As lições da Malwee para levar o ESG à moda

Guilherme Weege, CEO da Malwee, que se tornou referência no setor da moda em uso de materiais e processos sustentáveis
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O CEO do grupo de moda Malwee, Guilherme Weege, se lembra do tempo em que o rio que passa atrás da fábrica em Jaraguá do Sul (SC) se tingia de rosa, marrom ou até mesmo preto, dependendo da cor trabalhada na estamparia no momento.

Hoje em dia, o rio tem cor de rio. Desde 2014 a empresa reduziu em 36% o consumo total de água empregada na produção e também o que capta de fontes fluviais, tanto na matriz catarinense quanto na fábrica do Ceará – graças, principalmente, a um moderno sistema de tratamento de efluentes que permite o reúso. Ainda assim, os rios respondem por quase 80% de toda a água consumida pelo grupo, o que mostra que ainda há muito a fazer.

A história da Malwee ilustra os desafios para reduzir o impacto ambiental do setor da moda e também melhorar seu desempenho social. Os avanços são grandes, mas a jornada está longe de ser concluída, principalmente em tudo que diz respeito à cadeia de fornecimento.

A indústria da moda é uma das mais poluentes do mundo –, característica agravada pelo consumismo exacerbado e pela explosão do fast fashion desde os anos 90. Os números, que chocam os desavisados, Weege recita de cor.

“O setor de vestuário é o segundo mais poluente do mundo. Quem vai pensar nisso? Responde por 8 a 10% das emissões globais de CO2, dependendo da fonte, e por 20% da poluição industrial de águas de rios.  23% do consumo global de químicos em geral é feito pelo nosso setor e 5,2% de tudo que se deposita em aterros sanitários são roupas”, diz ele. 

E não é só no ‘E’ que os problemas se enfileiram. O setor tem um histórico bastante negativo relacionado às condições precárias de trabalho na cadeia de fornecimento.

Weege diz que, quando assumiu a Malwee, há 14 anos, encontrou uma empresa comprometida com a durabilidade das roupas e com equipes que tinham a sustentabilidade como um valor. “Mas não tinha estudos e processos. O que consegui fazer foi buscar método”, diz.

Hoje, aos 41, ele é reconhecido por liderar a agenda ambiental – e também social – no grupo têxtil fundado por seu avô em 1968. Embaixador do clima do Pacto Global da ONU, o executivo foi uma das primeiras lideranças brasileiras a assinar o compromisso de cortar drasticamente as emissões de carbono até 2030 seguindo critérios científicos alinhados ao objetivo de limitar o aquecimento global a 1,5ºC.

A dimensão do problema

A primeira parte da jornada foi medir os impactos socioambientais do grupo, entender quais eram os mais críticos e definir metas para reduzir sua pegada no mundo.

Em 2018 a empresa chegou ao detalhe de fazer a conta por peça produzida, em quatro dimensões: emissão de CO2, uso de água, uso da terra e demanda de energia.

Em 2019, com 35 milhões de peças fabricadas, viu os quatro indicadores caírem entre 2% (energia) e 18% (uso da terra). Os dados de 2020 e 2021, quando a produção saltou para 50 milhões de peças, ainda não foram publicados. 

O primeiro plano com o objetivo de integrar a sustentabilidade à estratégia da empresa foi desenhado em 2015, com metas específicas para 2020. Das 15 lançadas, 9 foram alcançadas e 6 deixaram de ser cumpridas no prazo. A empresa comunicou publicamente o progresso.

Durante a COP26, em novembro passado, foi lançado o plano ESG para 2030 – com metas mais robustas para emissões de CO2, materiais, embalagens, água, condições de trabalho na cadeia de fornecimento e diversidade.

Na visão de Weege, o ‘como’ chegar lá tem tanto valor quanto as metas em si.

“Tomamos a decisão de ir através da inovação. Como acho formas diferentes de produzir as roupas com menor emissão para chegar à neutralidade de carbono? Se resolvo meu problema com dinheiro, comprando créditos de carbono, e continuo poluindo igual, a emissão de CO2 global vai continuar a mesma e não existem árvores suficientes para compensar todo mundo”, diz.

Um exemplo de inovação foi a importação, em 2019, de uma máquina da Espanha que permite colorir e dar textura ao jeans sem o uso de água. De 100 litros gastos para fabricar uma calça, hoje a Malwee chega ao mesmo resultado com apenas um copo de água.

A empresa foi uma das primeiras do mundo a implantar a novidade, que na época custou R$ 6 milhões. Nem todas as peças de jeans que saem das suas fábricas, entretanto, já empregam a tecnologia.

A introdução dessa tecnologia também ilustra como o caminho da sustentabilidade é cheio de contradições e, às vezes, ao arrumar um lado, bagunça-se outro.

Ao derrubar em mais de 90% o consumo de água, o tal maquinário fez explodir o consumo de energia, por causa da utilização do laser como substituto no processo. A saída foi correr atrás de fontes de energia mais limpas.

Adeus, fast fashion

Aos poucos, a Malwee vem reposicionando suas marcas, se afastando do fast fashion.

“Nos últimos anos, reduzimos em 20% a oferta de produtos. Estamos nos concentrando naqueles mais atemporais”, diz o executivo. As coleções passaram a ser nomeadas no plural – coleção de invernos, coleção de verões. 

E adotar um modelo de menor giro leva a empresa a faturar menos? 

