ESG: precisamos parar de culpar a vítima

Na mesma velocidade que ganha adeptos, o ESG tem conquistado críticos ou até mesmo antagonistas. Mas eles normalmente estão julgando o todo por uma pequena parte

ESG: precisamos parar de culpar a vítima
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Uma mulher é assediada no metrô de São Paulo a caminho do seu trabalho. “Quem mandou andar toda arrumada e maquiada no transporte público?” Um turista estrangeiro tem seu celular roubado na orla de Copacabana. “Quem mandou tirar selfie com celular caro na rua?”

Culpar a vítima é um viés cognitivo dos seres humanos, que normalizam ações criminosas ou antiéticas de outros seres humanos quando há um suposto comportamento imprudente da vítima. Na sua manifestação extrema, podemos culpar vítimas até mesmo por sua condição biológica (ex. ser mulher, ser negro), sem qualquer conexão com seu comportamento. 

O fenômeno tem acontecido de maneira análoga com o conceito ESG, que é amplo e difuso, e na mesma velocidade que ganha adeptos, tem conquistado críticos ou até mesmo antagonistas.

Quando Elon Musk tem sua Tesla removida de um índice ESG da Standard & Poors, que mantém a petroleira Exxon no mesmo, lá vem o tweet dizendo que “ESG é uma farsa” (“ESG is a scam“). Ele culpa a vítima, o conceito ou movimento ESG, quando a discussão é sobre Ratings ESG.

Estes deveriam medir o impacto positivo da empresa no mundo, ou mensurar se a empresa gerencia de maneira adequada seus riscos ESG? Os ratings devem dar mais peso ao impacto dos produtos e serviços da empresa ou ao ESG em suas operações e conduta? Índices ESG deveriam excluir setores de alto impacto climático ou selecionar apenas as “melhores” empresas de qualquer setor?

São todas discussões muito válidas, mas Elon, por favor não julgue o todo por uma pequena parte.

Quando o guru do valuation, Aswath Damodaran, diz que “o ESG só tem servido para vender produtos de avaliação e consultoria” e que o investidor “não tem retorno” usando ESG no portfólio, ele toma a parte pelo todo.

Nem todo investidor busca ganhar mais dinheiro com ESG do que ganharia com investimentos sem essa lente. A incorporação do ESG ao processo de investimento pode ter motivação de alinhamento com valores pessoais, com dever fiduciário, com mitigação de risco.

A crítica segue válida a fundos e índices ESG que prometem melhores retornos. Ou aos fundos que usam ESG para melhorar sua análise fundamentalista, de risco e retorno dos ativos (abordagem conhecida como “Integração ESG”), mas se vendem como fundos de impacto positivo (“invista conosco e contribua para um mundo melhor”).

Damodaran, siga criticando quem se apropria do conceito ESG para vender algo que não pode entregar.  

Até mesmo no ecossistema da sustentabilidade raiz (ao qual este colunista acredita pertencer), temos cada vez mais vozes reclamando que “o ESG está fazendo com que as empresas priorizem a agenda da sustentabilidade preconizada pelos investidores”.

Ué, nós não passamos os últimos 5, 10, 15, 20 anos em eventos, encontros, artigos, papers sonhando com o dia que o investidor daria alguma importância à sustentabilidade, que o tema fosse agenda de CEO, CFO e conselho e não só do marketing, do RH, da área de meio ambiente?

Então, parceiros de jornada, o sonho virou realidade, é a adoção do ESG como conceito e movimento que está abrindo janela de oportunidade para mudarmos as empresas e o capitalismo. 

Aproveitemos. Mantendo o olhar crítico, a guarda alta, a base científica, promovendo a melhoria contínua de partes do ecossistema, denunciando comportamentos oportunistas e o greenwash.

E tampouco sejamos ingênuos: ESG, em todas as suas abordagens, é parte da equação para um planeta e sociedade sustentáveis, mas também precisamos de políticas públicas, regulação, consumo consciente, filantropia, sociedade civil.

Precisamos parar de culpar a vítima. E por favor, não matem o mensageiro!