BNDES vai investir R$ 250 milhões em ‘impacto late stage’

Banco coloca recursos na gestora Lightrock, que se concentra em startups que já provaram sua viabilidade e querem ganhar musculatura

BNDES vai investir R$ 250 milhões em ‘impacto late stage’
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O BNDES vai investir R$ 250 milhões no fundo de impacto Lightrock Growth Equity, dando continuidade à migração do seu portfólio de risco de ações de empresas listadas em bolsa para outros tipos de ativos.

A Lightrock é uma gestora internacional que está no Brasil há cinco anos. Tem 16 sócios, inclusive alguns brasileiros, que detêm 70% do capital, e o restante está nas mãos do grupo LGT, que tem US$ 300 bilhões em ativos na Europa.

O que diferencia a Lightrock de outras casas é que ela faz o que se pode chamar de ‘impacto late stage’. 

Seu foco está em empresas em estágio mais avançado de desenvolvimento do que aquelas na mira das demais gestoras de venture capital de impacto que atuam no país. “A gente não toma o risco do produto, mas sim o da execução”, afirma Marcos Wilson Pereira, sócio-diretor e responsável pela Lightrock na América Latina.

O tíquete dos investimentos nas empresas, portanto, também costuma ser mais alto, entre R$ 100 milhões e R$ 250 milhões.

Durante muito tempo, afirma Pereira, as startups brasileiras não tinham dificuldade para levantar recursos e se concentrar no crescimento – até atingirem um certo tamanho.

O problema aparecia na hora de buscar rodadas com aportes maiores, as chamadas séries D e E. Na falta de fundos especialistas nessa fase de crescimento, também conhecidos como fundos de growth equity, vinha a “obrigação” do lucro para manter o negócio em pé.

Isso era verdade para negócios de impacto ou não. Havia dois resultados possíveis, diz Pereira: “ou elas paravam de crescer antes da hora ou eram vendidas.”

A expectativa da Lightrock é fazer entre seis e oito investimentos em startups brasileiras, com uma permanência média de quatro a cinco anos em cada companhia.

O fundo que vai receber o aporte do BNDES é o segundo a fazer investimentos no Brasil. O capital do banco estatal vai representar um quarto da captação total do fundo, cujo fechamento deve ser concluído nas próximas semanas 

Mesmo antes do encerramento da captação, esse fundo já investiu em duas companhias brasileiras, a Buser, de fretamento coletivo de ônibus, e a fintech de crédito Creditas. Os aportes foram de cerca de R$ 150 milhões em cada uma.

O primeiro fundo da LighRock investiu em companhias como as brasileiras Dr. Consulta e Frete.com e a mexicana Konfio.

Guinada estratégica

Em 2019, o BNDES tinha cerca de R$ 125 bilhões investidos em papéis de empresas listadas em bolsa. Hoje, esse total foi reduzido para cerca de R$ 78 bi, diz Bruno Laskowsky, diretor de participações, mercado de capitais e crédito indireto do BNDES. 

Segundo ele, trata-se de uma questão estratégica.

“Por que ficar sujeito a todos os cisnes negros possíveis mantendo posição [em ações] sendo que nosso capital é muito mais bem empregado do ponto de vista do KPI do desenvolvimento em fundos de impacto, fundos de infraestrutura, fundos de crédito privado?”

O BNDES já colocava dinheiro em fundos com “viés de impacto”, mas a seleção da Lightrock fez parte de um movimento mais deliberado: uma chamada com o objetivo específico de direcionar recursos para companhias de impacto socioambiental.

Além dos R$ 250 milhões entregues à Lightrock, outros R$ 200 milhões serão divididos entre dois fundos menores (das gestoras Vox Capital e Mirova), que estão em fase final de análise.

“Queremos mais gestores, mais capacitação, mais ferramental de acompanhamento das métricas de impacto”, afirma Laskowsky.

“No mundo, são cerca de US$ 800 bilhões destinados a esse tipo de investimento, e no Brasil temos US$ 600 milhões. É menos de 1%.” Mesmo assim, ele diz ter “gostado muito” das 14 inscrições recebidas.

Impacto sobre rodas

Marcos Wilson Pereira descreve as empresas que interessam ao fundo com uma aliteração: pessoas, planeta e produtividade. O primeiro “P” engloba saúde e educação; o segundo, energia renovável, água, saneamento e eficiência energética; e o terceiro, uso da tecnologia digital.

No caso da Buser, o objetivo é melhorar a qualidade do transporte rodoviário, muito importante no país e “dominado por quatro ou cinco monopólios regionais e familiares, com margens [de lucro] altíssimas e que oferecem um serviço da pior qualidade possível”, diz o gestor.

Segundo uma pesquisa do CheckMyBus, um site que pesquisa as tarifas de ônibus, o impacto da Buser e de outras startups do segmento já é claro.

O preço das passagens entre São Paulo e Belo Horizonte, por exemplo caíram em média 61% entre 2019 e 2021. Entre São Paulo e Brasília, a redução foi de R$ 38%.

São informações como essa que, segundo Pereira, ajudam a comprovar o impacto positivo da Buser. Ele afirma que cada uma das startups que recebem aportes têm um “book de impacto”, revisado a cada três meses.