Como a indústria de petróleo pode se alinhar ao net zero

Petroleiras precisam cortar intensidade na produção em 50% até 2030, alerta IEA – e isso custaria apenas uma fração dos lucros do setor

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Para zerar as emissões de gases de efeito-estufa até 2050, o mundo precisa reduzir — e muito — o consumo de combustíveis fósseis. 

Mas todos os cenários contemplam algum uso de petróleo e gás natural depois desse período, ainda que numa quantidade residual se comparada ao protagonismo que petróleo e gás têm hoje na matriz energética mundial. 

Nesse sentido, um relatório divulgado hoje pela Agência Internacional de Energia (IEA) mostra que a ação das petroleiras para controlar as emissões durante a produção de petróleo e gás é chave para conduzir o mundo para a trajetória de 1,5ºC. 

A avaliação é que as petroleiras poderiam cortar pela metade as emissões de gases de efeito estufa de suas operações até 2030, investindo apenas uma pequena parte dos lucros recordes obtidos no último ano. 

Se associada a uma redução de 20% no consumo de petróleo e gás em relação aos níveis atuais, a diminuição total da pegada de carbono do setor poderia chegar a 60%. 

Esse é o cenário necessário para direcionar o mundo ao net zero. Como os gases de efeito estufa têm efeito cumulativo na atmosfera, a ciência mostra que, mais que chegar ao zero líquido na metade da década, é necessário cortar as emissões pela metade até 2030 — uma tarefa em estamos falhando em cumprir. 

A maior parte das emissões dos combustíveis fósseis ocorre durante seu uso, mais especificamente 40%. Mas extrair, processar e transportar esses combustíveis representa 15% de todas as emissões globais associadas ao setor de energia, mostra a IEA. 

Para reduzir a intensidade de carbono da produção de petróleo e gás, seriam necessários cerca de US$ 600 bilhões pelos próximos oito anos em cinco áreas prioritárias, segundo cálculos da IEA. 

Isso equivale a 15% dos lucros líquidos das petroleiras no ano passado, que atingiram níveis históricos por causa da instabilidade causada pela guerra na Ucrânia.

Na avaliação da agência, a conta seria ainda mais suave considerando potenciais ganhos de eficiência. O investimento total seria amortizado por US$ 240 bilhões em potenciais economias e receitas resultantes da adoção de novas tecnologias.  

Mas, apesar do custo proporcionalmente baixo, “somente uma fração dos compromissos de redução das petroleiras estão alinhados [com o cenário projetado pela agência] e a maioria deles inclui o uso de offsets [compensações via créditos de carbono]”.

O documento foi preparado como subsídio para as discussões que ocorrerão na COP28, no final de novembro. A próxima Conferência do Clima da ONU presidida pelo CEO da estatal do petróleo do país-sede, os Emirados Árabes Unidos.

Ao mesmo tempo em que se espera uma presença massiva de executivos e lobistas da indústria, deve haver foco renovado sobre a redução de consumo de petróleo e gás e também sobre a descarbonização do setor.

O foco do levantamento são as emissões decorrentes da atividade direta da empresa (escopo 1) e relativas à energia utilizada (escopo 2). Elas correspondem a 20% das emissões totais de um barril de petróleo do poço ao posto de gasolina. No caso do gás natural, o total fica em cerca de 15% (para um barril equivalente).

Cinco áreas prioritárias

A agência indica cinco pontos chave para uma produção menos intensiva em CO2, sem o uso de créditos de carbono para compensações. 

A melhor relação custo-benefício está no controle do metano. Há um ano e meio, 150 países assinaram o Compromisso Global do Metano com o objetivo de reduzir as emissões desse gás em  30% até 2030.

É preciso mais ambição e rapidez. O cenário descrito pela IEA prevê uma diminuição de 75%. As tecnologias para identificar e impedir vazamentos são conhecidas e custam pouco, afirma a agência. Além disso, as perdas evitadas representam uma oportunidade de receita com a venda do metano capturado.

O mesmo vale para o gás natural que sai dos poços junto com o petróleo e é queimado, prática conhecida como flaring. Dois terços do volume que hoje vira chamas poderiam ser evitados a custo zero, dada a receita potencial com a venda.

Uma iniciativa para acabar com o flaring contínuo até 2030 – ele é empregado por razões de segurança em algumas situações – foi estabelecida há oito anos, mas o progresso foi “limitado”, afirma a agência.

Eletrificar as estruturas de produção é outro ponto crucial para o setor. 

A substituição de geradores movidos a gás por eletricidade de fontes renováveis também pode contribuir para mitigar o impacto ambiental dos combustíveis fósseis, aponta a IEA.

“Mais de metade da produção de óleo e gás está a 10 km de alguma rede elétrica, e 75% ocorre em regiões com sol ou vento”, diz o documento.

As duas outras áreas de maior impacto potencial são captura de carbono – o setor responde por 40% dos investimentos na tecnologia na última década – e o uso de hidrogênio verde no refino.

Expectativa x realidade

As premissas do relatório levam em conta um declínio na demanda por óleo e gás acentuado o bastante para que não seja necessária a perfuração de novos poços.

Mas a indústria parece caminhar na direção inversa. Na esteira dos resultados históricos registrados, algumas petroleiras anunciaram uma desaceleração em seus planos de transição energética.

A Petrobras tem como meta cortar em 30% a intensidade de carbono do petróleo extraído do pré-sal até o fim da década (em comparação com 2015). 

No mais recente anúncio de resultados, o presidente da estatal, Jean Paul Prates, afirmou que o corte de emissões é “o único caminho” para a indústria. 

Ao mesmo tempo, a companhia segue determinada em abrir uma nova fronteira na Foz do Amazonas e o CEO vem reiterando que a Petrobras quer ganhar participação na produção de petróleo global. A intenção declarada é que a companhia seja a “última a produzir petróleo no mundo”.