ESG vem de berço: Nunca fomos todos iguais

Literatura infantil expõe tabus e incômodos ao abordar deficiências

ESG vem de berço: Nunca fomos todos iguais
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Diversidade e inclusão são temas profundos e extensos ao mesmo tempo. É possível encará-los como poça d’água ou como oceano. 

Mas por que “ou”? Dá caminhar pela poça sem perder de vista as oportunidades de mergulho e de grandes aprendizados.

Assim como já falamos aqui sobre racismo e homofobia, sempre deixando claras a importância e a necessidade urgente do combate ao preconceito e aos estereótipos, chegou a vez de tocar em outro assunto essencial da vida: a deficiência física, visível ou não.

Entre as crianças, essa conversa pode começar antes da convivência de fato. Se a familiaridade com o tema já existe, a literatura infantil vem para enriquecer e aprofundar essa relação.

Pessoas com deficiência em casa ou no círculo familiar extenso facilitam o diálogo, a intimidade e a experiência com uma nova maneira de estar no mundo. 

Se essa presença próxima não existe, cedo ou tarde vai aparecer na escola, em um elevador, na rua, no parque etc.

Criança é curiosa e faz perguntas simples, diretas. Quem está com ela também pode se preparar para responder e ajudá-la a refletir sobre as infinitas maneiras de viver, e de poder viver bem, mesmo que algumas dificuldades pareçam intransponíveis para quem não as sente.

Selecionei livros sobre deficiências variadas, que evidentemente não esgotam sua diversidade. Teremos a oportunidade de voltar ao assunto no futuro e apenas uma certeza: não faltarão livros para chacoalhar nossas convicções!

As cores do mundo de Lúcia 

Jorge Fernando dos Santos e Denise Nascimento (Editora Paulus, 2010)

Este é um livro sobre todos os sentidos. Os cinco sentidos básicos que conhecemos bem (visão, audição, tato, paladar e olfato), o sexto, que vamos descobrindo ao longo da vida, e o sétimo, que é encontrar o sentido da vida mesmo quando nos falta um sentido entre os básicos.

A garotinha Lúcia não pode enxergar, mas conhece as cores pelo cheiro, pelo tato e pelo som.

As delicadas ilustrações de Denise Nascimento, em que apenas uma personagem aparece de olhos abertos, e o texto de Jorge Fernando dos Santos mostram que há inúmeras maneiras de se perceber o mundo.

A princesa do olhinho preguiçoso

Ricardo Ishmael e Heitor Neto (Editora Mojubá, 2020)

Essa história começou com a sobrinha do autor, que foi diagnosticada com ambliopia — quando um dos olhos enxerga menos do que o outro. Por causa disso, a personagem passa a usar um tampão e óculos de grau e é vítima de bullying na escola.

A situação é versátil o suficiente para que crianças com qualquer deficiência visual se identifiquem ou mesmo as que sejam alvos de discriminação, humilhação, chacota, exclusão, ameaças e/ou agressões (verbais ou físicas) sem relação com deficiência física. O livro tem tradução para o inglês e para o espanhol.

Amarílis

Eva Furnari e Cárcamo (Editora Moderna, 2013)

Nas palavras da própria autora, Amarílis, o único livro que ela não ilustrou, é uma história de amor. Luiza e Tiago, seu irmão que não enxerga, inventam um jogo. Ele escolhe um livro qualquer na estante e abre em uma página aleatória. Ela precisa ler para ele e, se encontrar uma imagem, deve descrevê-la sem o uso de recursos visuais.

Ela desenvolve a capacidade de atribuir características de tato e de outros sentidos a coisas que se vêem. Inspirada pelo irmão, torna-se escritora. Ele, graças a ela, pode ver o mundo de uma maneira muito especial. Amarílis é o nome de uma flor que Luiza apresenta ao Tiago.

O livro foi finalista do Prêmio Jabuti em 2014, entrou para o catálogo de Bolonha em 2013 e na lista de Altamente Recomendável da FNLIJ em 2014.  

Tom

André Neves (Editora Projeto, 2012)

Tom é a narração das inquietações e o questionamento de um menino cujo irmão — Tom – tem algum grau de autismo. Nesse livro ilustrado, as imagens de André Neves se sobrepõem e se misturam, usando técnicas de transparência, para entregar ao leitor um sentido que as palavras nem sempre são capazes de traduzir, especialmente quando se trata de tentar decifrar o mundo interno de alguém. 

O livro tem tradução na Espanha, na Dinamarca, nos Emirados Árabes e na Suécia. Recebeu Prêmio Jabuti e FNLIJ de Melhor Ilustração em 2013, além do selo FNLIJ de Altamente Recomendável. Fez parte da lista dos 30 Melhores Livros Infantis da Revista Crescer em 2012.

