Como a Arezzo quer rastrear o couro dos seus sapatos

Com uma cadeia que chega a produtores familiares, fabricante quer chegar na ponta para garantir que não está associada ao desmatamento

Sapato de salto bege em primeiro plano, com amostras de tecido em couro ao fundo.
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Saber a origem do boi é um dos principais problemas da pecuária: os grandes frigoríficos conseguem rastrear seus fornecedores diretos, que fazem a engorda, mas têm dificuldade de chegar aos indiretos, que fazem a cria dos bezerros, e onde se encontra a maior ligação com desmatamento para dar lugar aos pastos.

O grupo Arezzo &Co, um dos maiores fabricantes de sapatos do país, também quer retraçar esse caminho para chegar à origem da sua principal matéria-prima, o couro.

A companhia – que além da marca que leva o seu nome é dona de Schutz, Anacapri, Alexandre Birman, Fiever, Alme e MyShoes, além da distribuição da Vans no Brasil – se comprometeu a ter a rastreabilidade completa da cadeia até 2024.

“Quem não conseguir provar que não tem nenhuma relação com desmatamento pode ter problemas para entrar em países que tiverem essa restrição”, afirma Suelen Joner, head de sustentabilidade da Arezzo &Co, que chegou há um ano e meio no grupo, vinda da Renner, para estruturar a área. 

Hoje, cerca de 10% do faturamento bruto da Arezzo vem de exportações e da operação nos Estados Unidos. 

Se, para os gigantes da carne, a rastreabilidade é um desafio, para a indústria calçadista ele ganha contornos adicionais. A tecnologia escolhida pela Arezzo é a mesma de empresas como JBS e Marfrig: o blockchain para validar e dar transparência às diversas etapas pelas quais o couro passa ao longo da cadeia até que se transforme em sapato nas fábricas da companhia, a maior parte localizada no Vale dos Sinos, no Rio Grande do Sul. 

Mas a semelhança pára por aí. Apenas uma pequena parte do couro consumido pela indústria calçadista vem dos grandes frigoríficos.

“Eles vendem principalmente para a indústria automobilística e moveleira e atendem o mercado de grande volume, de exportação. A indústria da moda e do calçado tem um volume menor, não precisa de cargas tão grandes”, explica Fernanda Bock, coordenadora de sustentabilidade da Arrezo &Co e líder do projeto de rastreabilidade. 

Na indústria calçadista, a cadeia é mais longa e conta com atores menos profissionalizados. Chegar aos animais de origem significa muitas vezes ir até fazendas onde foram abatidos para consumo próprio – com o couro vendido a barracas na estrada, onde é salgado, para só então seguir para os curtumes.  

Boa parte da matéria-prima vem de cabras, que têm a pele mais macia, e são usadas principalmente para sapatos. “Na marca Alexandre Birman, elas representam 50% a 60% do volume de couro”, afirma Bock, acrescentando que essa fatia é um pouco menor para outras marcas com mais escala, como Arezzo e Schutz, já que o couro de boi é bastante utilizado para bolsas. (Aproximadamente metade da produção de sapatos da companhia vem de couro natural e o restante é de outros materiais.)

Com um trabalho iniciado neste ano, a Arezzo está “acendendo a luz conforme caminha”, define a coordenadora. Mas já tem um mapa de como funciona a maior parte de sua cadeia. 

A maior parte das cabras vem de propriedades rurais familiares da região Nordeste, enquanto o couro do boi chega de fazendas individuais na região Sul e de frigoríficos de médio e pequeno porte espalhados pelo país, e também no Uruguai e na Argentina.

No caso dos produtores familiares, a barraca na estrada é o último elo a que a Arezzo consegue efetivamente chegar: como o couro é uma matéria orgânica, ele não consegue viajar num raio de mais de 30 quilômetros sem se deteriorar.  