“Esse mix de 20% que cortamos tinha uma receita da qual abrimos mão. Mas estou vendendo muito mais para as pessoas que estão começando a conhecer a nossa marca e o nosso negócio.” A aposta, diz, é no tempo ir aumentando a fatia de mercado para produtos associados à sustentabilidade.

O avanço da informalidade na forma de vestir e a busca pelo conforto trazidos pela pandemia favoreceram o novo modelo. Weege não abre valores financeiros, mas diz que o faturamento tem crescido na casa de 30% ao ano – e o lucro mais que isso.

“Quanto disso já pode ser atribuído à sustentabilidade é difícil de medir.”

O diabo mora na cadeia de valor

A Malwee tem um processo produtivo bastante verticalizado, realizando dentro de suas fábricas todas as etapas do processo de tecelagem – malharia, tinturaria, estamparia e corte das peças (a costura é terceirizada) –, o que é um trunfo na jornada para se tornar mais sustentável. 

Mas, nas novas metas para 2030, fica evidente que o esforço daqui em diante se dará principalmente da porta para fora, na grande e fragmentada cadeia de suprimentos.

Desde que começou a fazer seu inventário de carbono em 2019, por exemplo, a empresa conseguiu cortar em 75% suas emissões de escopo 1 (diretas) e 2 (relacionadas à energia que compra). O objetivo foi atingido, em grande medida, com a substituição do uso do gás natural por biomassa (cavacos de madeira plantada) em suas caldeiras.

Mas isso afetou apenas 8% das emissões totais da empresa. Os 92% restantes estão distribuídos pela cadeia de valor da empresa, o chamado escopo 3.

“As matérias primas são o nosso maior impacto”, diz a engenheira Taíse Beduschi, que lidera os trabalhos como gerente de sustentabilidade da Malwee.

No plano divulgado durante a COP26, a companhia se comprometeu a cortar em mais 50% suas emissões de escopo 1 e 2 e em 58% a pegada da compra de materiais e serviços até 2030 – e chegar ao net zero até 2050.

Grande parte do foco para chegar lá está no algodão, que responde por mais de 70% das fibras usadas pela Malwee e é um dos grandes vilões ambientais do setor de moda no mundo todo – ao lado do couro bovino –, tanto pelas emissões de carbono quanto pelo consumo de água.

Há alguns anos a empresa já usa algodão desfibrado – com fios produzidos a partir de tecidos descartados – e está começando a comprar matéria-prima com o selo da Better Cotton Initiative (BCI), que certifica melhores práticas na produção do algodão.

Beduschi diz que outros projetos ainda são confidenciais, mas não há como escapar de mexer com a cadeia de fornecimento e com as formas de uso do produto, ampliando a economia circular.

Até 2020, a Malwee considerava sustentável uma peça de roupa que tivesse ao menos 10% de fibras de menor impacto ambiental na composição. Isso inclui algodão desfibrado ou poliéster de PET reciclado, por exemplo.

No plano para 2030, a empresa subiu a barra e definiu que uma peça sustentável deve ter no mínimo 30% de fibras de menor impacto ambiental e/ou um processo produtivo com impacto reduzido em 50% em termos de uso de energia, água e uso de químicos. O objetivo é chegar a 100% das suas roupas atendendo a um desses dois critérios até o fim da década – hoje a empresa está em 86%.

O critério de sustentabilidade das peças embute boa dose de subjetividade. Afinal, não existe um padrão para definir o que é um algodão ou poliéster sustentável e, no limite, qualquer melhoria mínima em relação à fibra tradicional já poderia, em tese, dar “sustentabilidade” aos materiais.

Beduschi diz que a empresa tem sido rigorosa, apesar da inexistência de padrões na indústria. Mais da metade de todo o poliéster usado já é reciclado, por exemplo.

A ferramenta desenvolvida para calcular o impacto ambiental por peça produzida, diz ela, será a contraprova de que as reduções de impacto em emissões, gasto de energia, consumo de água e uso da terra serão significativas.

O impacto humano

A cadeia de fornecimento é desafiadora também para a agenda social.

Hoje a empresa já avalia as condições de trabalho de 58% dos seus fornecedores diretos e esse percentual sobe para 100% para aqueles considerados ‘críticos’, nos quais há alto risco de violações como trabalho análogo à escravidão, trabalho infantil e estrangeiros trabalhando irregularmente.

Além de se comprometerem com as melhores práticas, esses fornecedores são auditados, por terceiros ou por equipe própria da empresa.

A meta para 2030 é atingir 100% de rastreabilidade e transparência de toda a cadeia, o que significa ir além da conformidade de todos os fornecedores diretos. 

“Agora vamos olhar também o fornecedor indireto, chegando até a cadeia produtiva do algodão”, diz Beduschi. 

Num mundo em que muitas empresas estão entrando na agenda ESG pela porta do marketing, com demonstrações explícitas de greenwashing, o problema da Malwee é o inverso: suas marcas ainda não são sinônimo de sustentabilidade na cabeça do consumidor.

Weege reconhece. “Estamos longe disso”, diz. Pesquisas feitas pela empresa demonstram um reconhecimento crescente do consumidor final, mas ampliar essa percepção está nas prioridades da empresa.

“Temos 24 comunicações desenhadas para 2022, como colabs com marcas internacionais e nacionais com pegada sustentável. Estamos com uma campanha que valoriza a energia renovável e teremos outras sobre água, ar e outros temas.”