Como aumentar o impacto das operações financeiras baseadas em metas ESG?

Como aumentar o impacto das operações financeiras baseadas em metas ESG?
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Operações baseadas em metas ESG, também chamadas de sustainability linked-bonds (SLB) ou sustainability-linked loans (SLL), vêm ganhando espaço no mercado nacional de internacional. 

Até agora, operações brasileiras já captaram mais de R$ 41 bilhões nessa modalidade — a maior parte do volume em bonds e debêntures —, representando 36,9% de todos os recursos captados em operações de crédito sustentável no país. Espera-se que, que em breve, elas ultrapassem aquelas baseadas em uso de recursos, os já conhecidos green e social bonds. 

O instrumento caiu no gosto das empresas, porque possibilita que adotem um rótulo sustentável sem que os recursos sejam exclusivamente destinados para atividades com benefícios ambientais ou sociais. 

Em troca da flexibilidade na utilização de recursos e taxas de juros menores, esse tipo de operação requer que as empresas avancem genuinamente nas temáticas ambientais, sociais e/ou de governança, gerando impactos positivos na sociedade. 

As regras do jogo

Hoje, esse tipo de operação tem diretrizes guiadas tanto pelos pelos Sustainability-linked Bond Principles quanto pelos Sustainability-linked Loan Principles. Eles estabelecem que as metas têm de ser ambiciosas, relevantes e alinhadas ao core business da empresa.

Além disso, elas precisam ser mensuráveis e comparáveis, ter uma linha de base clara e preferencialmente uma série histórica disponível de pelo menos três anos. 

Entretanto, apesar desses critérios orientarem o processo, ainda há espaço para subjetividade na qualificação e calibração das metas. Uma mesma meta pode ter nível de ambição para duas empresas distintas, ainda que elas sejam do mesmo setor. 

Como as diretrizes apontam a necessidade de ambição, mas não identificam os parâmetros específicos para classificá-las dessa forma, as operações tendem a ficar sujeitas às interpretações dos envolvidos. E empresas buscando o máximo de visibilidade, ganho reputacional e financeiro com o mínimo de esforço podem cair na cilada de assumir compromissos com metas frágeis (greenwashing).

O fato das diretrizes existirem não significa que estejam sendo aplicadas de forma adequada ou que sejam suficientes para alavancar a performance em agendas ESG. 

Hoje, umas das principais práticas para mitigar esse risco é solicitar uma avaliação externa independente para atestar a qualidade das metas, o rigor da estratégia de sustentabilidade da empresa e a coerência do processo como um todo. 

O principal papel do avaliador externo é estabelecer de forma embasada e independente se a operação atende ou não aos critérios de ambição e com qual nível de robustez. 

Isso é feito através de uma análise tanto do alinhamento da meta às diretrizes internacionais quanto da capacidade da empresa em gerir os principais riscos e impactos. Até o momento, 62,8% das operações brasileiras baseadas em metas ESG contaram com uma avaliação externa.

Ainda assim, há operações com sinal verde de pareceres independentes, mas que sofrem críticas de investidores quanto à materialidade e ambição. Nesse sentido, é importante ter em mente que toda boa operação baseada em metas ESG conta com uma avaliação externa, mas nem toda operação com avaliação externa é necessariamente robusta. 

É exatamente como no rating de crédito: é preciso ler a avaliação e compreender a nota dada pelo avaliador, seja esta explícita na forma de score, ou qualitativa e implícita no corpo da avaliação. 

O papel catalítico dos bancos

É necessário ainda que outro ator envolvido também tenha clareza de seu papel no processo: os bancos, que têm um papel importante no fortalecimento (ou enfraquecimento) da credibilidade desse tipo de instrumento.

Em empréstimos bilaterais ou sindicalizados com metas ESG, os bancos negociam e aprovam todos os elementos da operação com o cliente tomador. No entanto, a maioria das operações não possui avaliação externa ou, quando a possui, o parecer não é divulgado publicamente.

Já as operações no mercado de capitais, antes de passarem pelo crivo da demanda dos investidores, são originadas e estruturadas por bancos coordenadores. Estes acabam assumindo um papel de “primeira opinião”, ou seja, filtrando as operações que são meritórias do rótulo ESG.

Alguns bancos têm investido em capacitação, equipes internas especialistas e processos para que essa esteira rode melhor e mais rápido.

Uma tacada única que poderia contribuir para resolver tanto o desafio de transparência nos empréstimos quanto a eficiência da esteira nas operações de mercado de capitais seria o desenvolvimento de um  ‘framework’ de operações com metas ESG pelos bancos.

O framework nada mais é do que um marco institucional do banco sobre o que é aceitável para uma operação baseada em metas ESG, estabelecendo parâmetros mínimos e desejáveis pela instituição — como indicadores pré-selecionados, requisitos básicos de sustentabilidade e critérios de ambição, comparabilidade e verificação. 

O framework permite que o banco tenha uma postura ativa na negociação de operações baseadas em metas ESG, e viabiliza que a tomada de decisão aconteça de forma mais homogênea e com menos fricção junto aos clientes tomadores. 

O framework já é uma prática comum para operações baseadas em uso de recursos (como green, social e sustainability bonds), mas ainda incipiente para as operações baseadas em metas. 

Um exemplo desse tipo de ferramenta é o Sustainable Transaction Framework do BBVA, que prevê que as empresas interessadas em operações baseadas em metas ESG devem integrar um índice de sustentabilidade ou apresentar performance acima da média em ratings ESG. 

O Sustainable Finance Framework do Deutsche Bank também oferece diretrizes que reforçam os Sustainability-linked Bond Principles e respaldam o banco na tomada de decisão.

Apesar de não existirem bancos brasileiros com frameworks públicos especificamente para operações baseadas em metas ESG,  já existem experiências que caminham nesse sentido, como o produto BNDES RenovaBio, que prevê de antemão a meta que deve ser utilizada na operação e a respectiva variação de juros associada. 

Enquanto os bancos avançam no desenvolvimento de frameworks, é fundamental que sejam fiéis às recomendações dos avaliadores independentes e que reforcem seus compromissos com as diretrizes já existentes, para que as operações ganhem além de tração, qualidade e impacto.

* Consultora ESG e Analista ESG, respectivamente, da Sitawi Finanças do Bem