Sete medidas práticas para salvar a Amazônia (Spoiler: não existe bala de prata)

Precisamos de uma constelação de ações simultâneas, que vão do combate a crimes ambientais a P&D com populações indígenas e povos tradicionais, escreve Mariano Cenamo

Açaí, além de borracha, pirarucu, castanha e óleos, são cadeias produtivas que se desenvolvem na região amazônica e que precisam se tornar sustentáveis
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Quem atua na Amazônia sabe que cuidar da floresta que ocupa mais de 50% do território do Brasil e tem importância global para o equilíbrio climático é algo que não se faz sozinho. 

É preciso ter vontade política, capital e investimentos a longo prazo, empresas comprometidas em fazer parte da solução (e não do problema), envolvimento dos atores e instituições locais e empreendedores corajosos, com apetite por risco e impacto socioambiental. A Amazônia só ficará de pé com a integração real dos esforços desses atores.

Não existe bala de prata. 

O caminho passa obrigatoriamente pela construção de uma nova economia – que será o grande diferencial do Brasil no século 21 – baseada no uso sustentável da floresta e de tecnologias inovadoras para produção de alimentos, medicamentos e outros ativos.

É preciso gerar renda, emprego e prosperidade para os mais de 25 milhões de brasileiros que vivem na região – responsável por mais de 50% das nossas emissões de carbono e menos de 8% do PIB nacional.

Nos próximos anos, espero ver uma constelação de ações simultâneas, de curto e longo prazo, que vão desde o combate a crimes ambientais a pesquisa e desenvolvimento (P&D) com populações indígenas e povos tradicionais.

Retomar mecanismos de financiamento como o Fundo Amazônia, promover a regulação do mercado de carbono e incentivos para atração de empreendedores inovadores são algumas ações urgentes e de relativo “baixo esforço” para alavancar essa nova economia.

Enumero aqui sete medidas, longe de serem exaustivas, mas que poderiam gerar resultados concretos e relevantes em 2022 e colocar a Amazônia na rota de um futuro mais equilibrado, próspero e livre de desmatamento.

1. Fortalecer os órgão de fiscalização e combate a crimes ambientais

No curto prazo, a única solução é fortalecer a legislação e órgãos de fiscalização e combate a crimes ambientais associados a desmatamento e queimadas. Órgãos como Ibama, ICMBio e Funai encontram-se extremamente fragilizados, sem orçamento e com baixa capacidade operacional.

Segundo o MapBiomas, a Floresta Amazônica perdeu cerca de 44,5 milhões de hectares líquidos de vegetação entre 1985 e 2020, sendo que praticamente a totalidade (99%) foi convertida para uso agropecuário.

Grande parte dessas áreas está abandonada, enquanto grileiros, especuladores e desmatadores abrem novas frentes de ocupação e derrubada ilegal de florestas para dar lugar a atividades de baixa produtividade, poucos empregos e alto dano ambiental.

2. Destravar R$ 3,2 bilhões do Fundo Amazônia

O Fundo Amazônia, criado em 2008 e gerido pelo BNDES, é o maior mecanismo de financiamento para a conservação ambiental já criado no Brasil. A sua operação representou enorme laboratório de inovação e fomento para projetos e negócios sustentáveis, além de ter papel fundamental na redução do desmatamento entre 2008 e 2018.

O fundo tem hoje cerca de R$ 3,2 bilhões. Com a extinção de seu comitê de governança pelo ex-ministro Ricardo Salles, encontra-se há quase três anos paralisado, sem aprovar nenhum novo projeto.

Essa é a ação mais fácil de ser implementada: basta um decreto do Ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, restituindo a composição original do Cofa (Comitê Orientador do Fundo Amazônia) e do CTFA (Comitê Técnico do Fundo Amazônia).

3. Regulamentar o mercado de carbono no Brasil

A COP26 sacramentou as regras para a operacionalização de um mercado de carbono regulado no âmbito da Convenção do Clima. O mercado voluntário, que já vinha crescendo nos últimos anos, movimentou mais de U$ 1 bilhão no ano passado.

