Como a Vivara garante que suas joias não têm ouro 'sujo'

Joalheria aperta o controle sobre a origem de suas matérias-primas e tem meta de chegar ao rastreio completo da cadeia de fornecimento

Como a Vivara garante que suas joias não têm ouro 'sujo'
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Quando a crise dos Yanomami eclodiu no começo deste ano, a joalheria Vivara pôde respirar aliviada. Não tinha uma joia sequer feita com ouro que pudesse ter sido originado pelo garimpo ilegal em terras indígenas.

Apenas quatro anos atrás a história poderia ter sido diferente. 

Até 2019 a Vivara — listada em bolsa — comprava todo o ouro usado na fabricação das suas joias de distribuidoras de títulos e de valores mobiliários (DTVMs). Como ficou evidente este ano, essas instituições financeiras estão no cerne de uma cadeia de valor de controles frágeis no país.

Naquele ano a companhia tomou a decisão de passar a comprar o metal precioso exclusivamente da mineradora AngloGold Ashanti, algo que já vinha sendo discutido com alguns investidores da companhia. 

“Nunca houve indício de que estávamos comprando ouro de garimpo ilegal ou com outra irregularidade, mas identificamos vulnerabilidades [de controle na cadeia] e resolvemos comprar diretamente de uma mineradora”, diz Fernanda Ormonde, que lidera a área de sustentabilidade da Vivara. 

De origem sul-africana, a AngloGold Ashanti é a terceira maior mineradora de ouro do mundo e a maior do Brasil — a extração do metal no país se concentra em Minas Gerais e Goiás. 

“Ao comprar diretamente, conseguimos rastrear 100% da origem do ouro que usamos”, diz Ormonde. 

Embora as joias de ouro representem 52% do faturamento da companhia, o metal era apenas uma parte da história quando a companhia decidiu ampliar os controles socioambientais sobre a cadeia de fornecimento anos atrás. Prata, diamantes e as chamadas gemas coradas (pedras com cores) adicionavam complexidade à missão.

A política de aperto no controle de origem das matérias-primas se baseia em dois pilares principais. O primeiro é buscar fornecedores que carreguem as certificações globais de sustentabilidade que são referência em suas respectivas áreas. O segundo é auditar as práticas socioambientais e de governança de todos aqueles que vendem diretamente para a Vivara.

A empresa fabrica 90% das joias de ouro e 75% dos produtos em prata na planta própria em Manaus. Os cerca de 50 fornecedores diretos incluem vendedores de prata, diamantes e outras pedras, além de fabricantes de peças prontas. 

“Em sua maioria, nossa cadeia de fornecimento é bastante curta”, diz Ormonde, complementando que isso facilita o controle.

Auditoria na cadeia de valor

O programa de auditoria dos fornecedores começou a tomar forma em 2020, e 100% dos fornecedores diretos, tanto de matérias-primas quanto de produtos acabados, passaram a ser contemplados. 

Ormonde diz que, em 2021, 76% dos fornecedores diretos cumpriam os protocolos da auditoria e as principais falhas estavam em laudos vencidos e políticas de treinamento. 

“Quando começamos, havia fornecedores diretos que não tinham uma política de homologação dos seus fornecedores, por exemplo”, diz ela. Mas com o intuito de conhecer melhor a cadeia e incentivar melhores práticas, a companhia deu um prazo para adequação.

No ano passado, o percentual dos fornecedores aderentes subiu para 96%. “Desde o começo da auditoria não identificamos nenhuma não conformidade considerada restritiva, ligada a violações graves.” Agora, como política, potenciais novos fornecedores já são auditados na chegada.

O trabalho de auditoria começa com um questionário de autoavaliação respondido pelos fornecedores. Ele foi elaborado com base nos princípios do Responsible Jewelry Council (RJC), que reúne de mineradoras a fabricantes e varejistas e é considerado a principal organização global para padrões de sustentabilidade no setor de joalheria.

