COP27 coloca lado a lado duas visões do Brasil

Estande do governo federal fica em frente ao espaço criado pelos governadores da Amazônia Legal, que receberá Lula

COP27 coloca lado a lado duas visões do Brasil
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Sharm el-Sheikh Poucos passos separam os dois estandes das autoridades brasileiras presentes na COP27, mas a verdadeira distância entre eles é imensurável.

Ambos ficam no pavilhão 5 da chamada zona verde, área dedicada à promoção de países e organizações da sociedade civil. O formato não é muito diferente de uma feira de negócios.

Em uma ponta do enorme galpão, na ilha central, fica o espaço do governo federal. Em frente, do outro lado do corredor, está o Hub Amazônia Legal, criado pelos Estados da região. É lá que se espera uma aparição do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva.

O palco para o constrangimento, por assim dizer, está armado.

Nesta primeira semana, o desconforto deve ser acima de tudo visual. Nenhum outro país tem na COP uma exibição de seu governo nacional dizendo uma coisa e autoridades regionais falando de outra.

Na COP, Brasil é sinônimo de Amazônia, mas no espaço oficial o que está destacado em letras grandes é um potencial de 100 GW na geração de energias renováveis.

Já as administrações locais querem mostrar o que pretendem fazer na conservação da floresta. Pelo menos seis governadores estarão presentes para mostrar ao mundo seu compromisso com o combate ao desmatamento.

Essa dissonância a respeito da maior contribuição brasileira para a mudança do clima – a destruição dos biomas nacionais – é a ilustração perfeita da participação das autoridades brasileiras na conferência.

Um país, duas línguas

A programação do diminuto espaço reservado para painéis no estande do governo, por enquanto, tem eventos marcados para hoje e quinta-feira, com temas como “o futuro verde da mobilidade urbana” e a “importância da indústria no crescimento verde”.

O espaço é patrocinado pela Confederação Nacional da Indústria, Confederação Nacional da Agricultura e Sebrae.

Transição energética é um assunto perene das COPs e um dos mais importantes na luta contra a mudança climática. Mas, do Brasil, o mundo está mais interessado no que têm a dizer os representantes do estande vizinho.

O Hub Amazônia Legal tem uma agenda repleta entre amanhã e sexta-feira da semana que vem. O destaque deve ser o evento do dia 16, às 11h locais, quando os governadores vão entregar a Lula uma carta indicando os anseios da região sob o novo governo.

É incomum que autoridades regionais marquem presença dessa maneira, mas o descaso com a região não deixou alternativa, diz Izabella Teixeira, ex-ministra do Meio Ambiente e uma veterana de COPs.

“No ano passado eles tinham só uma sala, mas agora optaram por um estande exclusivo”, afirma Teixeira. “Essa interlocução subnacional passou a ser muito importante, e vai além da região amazônica. Todos querem dialogar internacionalmente”, já que nos últimos quatro anos o país preferiu o isolamento.

Mas a grande expectativa é em relação ao que Lula terá a dizer sobre seus planos para a Amazônia.

Márcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, diz que haverá para os brasileiros uma “COP em paralelo” em torno do presidente eleito.

“Nos últimos quatro anos, o Brasil não apenas ficou fora das negociações. Ele esteve do lado problemático da agenda. O país piorou em quase todos os números relacionados ao meio ambiente”, afirma Astrini.

Uma mudança de rumo já foi prometida na campanha e nos pronunciamentos oficiais. Agora, a comunidade internacional espera ouvir algo mais prático.

“Muita gente no mundo preparou suas delegações para conversar com [o novo governo], mandando enviados especiais só para isso”, diz Teixeira.

Silêncio oficial

Já a administração federal que está terminando ainda não confirmou o envio de nenhum membro do primeiro escalão. Amanhã, o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite vai aparecer, mas de Brasília, em uma chamada de vídeo. Oficialmente, o que diz a assessoria do MMA é que ele é esperado na semana que vem, mas uma data não foi anunciada.

Paulo Guedes, da Economia, e Victor Godoy, da Educação, também falam remotamente. Em Sharm el-Sheikh, por enquanto, estão garantidas só a presença de secretários do Ministério do Meio Ambiente e de dois representantes do BNDES.

O design do estande reflete o pouco que a administração que está chegando ao fim tem a dizer ao mundo.

O espaço reservado para os painéis é diminuto e deve comportar menos de 20 pessoas. No estande do governo de Cingapura, que tem mais ou menos as mesmas dimensões, ele ocupa pelo menos um terço da área total – e ontem havia pessoas em pé nos corredores para acompanhar as apresentações.

Se houve alguma economia no conteúdo, o mesmo não pode ser dito da decoração. As laterais do estande brasileiro são adornadas por jardins verticais de folhagens tropicais.

Numa das pontas, atrás de cubos revestidos de LEDs montados sobre um piso reflexivo, um telão de LED afirmava que “a indústria brasileira tem o maior complexo de pesquisa e inovação aplicadas do país”. A frase pode não fazer muito sentido, mas certamente deve render belas fotos no Instagram.

* Atualizada às 9h01 para incluir a participação remota de ministros

* O jornalista viaja a convite da International Chamber of Commerce