Menino Baleia

Lulu Lima e Natalia Gregorini (Mil-Caraminholas, 2021)

Este livro traz a história do garotinho Roger, sem dizer em momento algum que ele é autista. As ilustrações refletem características físicas e comportamentais de crianças do espectro, mas também típicas de qualquer outra criança. A relação dele com as outras crianças do livro reforça o objetivo de compreensão e de inclusão. 

E a poesia está por toda parte da linda metáfora com a baleia, por meio de sua imensidão e profundidade, assim como por meio do espaço em que habita. A obra proporciona um oceano de leituras, cheios de boas ondas para conversas ricas e desafiadoras com os pequenos.

As aventuras de um cão chamado Petit

Heloísa Prieto e Maria Eugênia (FTD, 2021)

Petit é adotado pela família de Olivia quando nasce sua irmã Alice, como uma vacina anti-ciúme. Alice, conforme vai crescendo, prefere ficar no seu mundo e com Petit. Balança o corpo para a frente e para trás e, às vezes, troca os amigos pela… parede. 

A família percebe que ela é diferente das outras crianças e se une para ajudá-la a superar suas dificuldades, sempre com o grande Petit ao lado. A narrativa é permeada por questões de identidade, relacionamento, diferenças, inclusão e respeito. 

Ilustrações delicadas contribuem para transmitir o afeto familiar encontrado em todas as páginas dessa obra.

Serei Sereia

Kely de Castro e Amanda de Azevedo (Editora Kapulana, 2016)

Inaê é uma criança que não pode andar. E o livro, um exercício de empatia. Segundo sua mãe, ela era uma sereia antes de nascer. E agora, a garota, em razão de sua limitação física, atravessa ondas de sentimentos variados e contraditórios, como a alegria e a tristeza, a tranquilidade e o conflito. 

Com o apoio da mãe, decide provar para outras crianças que é capaz de fazer qualquer coisa, até participar de uma corrida com sua cadeira de rodas. O texto e as ilustrações vêm acompanhados da foto de uma intérprete de libras, tornando o livro mais acessível.

Alguém muito especial

Miriam Portela e Odilon Moraes (Editora Moderna, 2017)

A vontade de ter um irmão era tanta, que quando Tico começou a tentar brincar com China, logo se decepcionou. Percebeu na hora que o pequeno não interagia com ele conforme suas expectativas. Precisou de amor e também de criatividade para encontrar uma linguagem muito particular para se envolver com seu tão sonhado irmão.

Yunis

Amal Nasser e Anita Barghigiani (Editora Tabla, 2021)

Yunis encontrou uma maneira doce e deliciosa de se conectar com as crianças do seu vilarejo: distribuir sobremesas elaboradas por ele, durante a noite, sem revelar sua autoria. 

Foi assim que o garoto com Síndrome de Down e que adorava cozinhar, fez amigos e mostrou a eles que suas diferenças podem se transformar numa boa receita. 

A Editora Tabla é focada em literatura do Oriente Médio e do norte da África. As ilustrações dão um show à parte.

Por que Heloísa?

Cristiana Soares e Ivan Zigg (Companhia das Letrinhas, 2007)

Baseado numa história real, o livro conta como é o dia a dia de uma menina com paralisia cerebral, que procura enfrentar as adversidades cotidianas com bom humor e entusiasmo. 

Propõe aos leitores a discussão sobre como é ser diferente e igual ao mesmo tempo. Leva à reflexão sobre ações individuais e coletivas para deixar o mundo melhor para todos. Faz também pensar sobre o que é necessário para ser feliz. Dá para ser alegre na falta de características físicas consideradas essenciais?

Daniel no mundo do silêncio

Walker Carrasco e Ana Matsukaki (Editora Moderna, 2019)

Nesta obra, a discussão parte da deficiência auditiva do menino Daniel para analisar o comportamento das crianças da classe quando ele passa a frequentar uma escola comum. Os incômodos, o ciúme e os constrangimentos logo vêm à tona. Portas escancaradas para o bullying. 

Apenas a partir desses sentimentos, individuais e/ou do grupo, a inclusão pode acontecer de forma verdadeira. São o verdadeiro gatilho para bons debates em sala de aula e em casa, permitindo que todos repensem o que mais podem fazer para a participação de todos e pela igualdade de direitos.

Nosso corpo é demais

Tyler Feder (Editora Melhoramentos, 2022)

Esse livro é um tributo ao corpo, tenha ele todos os seus membros ou não, seja ele da cor que for, do tamanho e formato que for, da cor que tiver e em qualquer condição. Um verdadeiro hino à beleza, à saúde e à perfeição de todos os corpos, observados sempre por meio de lentes muito positivas. Outro caso de ilustrações que falam por si, nas quais é impossível não se encontrar.

(Crédito da ilustração: Tom, de André Neves/Divulgação)