A partir dele, a consultoria Bureau Veritas entra em campo para fazer uma auditoria presencial em cada um dos fornecedores.

O processo cobre o rastreio da matéria-prima do ponto de vista formal, ou seja, com a checagem da documentação de circulação e entrada dos insumos, e também avalia “como o fornecedor industrializa esse material, como é a mão-de-obra que usa”, afirma Ormonde.

No caso das mineradoras, por exemplo, até mesmo as minas de extração e as áreas de refino e beneficiamento são visitadas. 

Nas cadeias curtas, como a do ouro, da prata e dos diamantes, a auditoria cobre 100% da matéria-prima. Mas o mesmo não acontece, por exemplo, no caso dos fornecedores de gemas coradas ou de produtos acabados. Nesses casos, a auditoria é feita por amostragem, o que dá margem a escapes.

Selos

Ainda antes de implementar a auditoria própria, a empresa já dava preferência a fornecedores certificados.

“No caso dos diamantes brutos, por exemplo, como nossos contratos não são diretamente com as mineradoras porque não fazemos a lapidação, só aceitamos que nossos fornecedores comprem de mineradoras com certificado Kimberley”, diz a executiva. 

O processo Kimberley é um mecanismo internacional de certificação da origem para evitar o comércio ilegal de diamantes que financia conflitos armados. Desde o início da guerra da Ucrânia, os diamantes da empresa russa Alrosa foram banidos pela Vivara. As pedras brutas agora são compradas exclusivamente da mineradora De Beers. 

No caso do ouro, o selo equivalente é o da London Bullion Market Association (LBMA). A prata usada nos produtos da marca Life vêm de um único fornecedor, que só compra de mineradoras certificadas com o selo do Responsible Jewellery Council, o mesmo do padrão usado na auditoria. A própria Vivara se tornou no ano passado a primeira joalheria brasileira a receber o selo RJC.

“Nos próximos cinco anos queremos que 100% dos fornecedores tenham uma certificação de responsabilidade socioambiental além da nossa auditoria”, diz Ormonde. O desafio é na cadeia de produtos acabados e de gemas coradas.

Essa é uma de duas metas que a companhia acaba de assumir perante investidores. A segunda é desenvolver um mecanismo de rastreio completo da origem de todas as matérias-primas preciosas.

Nessa frente, diz Ormonde, a companhia está começando a estudar qual seria a melhor forma de chegar lá. Uma possibilidade seria usar tecnologia de blockchain para amarrar todas as informações, como as da auditoria e das notas fiscais eletrônicas. 

Circularidade

Paralelamente à garantia de origem, a companhia também vem tentando ampliar a circularidade de materiais. Hoje, 25% de todo o ouro usado na fabricação das joias é reciclado.

O metal vem dos porta-joias dos próprios clientes da marca. Peças usadas podem ser levadas a qualquer loja. A empresa calcula o valor com base na cotação do metal e concede um crédito para ser usado na compra de uma joia nova.

Fernanda Ormonde diz que a empresa gostaria de ampliar o uso de materiais reciclados e já chegou a estudar a possibilidade de comprar de fornecedores que trabalham com isso. “Mas hoje ainda não existe uma forma de fazer essa compra de maneira segura em relação à origem da matéria-prima.”

Com 100% das vendas no mercado interno, Ormonde diz que a demanda das consumidoras e consumidores por joias com atributos de sustentabilidade praticamente inexiste no país – embora a crise dos Yanomami tenha feito com que as vendedoras das lojas passassem a ser questionadas eventualmente sobre a origem do ouro.

“Temos conversado com a empresa para que ela incentive essa demanda na ponta consumidora”, diz Andrea Bottcher, líder ESG da gestora Neo Investimentos, acionista da Vivara. “A empresa poderia mostrar ativamente a origem da matéria-prima ou criar uma linha de joias 100% recicladas, por exemplo.”