Como a Votorantim quer faturar com a floresta em pé

Com a Reservas Votorantim, grupo entra na gestão de ativos ambientais e quer monetizar carbono e biodiversidade em mais de 80 mil hectares de mata nativa

Área do projeto Legado das Águas, da Reserva Votorantim
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Com quase R$ 50 bilhões em receitas, a Votorantim tem negócios que vão do alumínio ao setor bancário, passando por cimento, mineração e energia. 

Agora, a holding centenária que se forjou na indústria pesada está entrando numa das principais frentes da nova economia: a gestão de ativos ambientais. 

O boom dos compromissos climáticos e ambientais deu o empurrão para que uma estrutura criada há 10 anos para gerir grandes territórios preservados do grupo desse origem à Reservas Votorantim, uma nova empresa com o objetivo de faturar com a venda de produtos e serviços associados à manutenção de vegetação nativa. 

“Queremos chegar ao ponto em que a floresta se pague”, afirma David Canassa, diretor da Reservas. 

O caminho passa por soluções que já têm seu caminho pavimentado, como o arrendamento de terras para compensação de reservas legais – em que proprietários de terras com déficits de reserva podem alugá-las de terceiros para se adequar à legislação –, ecoturismo e serviços para reflorestamento. 

E inclui também o desbravamento de mecanismos ainda pouco explorados. 

A Reservas Votorantim foi a primeira empresa a conseguir certificar um projeto de carbono de desmatamento evitado no Cerrado e aposta no mercado de pagamento por serviços ambientais para monetizar sua reserva na Mata Atlântica. 

Desmembrada oficialmente no ano passado, a Reservas ainda tem um faturamento tímido. “Temos um orçamento anual de R$ 10 milhões. Dois terços mais ou menos vêm de receitas próprias”, diz Canassa. 

Mas os planos são ambiciosos. Hoje, a empresa tem 80 mil hectares sob administração – o equivalente à metade do território da cidade de São Paulo. A meta é dobrar essa área em quatro anos, incorporando outras áreas do grupo Votorantim e de suas investidas. 

“Não é o foco por enquanto, mas não descartamos fazer aquisições”, afirma o diretor. 

De problema a oportunidade

A Reservas nasceu para dar conta do que era, de certa forma, um problema. 

A Votorantim é dona do Legado das Águas, a maior reserva privada de Mata Atlântica do país: uma área de 31 mil hectares de floresta no Vale do Paraíba, no interior de São Paulo, dos quais cerca de 75% nunca sofreram intervenção humana. 

O território pertence à companhia desde a década de 1940, quando a Votorantim construiu sete pequenas centrais hidrelétricas ao longo do Rio Juquiá para abastecer as fábricas que deram origem à Companhia Brasileira de Alumínio (CBA). Na ocasião, a empresa comprou toda a área adjacente, até as nascentes, para garantir o fluxo de água. 

“Havia motivos históricos para essas terras estarem conosco. Mas, do ponto de vista tradicional, gerenciar um território enorme, com floresta em pé, era visto como um passivo”, diz Canassa, que tem 30 anos de Votorantim e era gerente-geral de sustentabilidade da holding antes de assumir a Reservas. 

Em 2012, o grupo fez um projeto para pensar em formas de monetizar o ativo. Uma das principais conclusões foi que, para extrair valor da mata em pé seria necessário ter múltiplos usos para as terras. “Ter várias camadas de uso dentro do mesmo hectare”, explica Canassa. 

Há cinco anos, a experiência com o Legado das Águas foi replicada no Centro-Oeste. Uma área de 32 mil hectares da CBA, no município de Niquelândia, em Goiás, se transformou no Legados Verdes do Cerrado. 

Foram quase R$ 100 milhões aportados na última década. 

Na Mata Atlântica, a Reservas investiu no ecoturismo e mergulhou na pesquisa de fauna e flora. Foi erguido um centro de biodiversidade, com um viveiro que produz não apenas mudas de árvores, mas espécies de toda a floresta – capim, arbusto, trepadeiras, bromélias – e é capaz de oferecer serviços completos de reflorestamento.

A empresa fez também um mapeamento do DNA de 208 plantas do bioma, o que a coloca como a detentora do maior banco genético de Mata Atlântica do país. Os bioativos da região podem se tornar negócios futuros. 

“Estamos estudando a cadeia do terpeno, que é usado em perfumes. Estamos buscando os perfumes da Mata Atlântica”, diz Canassa.

