A energia vira créditos que são descontados da conta de luz dos estabelecimentos. Até agora já são mil pontos de venda conectados, de uma meta de chegar a 10 mil neste ano só em Minas Gerais. “E já estamos estudando fazer o mesmo em Pernambuco e em outros Estados. Precisamos chegar a pelo menos metade de todos os estabelecimentos no país se quisermos ser net zero.”

Agricultura

Depois da água, o segundo maior insumo das bebidas são produtos de origem agrícola, a terceira maior fonte de emissões de CO2 da Ambev.

Aqui, os esforços têm sido para levar práticas mais sustentáveis ao campo.

Em parceria com a Embrapa, diz Figueiredo, a empresa vem desenvolvendo variedades de sementes que demandam menos recursos para uma mesma produção. Tudo a partir do cruzamento tradicional de espécies, sem modificações genéticas. 

“Os resultados de aumento de rendimento e melhoria da sustentabilidade são super expressivos e agora estamos sonhando grande de dar um segundo grande passo e levar análise avançada de dados para nossos parceiros, para ter insights para melhorar a produção e a colheita”, diz ele.

A companhia começa a dar também seus primeiros passos na chamada agricultura regenerativa. O método tem como proposta recuperar a fertilidade do solo, ampliando sua capacidade de reter CO2. Um piloto teve início na Argentina há dois anos e agora chegou também ao Brasil. Por ora são apenas mil hectares e o objetivo é triplicar o número em 2022. 

Logística

A logística vem sendo atacada em três grandes frentes.  A primeira delas é o desenvolvimento de modais alternativos de transporte. “Estamos desenvolvendo, por exemplo, logística de cabotagem para levar alguns produtos premium que fazemos em São Paulo e Rio e precisam chegar ao Nordeste. O mesmo vale para insumos, como malte e cevada.”

A companhia tem feito estudos para o modal ferroviário, ao mesmo tempo em que implantou um sistema hidroviário pelo Rio Paraná, para trazer insumos da Argentina e do Uruguai para o Brasil. “Mesmo com barcos movidos a diesel, é possível transportar a mesma quantidade de malte com consumo muito menor de combustível.”

A segunda frente é a de transporte colaborativo, em que os mesmos caminhões levam cerveja da Ambev e trazem, por exemplo, salgadinhos da Elma Chips, o que evita que eles rodem vazios. 

E a terceira é a do desenvolvimento de caminhões elétricos, ou que rodam com biodiesel e gás natural. A empresa se comprometeu a eletrificar metade da frota de distribuição de mais de 5 mil veículos até 2025. “Demoramos três anos para desenvolver um protótipo com a Volkswagen, que ficou excelente do ponto de vista econômico”, diz o executivo. A empresa fechou pedido para os 100 primeiros, que devem ser entregues até o fim do ano.

Aqui também entra uma outra startup acelerada pela cervejaria. A FNM (Fábrica Nacional de Mobilidade), finalista do programa em 2019, vai fornecer mil caminhões elétricos desenvolvidos em parceria com a Agrale.