Câmara aprova crédito de carbono em concessões florestais. Vai sair do papel?

Interesse é maior por parte dos Estados e ainda não há clareza da postura do governo federal sobre o tema

Câmara aprova crédito de carbono em concessões florestais. Vai sair do papel?
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 A Câmara dos Deputados aprovou no fim da semana passada uma medida provisória editada no apagar das luzes do governo Jair Bolsonaro que autoriza a comercialização de créditos de carbono de conservação em áreas de concessões florestais. 

A MP teve o apoio do PT, que trabalhou pela votação — num primeiro indicativo favorável do partido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em direção ao avanço do mercado voluntário no Brasil.

O texto, que depende da aprovação do Senado para ser convertido em lei, tem potencial para ampliar a escala da geração de créditos de CO2 no país e era uma demanda de longa data das desenvolvedoras de projetos no país. 

Com o caos fundiário que assola a Amazônia, um dos principais entraves para conduzir projetos de carbono florestal é garantir a titularidade da terra — especialmente nos projetos conhecidos como REDD+, de desmatamento evitado, que hoje só se justificam economicamente em grandes áreas, que muitas vezes envolvem vários proprietários. 

Ainda que as unidades de conservação não estejam completamente livres da questão de titularidade, as florestas públicas sofrem menos desse problema e abrangem amplas extensões de terra. 

“Todos os players que mexem com crédito de carbono florestal vão ter interesse nas concessões se elas forem bem modeladas”, afirma Felipe Bittencourt, CEO e fundador da consultoria de sustentabilidade WayCarbon, que foi adquirida pelo banco Santander em 2022, incluindo a empresa entre as potenciais interessadas. 

Uma lei costurada por Marina Silva e equipe em seu primeiro mandato no Ministério do Meio Ambiente já autoriza a concessão de florestas públicas desde 2006, mas tinha como principal fonte de receita das áreas de florestas concedidas apenas o manejo sustentável de madeira.

O modelo se mostrou repleto de desafios e acabou não ganhando tração, já que muitas vezes, sozinho, o manejo não gera receita suficiente para atrair a iniciativa privada.

Na época em que foi promulgada a lei, estimava-se conceder dezenas de milhões de hectares. Até hoje, esse número não passou de 1 milhão de hectares. 

Um estudo feito pelo Instituto Escolhas em 2021 mostra que, se a comercialização de créditos de carbono fosse permitida, poderia gerar R$ 125 milhões de receita por ano em 37 áreas de concessão florestal na Amazônia. 

O levantamento considerou um valor conservador para o crédito de carbono, de US$ 4,3 por tonelada. Hoje, bons projetos, que comprovem cobenefícios, como de proteção de biodiversidade e sociais, chegam a ser negociados na casa dos US$ 10.

O texto da MP se baseia em grande parte em um projeto de lei de 2020 de autoria do então deputado federal Rodrigo Agostinho (PSB/SP), hoje presidente do Ibama, que visava aumentar a atratividade das concessões. 

Próximos passos

Na gestão de Gustavo Montezano, que terminou em dezembro, o BNDES já vinha  estudando modelos de licitação de florestas públicas com foco em carbono e serviços ambientais — e a expectativa era ter três projetos piloto para este ano. 

Se o texto passar pelo Senado (o que, a ver pelo desempenho da Câmara, parece bastante provável), a principal questão é se o governo federal vai querer colocá-los na rua. 

“A agenda está mais avançada nos Estados”, afirma uma fonte próxima ao banco de fomento. 

O Amazonas já tem projetos sendo estruturados junto ao banco de fomento, a princípio com base no que previa a lei original de 2006. Mas o escopo pode ser alterado à luz da nova legislação, se ela for aprovada.  

A MP prevê que as concessões já vigentes possam ser renegociadas para incluir as novas fontes de receita. Pará e Amapá também são Estados com interesse nas concessões florestais, apurou o Reset

Em âmbito federal, ainda é pouco claro o quanto o governo quer apostar nos créditos de carbono do mercado voluntário — aqueles gerados para atender o interesse das empresas para cumprir suas metas de descarbonização. 

Membros do Ministério do Meio Ambiente têm sinalizado amplo apoio a um mercado regulado, em que o governo impõe tetos de emissões para empresas de setores mais poluentes. 

Um aceno à agenda de concessões florestais com base em carbono veio na semana passada, em uma entrevista concedida ao Valor pelo secretário-executivo do MMA, João Paulo Capobianco, que enfatizou a necessidade de “encerrar a era do uso da terra e iniciar a do uso da floresta”. 

Ele, que participou da elaboração da lei de 2006, falou a favor da agenda de concessões visando a geração de créditos de reflorestamento, mas não citou projetos de conservação. 

Críticas…

Uma das principais críticas à Medida Provisória foi a falta de diálogo com a sociedade e as comunidades envolvidas, especialmente na própria Amazônia. 

“O sistema de concessão florestal tem uma importância muito grande na economia da floresta em pé da Amazônia. Entre 2005 e 2006 foi feito um grande mutirão de discussão sobre isso”, afirma Tarcisio Feitosa, consultor e ativista ambiental paraense.

“Infelizmente durante a fase de discussão [da mudança na lei via MP] estávamos vivendo um momento muito delicado no Brasil, no qual o governo não dava condições para a sociedade discutir amplamente este tema.”

Em uma carta aberta, 57 entidades e movimentos sociais afirmaram ser contra o avanço da matéria. Representantes de PDT, Rede e PSOL foram contra a aprovação da MP.

Entre as críticas, está também a falta de um marco regulatório para o setor de carbono no Brasil e o incentivo dado pelos offsets ao “direito de poluir” – em alusão ao fato de que as empresas compradoras podem optar por compensar emissões em vez de reduzi-las de fato. 

… e desafios

No ecossistema de desenvolvedores de projetos de carbono há também um certo ceticismo em relação ao quanto a lei poderia alavancar de fato a geração de créditos. 

“A MP, se convertida em lei, é um primeiro passo importante e na direção correta, mas há muitas incertezas”, aponta um consultor que já atuou no desenvolvimento de diversos projetos de REDD+. 

Primeiro, porque o setor está passando por uma certa ressaca, com forte escrutínio dos compradores após escândalos envolvendo projetos em diferentes partes do mundo. Segundo porque há dúvidas de como vão caminhar as metodologias previstas pelas principais certificadoras, como a Verra. 

“Com tantas questões, como você modela isso numa concessão, tanto do ponto de vista do concedente quanto do potencial concessionário?”, questiona o mesmo interlocutor. “Fazer tudo isso parar de pé é bem pouco trivial.”

Além de permitir a comercialização de créditos de carbono, o texto aprovado no Congresso prevê ainda a possibilidade de comercialização de produtos não madeireiros, de forma sustentável, o que abre espaço para produtos da bioeconomia.

Ele considera ainda a comercialização de outros serviços ambientais, como de proteção à biodiversidade e manutenção dos cursos de água.

Menos ‘pops’ que os offsets de gases de efeito estufa, outros pagamentos por serviços ambientais (PSA) vêm ganhando alguma tração e já estão previstos por uma lei editada no começo de 2021. 

Outra mudança na MP diz respeito à alocação dos recursos do Fundo Clima. Antes, o BNDES podia repassá-los apenas para bancos públicos. Agora, os recursos, que contam com taxas subsidiadas para projetos de adaptação e mitigação climática, também poderão ir para bancos privados e fintechs.