Carne de laboratório é aprovada nos EUA e se aproxima do mercado

Produto da startup Upside Foods recebeu luz verde da Anvisa americana, mas ainda precisa passar por mais etapas para chegar às gôndolas

Imagem de frango feito por produção em laboratório, ao lado de aspargos e cebolas roxas
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A carne cultivada em laboratório já é uma realidade. Agora, está mais próxima de chegar às gôndolas nos Estados Unidos, onde a carne de frango produzida a partir de células animais pela startup Upside Foods foi considerada segura para consumo humano. 

A aprovação, conquistada nesta quinta-feira, é a primeira de seu tipo a ser fornecida pela Administração de Alimentos e Medicamentos (FDA, a Anvisa americana).

“O mundo está vivendo uma revolução de alimentos e a FDA está comprometida em apoiar a inovação nesta oferta”, escreveu o comissário de alimentos e medicamentos da agência, Robert Califf, em carta aberta. 

Para ser comercializada, porém, tanto a empresa quanto a carne cultivada terão de passar por outras etapas de inspeção pela FDA e o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA). 

“É um quebra-cabeça de processos”, diz o vice-presidente de políticas públicas do Good Food Institute (GFI) no Brasil, Alexandre Cabral.

Ainda é difícil estimar quando a carne feita a partir de multiplicação celular estará disponível para compra.  Questões de escala,  amadurecimento e custo ainda devem levar tempo. Mesmo assim, a aprovação é “um sinal verde de que o monstro não é um monstro”. 

Na dianteira, em Singapura, a carne feita em laboratório ficou disponível para consumo em meados de 2020, com a Eat Just. 

Para além da ficção científica

Uma única célula de frango pode produzir a mesma quantidade de carne que centenas de aves na criação tradicional, usando 77% menos água e 62% menos terra, de acordo com a Upside Foods. 

Tudo começa com uma amostra de células primárias de galinha ou ovo fertilizado. A partir daí, as de mais alta qualidade são selecionadas, nutridas e cultivadas em condições ideais de temperatura e oxigênio. Cerca de três semanas depois, o tecido está pronto para colheita. 

Antes chamada de Memphis Meats, a Upside Foods — que também desenvolve carne bovina e de porco — já recebeu investimentos de gigantes desde sua criação em 2015, como Bill Gates e a produtora de alimentos Cargill. 

Ao todo, a startup já levantou mais de US$ 600 milhões, dos quais US$ 400 milhões numa rodada em abril deste ano. 

“As pessoas diziam que era ficção científica”, disse o co-fundador da startup e membro do conselho consultivo da GFI, Uma Valeti à NPR. “Isso é real”. 

A ideia de cultivar carne surgiu enquanto Valeti, cardiologista, trabalhava criando células de coração humano em laboratório e percebeu que seria possível produzir carne de forma parecida. 

Cabral descreve que as carnes são fabricadas em biorreatores, “brilhantes e silenciosos”, em uma produção parecida com a de cervejas.

“Estamos diante de uma disrupção tecnológica bastante radical. Na tecnologia de inovação, aparecem desafios no campo regulatório e aos incumbentes, que fazem parte deste cenário”, afirma.

As possibilidades no cultivo das carnes são variadas. Seria possível inserir Ômega 3, presente em peixes, na carne bovina ou produzir frangos sem gorduras, exemplifica. 

“Mas você precisa garantir que é seguro. Existe uma máxima no setor de alimentos: se não é seguro, não é alimento”, frisa Cabral. 

Se aprovada, a carne da Upside deve encontrar concorrência. Na liderança global, os Estados Unidos contavam com 26 empresas dedicadas ao setor em 2021. Ao todo, eram 106 no mundo, incluindo uma no Brasil, mostra levantamento do GFI. 

E o Brasil?

Assim como o resto do mundo, empresas brasileiras ainda engatinham no setor. A JBS anunciou, ao fim do ano passado, o investimento de US$ 100 milhões na carne gerada por multiplicação celular. Já a concorrente BRF fechou parceria com a foodtech israelense Aleph Farms. 

Única a aparecer no monitoramento do GFI, no mundo das startups, destaca-se a Ambi Real Food, uma startup ainda na fase de pesquisas lançada por pesquisadoras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul lançada também em 2021. No Rio de Janeiro, a Sustineri Piscis está desenvolvendo uma carne de peixe em laboratório.

Segundo Cabral, o GFI tem mantido contato com a Anvisa e sugerido que a regulação ande em linha com a de outras instituições globais, possibilitando que o produto seja colocado em demais partes do mundo. 

“Temos dito à Anvisa, que tem nos ouvido muito bem, que o caminho é abrir as portas, convidar as empresas a mostrar como é o processo, avaliar se é seguro, sugerir pontos de controles e, então, saber como inspecionar”. 

Para o especialista, o diferencial competitivo do Brasil é a capacidade de logística de distribuição refrigerada, que permite o deslocamento das carnes independentemente de sua forma de produção.