Como fica o Brasil na COP27 pós eleições?

Seja eleito um novo governo ou não, país terá de mostrar ao mundo o que pretende fazer na prática contra o desmatamento

Imagem de satélite mostra queimadas na Amazônia
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A presença brasileira na COP27, a conferência do clima da ONU que acontece entre 6 e 18 de novembro, pode atrair ainda mais atenção que o de costume.

O país é tradicionalmente um dos protagonistas do evento, pois conter a derrubada da floresta amazônica é uma das condições para que o mundo atinja a neutralidade de carbono em 2050.

Mas, com a possibilidade de que um novo governo tenha sido eleito às vésperas da reunião, já se especula sobre a presença de “dois Brasis” no resort egípcio de Sharm el-Sheik.

A delegação oficial continua seguindo a orientação da atual administração federal, no poder até o dia 1º de janeiro. Caso confirmadas as pesquisas de opinião, que indicam a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva, os futuros ocupantes do Planalto e da Esplanada dos Ministérios devem enviar seus emissários para participar de conversas paralelas.

“Estou especulando, porque ainda não sabemos o resultado da eleição, mas todo mundo vai querer saber o que um novo governo brasileiro pensa, propõe, vai fazer diferente”, diz Stela Herschmann, especialista em política climática do Observatório do Clima.

Herschmann e outros observadores com longa experiência em COPs esperam uma divisão clara – e física – caso duas representações do país estejam presentes.

Desde a conferência de Madri, realizada em dezembro de 2019, o Brasil tem dois espaços na COP. Um deles é o pavilhão oficial, montado pelo governo em parceria com entidades como a Confederação Nacional da Indústria e a Confederação Nacional da Agricultura.

O outro, batizado de Brazil Climate Hub, é organizado por entidades não-governamentais e serve para mostrar o que “acontece de verdade” no país, segundo Herschmann.

Representantes de um eventual governo eleito poderiam aparecer neste espaço para sinalizar à comunidade internacional o reposicionamento do país na agenda do clima.

O efeito Trump

Uma situação semelhante aconteceu com os americanos na COP22, realizada em novembro de 2016 em Marrakech, no Marrocos.

A delegação dos Estados Unidos era o “pato manco” da conferência: dias antes do início do evento Donald Trump havia sido declarado o vencedor da eleição presidencial. Uma de suas promessas de campanha, que ele viria a cumprir em 2019, era abandonar o Acordo de Paris.

Ativistas do clima esperam que na COP deste ano a situação seja inversa: uma eventual troca de governo brasileiro poderia significar a volta do país à condição de negociador respeitado na arena do clima.

Os estragos na imagem brasileira não foram triviais. Em 2019, o então ministro do Meio Ambiente (tradicionalmente o chefe das delegações brasileiras), Ricardo Salles, marcou o fim da conferência publicando a foto de um bife com legenda jocosa: “Para compensar nossas emissões na COP, um almoço veggie”.

Naquela reunião, o país criou obstáculos que bloquearam a regulamentação do mercado de carbono global e menções a direitos humanos no texto final do evento. A atuação recebeu o prêmio ‘Fóssil Colossal’ da conferência, entregue por ONGs aos participantes que mais obstruem os avanços da agenda climática.

No ano passado, em Glasgow, ao mesmo tempo em que se comprometeu com o fim do desmatamento até 2030, o país tentou esconder dados que apontavam a maior perda de vegetação nativa na Amazônia em 15 anos.

Em busca de credibilidade

Apesar do fiasco em relação aos números do desmatamento, uma pessoa que tem trânsito entre os negociadores brasileiros afirma ao Reset que na conferência do ano passado eles já se sentiam mais “livres” em relação a algumas posturas dogmáticas da administração Bolsonaro.

Se houver um novo governo eleito, é razoável esperar ainda mais ‘soltura’, afirma essa pessoa. Alguns sinais nesse sentido já foram notados na reunião preparatória para a COP27 que aconteceu em junho, na Alemanha, quando o país se alinhou de forma mais decisiva com os vizinhos Argentina e Uruguai.

De qualquer modo, a moeda mais importante nas salas de negociação continua sendo a credibilidade, um atributo que o país terá de reconquistar.

“O Brasil usava as questões de clima e meio ambiente como soft power demonstrando a capacidade de cumprir nossas políticas domésticas”, diz Cintya Feitosa, assessora de relações internacionais do Instituto Clima e Sociedade.

Mas, além do desmatamento fora de controle, ainda não se sabe como se alcançarão as outras reduções de emissões de gases de efeito estufa contidas na NDC brasileira (o documento em que o país estabelece sua contribuição voluntária).

“Essa é uma COP da implementação, mas infelizmente não temos nenhuma perspectiva [em relação a esse ‘como’”, diz Feitosa.

Ela afirma que a sociedade civil está às escuras sobre o que o governo vai apresentar em seu pavilhão oficial, mas que os rumores sugerem que o tema será a transição energética e o potencial de produção de renováveis e alternativas inovadoras como o hidrogênio verde.

“No passado, o tema mais abordado era agricultura sustentável na Amazônia, mas é claro que não temos mais credibilidade para isso”, diz a especialista.

Ricos versus pobres

A participação brasileira não pode ser reduzida a caracterizações puramente positivas ou negativas em relação ao desmatamento. Em algumas questões cruciais da COP27, a diplomacia brasileira deve marcar presença.

Um exemplo é a queda de braço entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, um dos temas mais importantes da COP27. Os negociadores brasileiros estão alinhados com representantes do Sul Global que pedem mais recursos para se adaptar a um clima em mutação, entre outras demandas.

Outro ponto é uma divisão justa da tarefa. “Existe uma sensação de que os países ricos querem ‘empurrar’ [mais responsabilidades] para os pobres. Os negociadores brasileiros defendem que os desenvolvidos têm de fazer sua parte e entregar o financiamento prometido”, diz a pessoa informada sobre a atuação dos delegados do país.

O problema é que, em alguns casos, as palavras dos nossos diplomatas podem parecer vazias. Uma corrente defende a criação de metas específicas para alguns setores da economia.

“A gente pode imaginar que exista um receio em relação a metas para a agricultura ou a pecuária, por exemplo”, diz Feitosa, do ICS. “Mas, mesmo que haja um argumento válido [contra tais metas], como o Brasil pode defender isso, se não estamos cumprindo as metas que a gente mesmo se colocou?”