Conselho da Shell é alvo de ação por 'negligência climática'

ONG move ação judicial inédita responsabilizando conselheiros por descumprimento de suas obrigações

Conselho da Shell é alvo de ação por 'negligência climática'
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A ClientEarth, organização de direito ambiental sem fins lucrativos, está processando 11 diretores do conselho de administração da Shell no Reino Unido, acusando-os de má gestão dos riscos que a mudança climática pode ter sobre os negócios da petroleira.

A ação, que recebeu o apoio público de um grupo de investidores institucionais, é a primeira a responsabilizar conselheiros individualmente por essa razão.  

“A diretoria da Shell é legalmente obrigada a lidar com os riscos que poderiam prejudicar o sucesso futuro da companhia, e a crise climática apresenta o maior risco de todos”, afirma a ClientEarth, que já havia alertado em março passado que poderia abrir o processo. 

Ao não apresentar metas tangíveis de descarbonização, o conselho de administração da petroleira estaria deixando de preparar a empresa para a transição energética e colocando seu valor de longo prazo em risco, não cumprindo obrigações perante a lei britânica, diz a ação. 

Segundo a ClientEarth, que também é acionista da Shell, a legislação do Reino Unido determina que os conselheiros precisam avaliar, divulgar e gerenciar os riscos materiais com os quais as companhias podem ter de enfrentar. A alegação é que o conselho da Shell “está administrando mal o risco climático material e previsível que a empresa enfrenta, infringindo seus deveres legais”.

Embora não sejam parte da ação judicial, fundos como o sueco AP3, que administra os recursos da aposentadoria de funcionários públicos do país, e o londrino CIV manifestaram apoio à iniciativa. 

A ONG espera que outros acionistas se juntem ao processo, mas os dividendos bilionários pagos pela indústria dos fósseis nos últimos meses podem ser um obstáculo. O setor tem registrado resultados recordes em meio à crise de energia causada pela guerra na Ucrânia. 

A Shell anunciou lucro recorde de US$ 40 bilhões no ano passado. A BP, que também teve resultado histórico em 2022, reduziu nesta semana sua meta de corte de produção de combustíveis fósseis para 2030, de 40% para 25%.

Falta de ambição

A petroleira britânica promete reduzir em 50% suas emissões de carbono até 2030 em comparação a 2016. Mas o objetivo engloba somente os escopos 1 e 2, que incluem emissões diretas e a energia que a companhia adquire, até 2030.

Isso representa menos de 10% das emissões absolutas da cadeia completa da companhia. Em relação ao escopo 3, no qual se incluem as emissões por queima dos combustíveis fósseis vendidos pela empresa, a Shell se compromete apenas com uma redução de 45% na  “intensidade de carbono” de seus produtos em 2030. 

Segundo a Client Earth, essa medição “proporcional” significa na prática que pode haver um aumento no volume total de gases de efeito estufa que a empresa despeja na atmosfera.

A Shell tem 34 grandes projetos de petróleo e gás sendo construídos ou na fila para o desenvolvimento – contrariando a recomendação da Agência Internacional de Energia (AIE) de que o mundo pare de perfurar novos poços para produção de combustíveis fósseis – aponta a ClientEarth.

Como  extrair, processar e vender combustíveis fósseis continua se provando um dos melhores negócios da história da humanidade – pelo menos para os acionistas –, um número cada vez maior de organizações tenta forçar as petroleiras a mudar de rumo pela via judicial.

Em 2021, em resposta a uma demanda de outra ONG ambiental, a justiça holandesa determinou uma revisão das metas de cortes de emissões da Shell. A petroleira está recorrendo da decisão e afirma que não pode ser responsabilizada pela emissão gerada por seus produtos, ainda mais na ausência de regulações.

Na ação protocolada nesta quinta, a ClientEarth argumenta que o conselho de administração da companhia ainda não apresentou um plano substancial para adequar os objetivos do escopo 3 à decisão do tribunal.

“Como o processo é muito inovador, não dá para saber se o Judiciário será receptivo. É algo pioneiro realmente”, diz Caio Borges, coordenador do portfólio de Direito e Clima do Instituto Clima e Sociedade (iCS).

“Mas há muito tempo se discute no meio jurídico os deveres fiduciários dos executivos em relação a questões não-financeiras, em especial ambientais, sociais e climáticos”.