CVM passa a exigir informações ESG de companhias listadas

A partir de 2022, formulário de referência terá que trazer dados sobre inventário de CO2, disparidade salarial, diversidade e outros

CVM passa a exigir informações ESG de companhias listadas
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Novo ano, novas regras ESG. Pelo menos para as empresas listadas na bolsa brasileira.

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) finalmente publicou ontem a alteração das regras do chamado formulário de referência, um dos documentos obrigatórios mais relevantes das companhias abertas, que serve para dar aos investidores um panorama geral das empresas.

Como esperado, o regulador ampliou a exigência de divulgação de informações sobre os aspectos ambientais, sociais e de governança dos negócios.

As mudanças vieram em linha com o texto que foi para consulta pública um ano atrás, com algumas alterações pontuais.

Em linhas gerais, as novas regras têm caráter de orientação para o mercado e não de obrigação.

Na maioria dos itens, a autarquia não obriga as companhias a elaborar e divulgar as informações, mas se limita a perguntar se as informações existem e, em caso negativo, por que não existem. É o que se chama de ‘relate ou explique’. 

Um exemplo: a CVM pergunta se as empresas têm inventário das emissões de carbono, em vez de exigir que elas o façam.

“A CVM pede que as empresas digam de que forma o ESG está incorporado à gestão e reporte das empresas, o que é positivo. Veio de um jeito orientativo, mas dá sinalizações importantes sobre o que o mercado tem solicitado das companhias”, diz Maria Eugenia Buosi, sócia da consultoria Resultante.

Chama a atenção que as questões climáticas receberam tratamento especial, em muitos casos sendo destacadas de demais aspectos ESG. A autarquia atribuiu esse tratamento à urgência do tema e também ao fato de alguns padrões de reporte e métricas estarem mais consolidados na frente do clima.

De forma geral, as mudanças agradaram advogados e consultores que acompanham o tema. 

“Podemos ter críticas e muito pode ser aprimorado, mas é um passo importante. Quando você tem que fazer algum disclosure, ainda que seja no formato ‘relate ou explique’, no mínimo gera um constrangimento se você não tiver nada para dizer”, diz a advogada Juliana Ramalho, sócia do Mattos Filho. Entre as críticas, ela destaca o fato de a relação das empresas com comunidades e fornecedores, algo crucial no ‘S’ do ESG, não ter sido contemplada.

Ficou também a sensação de que o trabalho da CVM nesse front só começou.

“Apesar do avanço, a CVM não pode se dar por satisfeita. Ainda há muito a ser feito em matéria ESG para mercado de capitais, especialmente com relação a disclosures financeiros de companhias abertas (a nova resolução só trata de disclosures não-financeiros), disclosures de fundos de investimentos, de asset managers, de ofertas públicas, regulação de produtos de mercado de capitais ESG e climáticos, e regulação de prestadores de serviço de segunda opinião e de ratings ESG”, diz o advogado Alexei Bonamin, sócio do Tozzini Freire. 

A íntegra do novo documento pode ser baixada aqui.

A seguir, os destaques da nova regra:

Reporte ESG, materialidade e emissões de CO2

A partir de agora, as empresas terão que informar se divulgam suas informações ESG em algum relatório ou documento específico, qual metodologia ou padrão que adotam, se essas informações são auditadas e onde podem ser encontradas. 

Também será necessário dizer se o reporte ESG se apoia em uma matriz de materialidade, ou seja, se a empresa está olhando para o que realmente importa dentro da sua área de atuação em vez de focar em aspectos periféricos; e se utiliza indicadores-chave de desempenho para medir os fatores ESG relevantes (e quais são eles).

A CVM também quer saber se as empresas consideram os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU e quais se aplicam ao seu negócio.

Na frente de reporte climático, a autarquia se concentrou em dois pontos. Resolveu perguntar especificamente se as empresas seguem o padrão de autorregulação da Task Force on Climate-Related Disclosures (TCFD), que vem se firmando cada vez mais como a grande referência para empresas relatarem riscos e oportunidades climáticos.

E também pediu que as companhias informem se fazem o inventário das suas emissões de gases de efeito-estufa e quais os escopos contemplados.

A falta dessas informações é hoje o principal obstáculo para que investidores e credores consigam fazer o inventário de carbono de seus próprios portfólios financeiros.

Para todos esses pontos, as empresas que responderem que não divulgam tais informações terão que explicar suas razões.

Riscos e oportunidades ESG

Antes, no capítulo sobre fatores de risco do formulário de referência, as companhias eram obrigadas a reportar de forma genérica os riscos socioambientais. A partir do próximo ano, terão que informar de forma segregada quais são os riscos sociais, ambientais e climáticos. Neste último, entram os riscos físicos de eventos climáticos e também os chamados riscos de transição (por exemplo, se a empresa terá que compensar suas emissões de carbono quando esse tema for regulado no Brasil).

Alexei Bonamin, do Tozzini Freire, considera que faltaram definições de taxonomia com exemplos de riscos ambiental, social e climático, para dar mais granularidade ao reporte. 

Ao informar um risco, as companhias também terão que dizer se têm políticas para lidar com ele, seu objetivo e estratégia.

Além dos riscos, o informe terá um espaço também para que as empresas falem das oportunidades de negócios encontradas no universo ESG.

Diversidade e desigualdade

O pilar do ‘S’ foi principalmente contemplado nas questões de diversidade.

As companhias terão que informar o número de funcionários por grupos de identidade de gênero, raça ou cor (autodeclarada) e idade, para todos os níveis hierárquicos. Essa transparência valerá também para os membros do conselho de administração.

Um indicador em particular vai jogar luz sobre a disparidade salarial dentro das empresas: a CVM pede que as companhias informem a razão entre a maior remuneração individual (incluindo remuneração variável) e a mediana da remuneração individual de todos os funcionários.

Estratégia e metas

No aspecto de governança, as empresas terão que informar qual o papel da diretoria e do conselho na avaliação e gerenciamento dos riscos climáticos. Alguns especialistas lamentaram que o item não contemple outros riscos socioambientais.

As companhias terão que informar ainda, ‘se houver’, quais os canais criados pela empresa para que aspectos relacionados a ESG cheguem ao conselho de administração. “As questões socioambientais ficaram soltas, sem uma governança efetiva”, diz Juliana Ramalho, do Mattos Filho.

Ao tratar da remuneração variável de diretores e conselheiros, as empresas terão que informar quais os principais indicadores de desempenho ligados ao universo ESG que utilizam.