Bayer põe a pegada de carbono da soja na ponta do lápis

Bayer põe a pegada de carbono da soja na ponta do lápis
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MATUPÁ (MT) – Os exportadores já desenvolvem há algum tempo sistemas para comprovar que a soja do Brasil não está associada ao desmatamento.

A Bayer quer dar um passo a mais. A gigante alemã apresentou nesta quinta-feira um programa que atesta a pegada de carbono dos grãos.

Batizada de PRO Carbon Commodities, a iniciativa criou uma metodologia 100% brasileira para fazer a medição dos gases de efeito estufa emitidos do plantio à entrega para a trader.

A conta inclui o impacto climático de insumos usados no campo, o diesel queimado pelo maquinário e o carbono mantido no solo com técnicas de agricultura regenerativa.

O sistema de contabilização de carbono foi desenvolvido em parceria com a Embrapa. Versões semelhantes para milho, algodão e cana estão em desenvolvimento.

“As ferramentas de mensuração que existem foram pensadas para o Hemisfério Norte”, diz Fábio Passos, diretor do negócio de carbono da Bayer na América Latina. “A gente precisava disso para climas tropicais.”

A primeira carga de soja com medição de emissões e garantia de desmatamento zero foi produzida pelo grupo Bom Futuro Agrícola, de Mato Grosso, e será entregue à trader americana ADM.

A legislação europeia que vai proibir a importação de carne e soja produzidos em áreas desmatadas faz parte das políticas climáticas do bloco, mas não existem requerimentos específicos em relação às emissões embutidas nessas commodities.

Ainda assim, afirma Passos, é essencial inserir o agro no mercado de carbono – ainda que as metodologias hoje disponíveis para geração de créditos no setor ainda não tenham ganhado tração.

“As empresas [que compram soja] já têm seus compromissos de redução de emissões. Para chegar lá, uma parte do investimento será em créditos. Estamos oferecendo uma alternativa.”

Em vez de depender de offsets no mercado voluntário, diz Passos, os compradores podem conseguir o mesmo resultado dentro de suas próprias cadeias de fornecimento.

Projeto piloto

A apresentação do programa aconteceu em Matupá, cidade mato-grossense quase na divisa com o Pará.

Uma tenda foi montada num ponto estratégico da Fazenda São José, do grupo Bom Futuro. Pelas paredes de plástico, via-se de um lado um milharal e, do outro, uma área de vegetação nativa.

O local foi escolhido para ilustrar o desafio da agricultura brasileira: produção lado-a-lado da conservação.

O piloto envolveu dez produtores de Mato Grosso, localizados nos biomas Cerrado e Amazônia. O programa incluiu cerca de 64 mil hectares plantados e uma produção de 240 mil toneladas.

Como já é prática dos grandes frigoríficos e traders, as conferências socioambientais são feitas com imagens de satélite e listas públicas de embargos.

A parte mais inovadora está na contabilidade das emissões. Dependendo do grau de sofisticação do produtor, a intensidade de carbono da soja pode chegar ao nível do talhão dentro de cada propriedade.

Máquinas modernas registram quanto diesel queimaram, que distância percorreram e em que pontos da fazenda pulverizaram defensivos.

Essas informações são transmitidas automaticamente para um software que faz a conversão para as emissões de CO2 ou equivalente de outros gases de efeito estufa.

Caso o produtor não tenha esse maquinário, os dados podem ser inseridos manualmente (todos os dados precisam ser comprovados). O programa conta com uma linha de financiamento de US$ 100 milhões da fabricante de equipamentos Fendt em parceria com o Rabobank.

O número resultante é a intensidade de CO2 de cada tonelada de soja. Esse dado é colocado em um blockchain e pode ser conferido pelo comprador do grão, em outro continente.

Atestado internacional

Em algumas bases de dados internacionais, cada tonelada de soja produzida no Brasil pode emitir até 6 toneladas de CO2 em seu ciclo de vida completo.

Mas esses dados não levam em conta “a especificidade dos insumos e principalmente os modelos mais recentes de mudança do uso da terra”, diz Marília Folegatti, líder do projeto na Embrapa Meio Ambiente.

Alimentando a calculadora da Embrapa com dados médios regionais de uso de insumos, por exemplo, a intensidade de carbono por tonelada de soja cai para 1,47 tonelada de CO2.

Em condições ideais – como o uso de dados exatos do uso de insumos por propriedade, a adoção de melhores práticas de cultivo e assim por diante –, a intensidade de carbono apurada no piloto chegou a 660 quilos por tonelada.

“Vamos mostrar para o consumidor lá na Europa, no mundo afora, que também podemos ter um produto rastreável e de baixo carbono”, diz Eraí Scheffer, controlador da Bom Futuro.

Créditos de carbono

A Bayer não revela o investimento no projeto. Sobre os custos para o produtor, Passos afirma que o PRO Carbono será atraente porque o benefício não terá relação com carbono – pelo menos inicialmente.

“Ele vai usar menos insumos, vai cuidar melhor do solo e vai ter mais produtividade”.

Os créditos de carbono a partir dessa metodologia são uma possibilidade, mas ela ainda precisa ser finalizada e submetida a entidades que fazem a certificação. O processo todo deve levar pelo menos um ano.

A Bayer planeja incluir propriedades em Mato Grosso do Sul e Minas Gerais na próxima fase do projeto. A área total a ser abrangida não deve crescer muito – a meta é chegar a até 100 mil hectares.

Como comparação, o país tem cerca de 40 milhões de hectares de plantação de soja.

“É uma transformação muito grande. Mas estamos vendo a movimentação dos governos, na Europa, na China. E agora temos uma solução disponível.”

* O jornalista viajou a convite da Bayer