BNDES libera R$ 90 milhões para blended finance; conheça os selecionados

Em esquema em que R$ 1 alavanca pelo menos outros R$ 3, banco absorverá parte do risco de projetos socioambientais para abrir espaço para investidores comerciais

BNDES libera R$ 90 milhões para blended finance; conheça os selecionados
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Atualizada em 11.ago.2023*

Certificados de recebíveis para dar crédito a pequenos produtores de cacau e para a reforma e construção de moradias de baixa renda, e um fundo de direitos creditórios para financiar pequenos negócios de impacto e economia circular. 

Em comum, instrumentos financeiros que tradicionalmente têm dificuldade de se viabilizar no mercado, mas que ganham uma nova perspectiva de escala com a entrada de capital filantrópico para absorver parte do risco e alavancar dinheiro de investidores que buscam retorno comercial.  

Os projetos foram os primeiros colocados em cada uma de suas categorias na primeira chamada pública feita pelo BNDES para o chamado blended finance, uma tendência das finanças sustentáveis mais usual entre investidores e filantropos estrangeiros, mas que ainda engatinha do Brasil. 

O resultado foi divulgado em primeira mão para o Reset

“Nas nossas interações com o mercado, em especial no Laboratório de Inovação Financeira da CVM, percebemos que tem uma grande demanda por instrumentos desse tipo, mas é um ecossistema que ainda está se organizando”, afirma Bruno Aranha, diretor de crédito produtivo e socioambiental do BNDES. “Tinha um grande potencial do banco atuar como fomentador desse processo.”

Nesta primeira rodada, o banco alocou R$ 90 milhões a serem aportados na forma do chamado capital ‘concessional’, que topa entrar a fundo perdido, em três temáticas: bioeconomia florestal, desenvolvimento urbano e economia circular. 

A proposta é que, para cada real do banco, os projetos se comprometessem a alavancar pelo menos outros R$ 3 com investidores. 

Na categoria de bioeconomia, o primeiro do ranking foi um certificado de recebíveis do agronegócio (CRA) da Taboa, em parceria com a Gaia e o Instituto Arapyaú, do empresário Guilherme Leal, para dar acesso a crédito e assistência técnica à produção de cacau sustentável. A ideia é ampliar o instrumento, que já foi testado na forma de um piloto, na Bahia também para produtores no Pará. 

O pleito para o BNDES foi de R$ 4 milhões, para financiar as eventuais primeiras perdas e dar assistência técnica aos beneficiados, o que permitiria alavancar mais R$ 13,5 milhões. 

Em desenvolvimento urbano, um projeto da Blendlab – fundado pela Din4mo – e da Gaia Securitizadora para reforma e construção de moradias populares em grandes centros urbanos foi o primeiro colocado. 

Com uma estrutura que combina certificados de recebíveis imobiliários, debêntures e um fundo garantidor, o projeto demanda R$ 18 milhões em capital filantrópico do BNDES em garantias e cotas subordinadas (as primeiras a serem acionadas em caso de inadimplência), o que permitiria trazer outros R$ 76,9 milhões. 

Já em economia circular, um fundo de direitos creditórios (FIDC) da Artemísia em parceria com a securitizadora Vert quer financiar negócios ainda em estágio inicial de economia circular. Para R$ 30 milhões de capital do filantrópico do banco, os proponentes querem trazer mais R$ 90 milhões. 

Demanda em alta 

A quantidade de projetos recebidos foi alta e mostra que há uma demanda forte, afirma Aranha, do BNDES. Na primeira etapa, foram cadastrados 50 projetos, que demandavam ao todo R$ 900 milhões do banco. 

“Esta deve ser a primeira edição do que pode ser um produto recorrente do banco, com chamadas anuais”, afirma o diretor. “Entendemos que esse é o nosso papel, de suprir lacunas de mercado para trazer o capital privado para a mesa.”

No que classificou como um processo de inovação aberta, passaram pelo crivo do banco na última etapa onze projetos: quatro em bioeconomia florestal, quatro em desenvolvimento urbano e três em economia circular. 