“O pouco investimento em biodiversidade do Brasil está na Amazônia. Existe um potencial imenso a ser explorado na Mata Atlântica, que está do lado dos principais centros de pesquisa e centros industriais do país.”

Outra fonte de receita é o paisagismo sustentável: a oferta de plantas da flora local para empreendimentos imobiliários, que rende pontos para os prédios que buscam certificações ambientais. 

Mais recentemente, a possibilidade de arrendamento para compensação de reservas legais virou uma das principais fontes de faturamento. Hoje são cerca de 480 hectares arrendados no Legado das Águas, mas a expectativa é de crescimento exponencial. São cerca de 10 mil hectares disponíveis para essa modalidade em cada um dos legados. 

REDD do Cerrado

Quando se pensa em rentabilizar a vegetação nativa, a principal ideia que vem na cabeça são os créditos de carbono – mas, no caso dos ativos da Reservas Votorantim, esse caminho não é tão trivial. 

No Brasil, os créditos de desmatamento evitado (chamados de REDD+) são praticamente uma exclusividade da Amazônia, onde a pressão pela derrubada da floresta é grande. 

Um dos principais conceitos por trás dos créditos é o de adicionalidade. Os projetos têm de representar um incentivo para que não haja emissão de gases de efeito-estufa, ou seja, é preciso provar que, na ausência do crédito, possivelmente a floresta seria derrubada para dar lugar a outra atividade econômica. 

Como a lei da Mata Atlântica é extremamente rigorosa para dar licenciamento para abertura de novas áreas, é praticamente impossível conseguir certificar um crédito de desmatamento evitado nessa região. (Entenda como funcionam os créditos de carbono.) 

Já no Cerrado, a pressão por desmatamento é grande, muito por conta da soja, mas é mais difícil fazer com que o projeto se pague. Primeiro, porque os custos de transação são maiores. 

“Fazer a certificação de um projeto é muito caro. Na Amazônia, esses custos se diluem porque os territórios são gigantescos.” Os volumes de créditos gerados na floresta também são muito maiores: “Na Amazônia, a taxa é de cerca de 350 toneladas de carbono por hectare. No Cerrado é metade disso”, explica Canassa. 

Segundo, porque o preço do crédito de carbono tem de ser alto para compensar os retornos expressivos com soja. 

A Reservas decidiu ir na vanguarda e conseguiu certificar o primeiro projeto de REDD+ do Cerrado. São quase 11 mil hectares cobertos pelo projeto. Já estão certificadas 350 mil toneladas de carbono  geradas nos cinco anos e a intenção é vender esses créditos até o fim do ano. 

“Nas nossas contas, para que o Cerrado fique em pé contra trocar por soja, esse crédito precisaria valer US$ 40. Vamos conseguir esse preço? Não sei. Mas vamos tentar”, aponta o executivo. Os preços variam muito, mas, a título de comparação, hoje um crédito REDD+ da Amazônia com benefícios sociais e de biodiversidade atrelados negocia em cerca de US$ 15 por tonelada. 

Pagamento por serviços ambientais

Já no Legado das Águas, a Reservas aposta que o mercado vai caminhar além dos créditos de carbono tradicionais, em direção ao pagamento por outros serviços ambientais.

O arcabouço jurídico para isso está pronto: no ano passado, o governo regulamentou a Política Nacional de Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA). Entre os serviços passíveis de remuneração está o estoque de carbono armazenado pela vegetação nativa.

(Os créditos de carbono remuneram projetos que evitam desmatamento ou que promovem o sequestro de carbono do ar por meio de reflorestamento, por exemplo. Mas não remuneram o estoque de carbono que está parado na floresta.)   

Nas contas da Reservas, há mais de 10 milhões de toneladas de carbono estocadas no Legado das Águas. 

“Nós estamos estruturando um PSA Carbono no Legado das Águas, que, além do carbono, vai ter todos os atributos de biodiversidade”, diz Canassa. 

“Muita gente está trabalhando nesse sentido, mas a gente quer ser um dos primeiros a colocar na rua, mostrando que tem muita relevância e esse é o tipo de iniciativa que pode realmente ajudar o Brasil a cumprir as metas que ele se autocolocou no Acordo de Paris”.

A grande questão é se haverá compradores. Até hoje, o setor público tem sido o principal comprador de PSAs, remunerando proprietários por exemplo pelo serviço de manutenção de mata ciliar em nascentes. 

“Nós entendemos que vai existir demanda, sim, porque as grandes empresas estão se associando a diversos projetos para mostrar que estão cumprindo suas metas ESG em diversas vertentes. É uma aposta”, diz.