Mas ainda falta criar um mercado de carbono regulado doméstico, objeto do Projeto de Lei 528 e seus substitutivos, que estão em tramitação na Câmara dos Deputados. Sua aprovação representa um importante marco para alavancar investimentos privados e poderia canalizar investimentos significativos para a Amazônia através da compra de créditos de carbono gerados por projetos voltados à redução do desmatamento, reflorestamento e conservação florestal.

4. Pesquisa, desenvolvimento e inovação: uma “Zona Franca para a bioeconomia”

Para construir uma nova economia na Amazônia é preciso ambição, visão de longo prazo e muito, mas muito investimento. Precisamos fazer com as cadeias do açaí, castanha, cacau, pescados e madeira o que fizemos com cana-de-açúcar, soja e eucalipto, em que somos referência em competitividade internacional.

A criação de incentivos para empresas que produzem ajudando a manter a floresta em pé é fundamental para alavancar pesquisa, desenvolvimento e inovação em cadeias de valor da bioeconomia amazônica.

Enquanto isso não acontece, as empresas da Zona Franca de Manaus dedicam uma ínfima fração dos cerca de R$ 700 milhões por ano que poderiam ser destinados a pesquisa e desenvolvimento para a utilização econômica sustentável da biodiversidade.

5 – Créditos de carbono de projetos florestais na Amazônia

Nos últimos dois anos presenciamos um “tsunami” de compromissos corporativos voltados à redução e compensação de emissões de gases de efeito estufa. No mundo inteiro, já são cerca de 4.500 empresas que se comprometeram com metas “net zero”.

A compra de créditos de carbono é uma prática de ganha-ganha para promover a conservação e restauração de florestas. Existe uma demanda crescente de empresas brasileiras que estão iniciando uma transição em sua cadeia produtiva e buscam estratégias para compensar suas emissões na Amazônia.

A possibilidade de realizar essa compensação e ainda contribuir para o desenvolvimento sustentável na região pode gerar resultados imediatos nos próximos anos.

6  – Investir em negócios da bioeconomia

Carbono, açaí, borracha, guaraná, pirarucu, castanha, cacau e óleos são algumas das cadeias produtivas que se desenvolvem na região amazônica. É preciso torná-las sustentáveis, o que inclui investimento em conhecimento, qualidade da produção, rastreamento, em garantir e medir impacto socioambiental, além de abrir e consolidar novos mercados para que essa produção tenha facilidade de comercialização.

Os bancos e fundos de investimentos precisam urgentemente ajustar suas operações para fomentar negócios de impacto voltados a essas cadeias. É preciso incorporar os impactos socioambientais positivos gerados por esses negócios na análise de risco e rentabilidade para fomentar uma nova economia na região.

7. Fomentar uma nova geração de empreendedores

Existe uma revolução em curso, impulsionada pelo surgimento e proliferação de uma nova geração de empreendedores e negócios de impacto que têm por objetivo resolver os problemas sociais e ambientais do planeta (e ainda lucrar fazendo isso).

Na região amazônica, empreendimentos que trazem benefícios para as comunidades locais e ajudam a manter a floresta em pé já estão na mira de investidores. Esse ecossistema ainda é jovem e necessita de apoio para crescer.

Multiplicam-se na Amazônia programas e aceleradoras de impacto que desejam contribuir para isso. É o que fazemos, por exemplo, na Amaz aceleradora de impacto. Instituímos um primeiro fundo de financiamento híbrido com um valor de R$ 25 milhões aportados por institutos, fundações e investidores privados.

Ele vai identificar, selecionar, investir e apoiar o desenvolvimento de 30 startups e negócios de impacto nos próximos 5 anos. A nossa meta é garantir a conservação de 5 milhões de hectares de florestas, gerando renda para 10 mil famílias nos próximos 10 anos.

* Mariano Cenamo é diretor de novos negócios do Idesam e CEO da AMAZ aceleradora de impacto