No total, os esses projetos demandam mais dinheiro do que o banco tem disponível neste primeiro momento: R$ 246 milhões em capital do BNDES. Pelas propostas apresentadas, os instrumentos demandariam mais R$ 268 milhões em capital concessional adicional, a ser captado com outros doadores, e R$ 725 milhões em capital ‘comercial’, o que somaria ao todo R$ 1,24 bilhão. 


Em outras palavras: se implementados na totalidade, na média, alavancariam o capital do banco em cinco vezes. 

Dividindo o bolo 

Eles foram classificados num ranking por categoria, e o capital do banco será alocado de acordo com essa ordem de prioridade.

No caso de bioeconomia florestal, por exemplo, como a Taboa demandou “apenas” R$ 4 milhões, há espaço para contemplar também um FIDC da gestora JGP que quer financiar práticas agroflorestais e projetos de restauração produtiva. O pleito ao BNDES foi de R$ 20 milhões. 

“Vamos conversar com os classificados. Podemos espalhar esse capital concessional nosso entre mais ou menos propostas e essas propostas podem ir a mercado buscar recursos [filantrópicos] de terceiros”, afirma Aranha. 

Segundo ele, a ideia é atuar como num esquema de aceleração, ajudando também esses projetos a captar outros recursos a partir da rede do banco.  

No balanço, Aranha afirma que surpreendeu a multiplicidade de atores que apresentaram propostas – que vão desde gestoras comerciais, como é o caso da JGP e da KPTL, de venture capital, até figuras do mundo filantrópico, como a Gerando Falcões, passando por aceleradoras, grandes empresas (como a Natura) e family offices. 

Os instrumentos financeiros foram muito variados. “Isso mostra que tem uma pujança de atores já olhando para esse tema com uma criatividade muito grande para fazer as soluções acontecerem”, diz. 

Conheça os selecionados

Em ordem de prioridade dentro de cada categoria

Bioeconomia florestal 

1. Taboa

CRA para ampliar o acesso a crédito e assistência técnica para produção de cacau com técnicas sustentáveis no Pará e na Bahia. Em parceria com Arapyaú, Solidaridad, Humanize, Gaia e WayCarbon. 

2. JGP 

FIDC para apoiar com crédito negócios que visem a expansão de práticas agroflorestais e projetos de restauração produtiva. Em parceria com Nint e WWF. 

3. KPTL 

Capital para avalancar e trazer mais recursos para seu fundo de venture capital que tem como foco negócios que atuam na mudança climática e economia regenerativa, desde o estádio pré-seed. Em parceria com Resultante, Ter, Topos e Imaflora.4.

4. Natura 

CRA para ampliar o apoio a cadeias de fornecedores da Amazônia. Em parceria com Vert, Memorial Chico Mendes, CNS, Sebrae e GIZ.

Desenvolvimento urbano 

1. Blendlab/Gaia

CRI associado a emissão de debêntures para construção e reforma de moradias para baixa renda. Em parceria com o TozziniFreire

2. Gerando Falcões 

Fundo imobiliário para soluções de moradia, melhorias urbanas e geração de renda em favelas. Em parceria com a Axes Gestora. 

3. IRR/Díada Projetos

Fundo imobiliário associado a um CRI para fazer o retrofit de edifícios voltados para moradia de baixa renda.  

4. Renascer/Sitawi

FIDC para regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por populações de baixa renda. Em parceria com FGV, Machado Meyer e Instituto Iguá

Economia circular

1. Artemísia 

FIDC para apoiar negócios de impacto e economia circular. Em parceria com Vert e TozziniFreire. 

2. Trê/Quintessa

Fundo de venture philantropy, para ampliar acesso ao capital de risco para negócios do sistema agroalimentar. Em parceria com Fundação Ellen MacArthur, FGV, Parsifal21 e Mova.

3. FG/A Gestora de Recursos

Levantar recursos para o fundo garantidor do biogás, com o objetivo de garantir financiamento para pequenas e médias empresas. Em parceria com a Abiogás.

* Foram corrigidos os integrantes do projeto de retrofit de edifícios. A parceria vencedora inclui IRR e Díada Projetos, não IFC, Jive e Arco Construtora, como informado erroneamente pelo BNDES à época.