‘CVM das CVMs’ quer brecar greenwashing em fundos e rating ESG. Vai chegar aqui?

No Brasil, a xerife do mercado está consultando o investidor pessoa física e deve decidir se ESG entra na agenda regulatória para 2022

Homem olha através de uma lupa
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Estimativas apontam que os fundos ESG estão na rota para atingir US$ 53 trilhões até 2025 —  ou mais de um terço de todos os ativos sob gestão no mundo todo. É uma montanha de dinheiro que se move de forma cada vez mais acelerada, mas sem parâmetros mínimos para orientar o investidor. 

Agora, a Iosco (International Organization of Securities Commissions), uma ‘CVM das CVMs’, por assim dizer, acaba de soltar duas diretrizes globais tentando organizar a bagunça. Uma mirando as gestoras de fundos e seus produtos de investimento e outra voltada para as empresas de rating e dados ESG, que têm operado fora do radar.

Nada do que a Iosco diz tem força regulatória, porque esse não é seu papel.

Mas, em ambos os casos, ela está recomendando fortemente que o órgão regulador do mercado de capitais de cada país aperte os controles sobre esses dois vetores.

A preocupação é com o ‘greenwashing’, ou seja, impedir que os fundos e as empresas de rating vendam gato pardo por lebre verde.

Como a indústria de produtos financeiros ESG é relativamente nova, a regulamentação é incipiente. A União Europeia e o Reino Unido têm andado mais rápido nessa agenda.

No começo do ano, a CVM do bloco pediu ao parlamento que crie uma lei para regular o rating ESG e em março começou a ser implementada a Sustainable Finance Disclosure Regulation (SFDR), norma que obriga os participantes do mercado de investimentos a divulgar informações sobre o portfólio de maneira padronizada. Há também diversos movimentos de autorregulação da indústria, como no caso das emissões de green bonds.

Aqui no Brasil, no front da autorregulação, a Anbima está definindo padrões mínimos para fundos sustentáveis. O único produto financeiro que já foi alvo de regulação pela Comissão de Valores Mobiliários é o FIDC verde (fundo de direitos creditórios). A autarquia também ampliou o escopo de divulgação de informações pelas companhias listadas.

Mas a CVM indica que pretende ir além. Na semana passada, colocou no ar um questionário  para ouvir os investidores pessoa física, entender o nível de compreensão do público sobre os investimentos ESG e, a partir daí, avaliar possíveis melhorias nas regras.

Uma das queixas no mercado local é quanto à falta de parâmetros claros para os pareceres independentes que embasam o selo verde em emissões de dívida.

Há uma expectativa para saber se algo de ESG vai entrar na agenda regulatória de 2022 do xerife do mercado, algo que deve ser decidido nos próximos dias e comunicado no evento de 45 anos da CVM, que começa em 7 de dezembro. 

Se depender do que disse a Iosco, deveria.

Fundos

São seis as recomendação relativas às gestoras de fundos, sendo duas as principais.

A primeira é para criação de regras e instrumentos de supervisão sobre o funcionamento e as políticas adotadas pelas assets. A ideia é que sejam criadas práticas, políticas e procedimentos em relação aos riscos e oportunidades associados à sustentabilidade, que devem ser devidamente publicadas.

O órgão ressalta que a regulação deve alcançar até mesmo as assets que não têm produtos com rótulo sustentável. O entendimento é que, mesmo sem produtos específicos, faz parte do dever fiduciário das gestoras com os clientes, hoje em dia, considerar os riscos e oportunidades relacionados à sustentabilidade.

A segunda recomendação é sobre a adoção de regras para melhorar a divulgação de informações sobre os produtos de investimento propriamente.

A Iosco diz que é desejável que as CVMs criem um procedimento de autorização para lançamento desses produtos, que criem regras para rotulagem e um sistema de classificação dos fundos, além de exigirem transparência sobre os objetivos e as estratégias de investimento dos fundos. As políticas de engajamento com as investidas também devem ser tratadas de forma transparente.

O órgão identificou uma série de casos concretos de greenwashing, que são citados (sem dar nome aos bois) no documento. É o caso de gestoras que se comprometem publicamente com critérios de sustentabilidade para obter uma cobertura positiva da imprensa, mas que na prática não os adotam.

Ratings

Nem todos os reguladores dos mercados de capitais têm autoridade para ditar as regras das agências de rating. Aqui no Brasil, desde 2012 a CVM regula o funcionamento do segmento.

Para a regulamentação das agências de rating e provedores de dados ESG, as recomendações vão na linha de aumentar o grau de confiança e comparação entre as informações, que hoje são muito díspares, além de coibir conflitos de interesse, que têm ficado evidentes. Elas também se aplicam a bolsas de valores que emitem ratings ou divulgam dados ESG.

A Iosco identificou que os provedores de ratings muitas vezes atuam também como consultorias em ESG ou emitem pareceres em emissões de dívida, atividades que podem conflitar, principalmente considerando que, na maioria dos casos, quem paga pelo rating é a empresa/emissor e não o investidor/usuário da informação. A recomendação é para que os reguladores exijam que as agências identifiquem, informem e atuem para mitigar os potenciais conflitos de interesses.

Em relação à qualidade dos ratings, a indicação é que os reguladores estipulem que as agências devem informar publicamente quais as fontes de dados usadas para a atribuição das notas e também a metodologia empregada. 

“As forças de mercado serviram para conduzir o assunto até aqui, mas daqui em diante, precisamos que os reguladores estipulem regras para que a qualificação ESG seja confiável”, diz a advogada Ana Luci Grizzi, que integra o comitê ESG do CFA no Brasil. “Riscos e oportunidades ambientais, sociais e climáticos precisam de avaliação diferenciada. Não basta incluir nas análises econômicas usuais.”