Assédio e negligência do CEO definiram a venda da Activision para a Microsoft

Sucessão de escândalos não foi reportada ao conselho; empresa é investigada pela SEC e por uma agência da Califórnia

Assédio e negligência do CEO definiram a venda da Activision para a Microsoft
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Uma sucessão de escândalos de assédio sexual e negligência do alto escalão da Activision, com graves falhas de governança, podem ter sido fatores decisivos para a a venda da produtora de games para a Microsoft, um negócio de US$ 75 bilhões anunciado ontem.

A companhia é alvo de um processo movido por uma agência reguladora da Califórnia por um suposto ambiente de trabalho tóxico. O fundador e CEO da Activision, Bobby Kotick, sabia do problema, mas não relatou a gravidade das acusações para o conselho de administração.

Quando o assunto começou a ganhar destaque – e o preço da ação começou a cair por causa das denúncias –, a Microsoft deu o bote, diz uma reportagem do Wall Street Journal.

Se aprovada pelas autoridades de defesa da concorrência, a aquisição será a maior da história da Microsoft e vai consolidar sua posição de liderança no mundo dos games.

A companhia já havia tentado comprar a Activision no passado, mas foi a revelação do ambiente tóxico que dobrou Kotick, diz o jornal. A expectativa é que ele deixe o comando da produtora quando a venda for finalizada.

Ambiente tóxico

Depois do anúncio da investigação das autoridades californianas, a Activision instituiu uma comissão para apurar denúncias de assédio sexual e outros problemas de conduta.

Foram relatados cerca de 700 casos, que levaram à demissão de 37 funcionários. Outros 44 foram advertidos, diz o WSJ.

Em novembro do ano passado, o jornal afirmou que Kotick sabia havia muitos anos de casos de assédio e de pelo menos um estupro de uma funcionária por um superior.

Ela entrou em contato com o RH da companhia e com outros superiores, mas nada foi feito. Meses mais tarde, a empresa ofereceu um acordo extrajudicial para a funcionária.

A Activision também é investigada pela SEC (o órgão regulador do mercado de capitais americano) por suas políticas internas para apuração e divulgação de casos de má-conduta.

A empresa tornou-se símbolo de um problema conhecido há muito tempo: a cultura dos ‘manos’ nas empresas que produzem videogames.

Mulheres, minoria num tipo de negócio dominado por programadores, são sujeitas a diversas formas de abuso e recebem salários menores que os dos colegas homens.

O sexismo não se restringe aos profissionais que desenvolvem os games – é algo que chega também aos usuários dos produtos.  

Em 2014, a desenvolvedora independente Zoë Quinn foi alvo de uma campanha online movida por jogadores que incluiu a divulgação de seu endereço e ameaças de morte e de violência sexual.

O escândalo, conhecido como “Gamergate”, vitimou outras mulheres da indústria. Condenando o que consideravam a crescente influência do “feminismo” na cultura dos games, a campanha de assédio online trouxe à tona o problema da misoginia no mundo dos jogos eletrônicos.

E esse não é o único problema do ambiente de trabalho dos estúdios que criam os jogos.

Durante as fases finais do desenvolvimento – conhecida como ‘crunch’, algo como ‘a hora do vamos ver’ –, muitos funcionários têm de trabalhar entre 80 e 100 horas por semana.

O problema é que esse ‘crunch’ pode durar semanas ou meses. Uma pesquisa realizada em 2019 por uma associação de programadores indicou que, no ano anterior, 40% deles tinham passado por essa pressão adicional.

No microscópio

A Microsoft, que já é dona de estúdios produtores de games, avaliou as acusações que pesam contra a Activision e as mudanças realizadas pela companhia, segundo o Wall Street Journal.

A pioneira da computação pessoal também está lidando com a pressão de seus acionistas por falhas na gestão de casos de assédio.  

No final do ano passado, eles aprovaram em assembleia a investigação e publicação de um levantamento sobre as políticas e processos para lidar com assédio sexual.

Em 2020, Bill Gates deixou o conselho da empresa que fundou em meio a acusações de que teve um caso extraconjugal com uma funcionária da Microsoft.