Por que o investimento de impacto pode fazer a diferença na educação

Empresas que querem fazer contribuição relevante e consistente precisam encarar o governo como aliado e parceiro fundamental

Por que o investimento de impacto pode fazer a diferença na educação
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Há dez anos acelero negócios de impacto porque acredito não só que é possível obter lucro e impacto positivo, mas também porque é obrigação do setor privado se responsabilizar pela construção de um futuro socioambientalmente justo e equilibrado.

Mas somente nos últimos dois anos entendi que, se os negócios (de impacto ou tradicionais) não se unirem de forma muito estratégica ao setor público, levaremos outra década ou mais sem avanços significativos.

Não podemos deixar que a onda de sustentabilidade e ESG seja em vão e traga apenas mudanças incrementais, sem resolver de fato as questões estruturais.

O Brasil e o mundo têm inúmeros problemas sociais e ambientais, uns muito complicados; outros, além de complicados, complexos. Não é novidade que o governo seja parte principal da solução e, por aqui, sempre tenha sido visto como um indutor de escala e impacto para o negócio das startups.

Por exemplo, quando aceleramos startups de educação básica no Quintessa, a venda para o governo é uma das pautas prioritárias, dado que mais de 80% dos alunos no Brasil estão na escola pública. O impacto social, portanto, é ainda mais relevante quando a startup consegue oferecer sua solução para o setor público. 

Foi por meio da temática da educação que nos aproximamos de fato do governo, construindo uma iniciativa com parceiros e reforçando nossa visão sobre o potencial de impacto em escala quando se inclui o setor público nas iniciativas de inovação privadas.

O problema que encontramos para solucionar juntos é o da defasagem da aprendizagem de estudantes em idade escolar. A crise do sistema educacional brasileiro vem se acentuando, especialmente nos últimos dois anos. 

Segundo a organização Todos Pela Educação, 40% das crianças brasileiras de 6 ou 7 anos não sabiam ler ou escrever em 2021. Essa porcentagem está aumentando – o total era de 24%, em 2019, e 32%, em 2020.

Entre os adolescentes, 7 em cada 10 estudantes concluem o ensino médio com níveis insuficientes em português e matemática. Isso quando não abandonam a escola: 23% das crianças não haviam concluído o ensino fundamental e 40% dos jovens não tinham terminado o ensino médio até os 19 anos, segundo a mesma organização.

A pandemia acentuou ainda mais as desigualdades e aprofundou a defasagem de aprendizado. Segundo estudo da Unicef do ano passado, estima-se que 5,5 milhões de crianças e adolescentes brasileiros não tenham tido acesso à educação em 2020. Desse total, 69% eram pretas e indígenas, e 46% viviam nas regiões Norte e Nordeste.

Startups + escolas públicas

Precisamos de respostas profundas, sistêmicas e co-criadas, não impostas. Ao lado de parceiros como Fundação Lemann, Imaginable Futures, BID Lab e Instituto Reúna, começamos a pensar numa solução à altura do problema.

Escutamos mais de 30 pessoas e demos à luz o ImpulsiONar, um programa que apoia escolas e secretarias municipais de Educação a desenvolver estratégias de prevenção e redução de defasagens em língua portuguesa e matemática para estudantes dos anos finais do ensino fundamental. 

De forma muito sucinta,o objetivo do programa é conectar soluções de startups de educação diretamente às escolas públicas, preparando também os professores para receberem as tecnologias e respaldados por um modelo pedagógico que orienta todas as ações do programa.

Sete municípios (cinco no Nordeste, um no Sudeste e um no Sul) foram escolhidos. Realizamos um diagnóstico e entendemos quais eram os principais desafios de cada um. Depois, partimos em busca das edtechs. 

Depois de um ano e meio de programa, ficou muito nítida a potência da parceria. Apresento aqui alguns dos principais elementos que foram responsáveis pela boa execução do projeto até aqui (e ainda temos mais um ano e meio pela frente) . 

O primeiro e mais relevante ponto foi sobre o desenho do projeto. Qualquer iniciativa ESG deve  apostar na co-criação da iniciativa junto aos stakeholders da ação, ou ao menos validar as hipóteses com todos os envolvidos, antes de desenhar uma solução pronta. 

Ouvindo necessidades de professores, por exemplo, entendemos que não bastava implementar a tecnologia da startup sem preparar os professores da rede pública para recebê-la. Com os gestores públicos, entendemos que a relação de contratação entre governo e startup é mais complexa do que parece. 

Para lidar com estas questões, agregamos parceiros especialistas, o que foi fundamental para a assertividade do programa.

Igualmente importante foi prever momentos de troca de experiências e checagens, para avaliar se as estratégias desenhadas estavam funcionando. Na metade do projeto, já tivemos ao menos dois momentos cruciais de mudança de rota ou de alguma premissa chave.

Outro aprendizado que trago é entender de largada que problemas complexos precisam de tempo. Ou seja, uma ação de curto prazo pode não fazer sentido caso sua empresa queira contribuir para a resolução de algum problema complexo de fato.

No nosso caso, o programa foi desenhado para ser executado em dois anos e meio, levando em consideração todas as etapas do projeto, incluindo o tempo de estruturação e sistematização. 

Por fim, uma das principais razões da complexidade é entender que ela impacta diferentes grupos de pessoas, com diferentes realidades e envolvimentos distintos com o desafio, e foi justamente isto que fez o ImpulsiONar ter um time de parceiros tão vasto.

Dessa forma, a coordenação e a governança do programa passam a ser pontos críticos. Fazer todos os parceiros remarem na mesma direção, cada um em sua zona de competência, é realmente um desafio, mas este esforço tem sido fundamental para o sucesso do programa.

Mas posso dizer que este desafio tem valido a pena. A união entre o parceiro público – que entra com o alcance, escala e conhecimento dos desafios reais do dia a dia – e o privado – que agrega  velocidade de ação, novas soluções, tecnologias e arranjos de governança – vem se mostrando poderosa.

Precisamos encarar os desafios complexos de frente para sair dessa espiral histórica de problemas não-resolvidos ou sem avanços significativos.

As empresas que querem de fato fazer uma contribuição relevante e consistente precisam encarar o governo como aliado e parceiro fundamental em suas ações, sejam elas de sustentabilidade/ESG ou de investimento social privado.