Já com o que vem de frigoríficos, a dificuldade é a mesma da indústria da carne: chegar à fazenda de cria dos bezerros. “Vamos conseguir chegar lá até 2024? Provavelmente não, porque estamos vendo que esse é um projeto de médio e longo prazo. Mas esse é o objetivo final e estamos perseguindo”, afirma Joner. 

Seguindo a trilha 

Ainda que o blockchain ajude a dar segurança às transações ao longo da cadeia, a principal dificuldade na rastreabilidade é completamente analógica: chegar a todos os elos da cadeia e engajá-los no processo. 

Com cinco fábricas próprias e algumas terceirizadas, a Arezzo tem como principal elo com a indústria os curtumes de acabamento, onde é feito o processamento final do couro, que já vem pronto para ser transformado em bolsas e sapatos. 

Esses curtumes compram o couro de distribuidores ou dos chamados curtumes de ribeira, que processam o chamado “couro verde”, in natura. Eles, por sua vez, compram a matéria-prima de frigoríficos ou das barracas de estrada.

“Imagina falar de blockchain para um cara que cria cabra, para um atravessador, para alguém que trabalha numa barraca e que tem como tecnologia mais avançada um celular na mão e olhe lá”, diz a head de sustentabilidade.  

Por isso, o processo de rastreabilidade é também um processo de digitalização. 

A Arezzo criou uma plataforma para rastrear o couro e está num processo de integração de sistemas com os fornecedores, que deve cobrir cerca de 80% do volume de couro comprado pela companhia, estima Bock. 

O principal problema é que os outros 20% são processos manuais. 

“Temos fornecedores indiretos que têm sistemas, mas outros controlam tudo na planilha de Excel ou, no caso das barracas, emitem nota em papel e não eletrônica”, aponta. Essas notas vão ter que ser incluídas no sistema de forma manual. 

“Estamos fazendo uma interface amigável para isso, mas sabemos que está longe do ideal. No fim das contas, esse processo mostra o quanto a digitalização é importante e vai contribuir para a evolução da cadeia”, diz ela. 

A meta para este ano é ter o couro de 20% dos sapatos fabricados pela Arezzo rastreados. O objetivo final inclui 100% dos sapatos, bolsas e acessórios. 

Até agora, a Arezzo afirma não ter encontrado fornecedores fora de conformidade. “Tivemos uma surpresa positiva do quanto a cadeia está estruturada e organizada, não necessariamente no âmbito tecnológico, mas na questão ambiental”, afirma Joner. 

Segundo ela, vários curtumes de acabamento já não compram couro de regiões consideradas controversas, porque eles também exportam e não querem estar expostos aos riscos de restrições.

Além disso, as certificações da indústria também ajudam a fazer um pente fino. Cerca de 70% dos fornecedores diretos da Arezzo têm o selo Leather Working Group (LWG), reconhecido internacionalmente, ou Certificação de Sustentabilidade do Couro Brasileiro (CSCB).

“Quem tem o selo ouro precisa comprar de parceiros também certificados, então precisa ter o mínimo controle de onde está vindo esse couro”, aponta Bock. 

Blockchain

O movimento de procedência da matéria-prima vem ganhando força dentro da indústria da moda. No estrato de luxo, grandes marcas como Gucci e Hermes compram curtumes para verticalizar e ter controle sobre a origem do insumo. 

Alguns degraus abaixo, a Adidas é benchmark no controle sobre a origem do couro, e marcas mais novas, como a Veja (vendida como Vert, no Brasil), Allbirds e Cariuma já nasceram com uma preocupação com a procedência das matérias-primas.

Chegando um pouco depois no movimento, a Arezzo é pioneira no uso da tecnologia blockchain na indústria do couro.  

“A gente está começando agora e decidimos começar certo, entendendo que ter a tecnologia a nosso favor para levar transparência era importante. Nesse sentido, o blockchain daria segurança e confiabilidade no projeto como um todo, validando todas essas informações, porque estamos falando de muitos elos e muitas frentes”, diz Bock. 

A Blockforce, consultoria especializada em blockchain e que já atendeu clientes como Tetrapak e C&A, é parceira da companhia no processo.