Big Brother do CO2: Ferramenta rastreia emissões de campos de petróleo a fazendas

Climate Trace, iniciativa cofundada por Al Gore, mapeou 72 mil unidades emissoras, em 20 setores, no mundo todo

Big Brother do CO2: Ferramenta rastreia emissões de campos de petróleo a fazendas
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Basta dar um zoom para descobrir exatamente quanto o Aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, lançou de gases de efeito estufa na atmosfera no ano passado. O mesmo para o campo de petróleo de Tupi, na Bacia de Santos. Ou uma rodovia perto de Milão e uma usina de energia em Hong Kong.

Com uso de inteligência artificial, machine learning e compilando dados de mais de 300 satélites e milhares de sensores em terra, ar e mar, a iniciativa Climate Trace lançou na COP27 uma ferramenta que mapeou nada menos que 72 mil unidades emissoras de gases responsáveis pelo aquecimento global, em 20 setores, no mundo todo.

São cidades, siderúrgicas, usinas de energia, estradas, navios, fazendas e muito mais, num verdadeiro Big Brother do CO2 e outros gases.

“Esse nível de granularidade significa que finalmente temos dados de emissões que nos permitem agir de forma decisiva. Isso também significa que podemos priorizar os esforços para alcançar os cortes profundos na poluição por gases de efeito estufa, necessários para evitar os impactos mais catastróficos da crise climática”, disse Al Gore, ex-vice-presidente dos Estados Unidos e membro fundador do Climate Trace, em nota. 

As possibilidades de aplicação são diversas. Empresas podem avaliar onde estão suas maiores fragilidades no processo de descarbonização, especialmente em sua cadeia de valor, investidores podem direcionar fundos de forma mais eficiente e ativistas climáticos podem avaliar onde estão concentrados os maiores riscos e auxiliar comunidades mais vulneráveis, por exemplo.

O Big Brother das emissões revela uma grande concentração de agentes poluentes: no topo do ranking de emissores, apenas 500 fontes, ou menos de 1% de todos os pontos listados, foram responsáveis por 14% das emissões mundiais no ano passado – mais do que o registrado pelos Estados Unidos no período. A China responde por 43,8% ou 219 dos locais mencionados. 

Num recorte dos 50 maiores pontos emissores, 26 são campos de produção e instalações associadas à produção de óleo e gás.

“Sem solucionar este problema, e limpar a matriz de energia, tudo o mais que fizermos para reduzir emissões no planeta será em vão”, disse o Coordenador do Observatório de Bioeconomia da Fundação Getulivo Vargas (FGV) e de Pesquisas do FGV AGRO, Daniel Barcelos Vargas.

O estrago das petroleiras

O mapeamento trouxe ainda um dado desconcertante, num exemplo claro de como a ferramenta pode ser usada para checar dados reportados voluntariamente: as emissões ligadas a petróleo e gás em 2021 foram, na realidade, três vezes maiores do que o reportado pelos países à ONU. 

Instalações de óleo e gás costumam ter vazamento de gás metano, muitas vezes liberado intencionalmente por razões de segurança ou conveniência. O metano é o mais problemático dos gases de efeito estufa. Embora exista na atmosfera numa concentração muito inferior à do dióxido de carbono, seu impacto no aumento da temperatura global é 80 vezes maior que o do CO2.

A chocante sub-notificação de emissões é um grande problema na luta contra a crise climática, disse Al Gore ao The Guardian. “Só podemos gerenciar aquilo que conseguimos medir.” Segundo, ele, existem vulnerabilidades inerentes a um sistema em que os reportes são voluntários.

Brasil e o desafio do agro

Pelos dados da ferramenta, o Brasil ocupou a 12ª posição no ranking global de emissões, com os setores de agricultura (41%), transporte (15%) e resíduos (13%) como os maiores responsáveis. No primeiro, destacam-se a fermentação entérica, plantações de soja e cultivo de arroz.

A plataforma ainda não traz as informações relativas a criação de gado e áreas de desmatamento abertos por unidades emissoras.

“Em uma futura versão do Climate Trace, as emissões de metano serão atribuídas a instalações específicas de criação de gado, como grandes confinamentos”, disse ao Reset o líder de agricultura da Climate Trace e CEO da Carbon Yield, Sam Schiller. A captura desse tipo de informação já foi testada na Argentina e em dois Estados americanos. 

Para trazer endosso científico à ferramenta, a iniciativa quer submeter uma publicação à revisão de pares.