ArcelorMittal e Casa dos Ventos se unem para aço com energia limpa

Com joint venture de R$ 4,2 bi, siderúrgica firma maior contrato de fornecimento de energia eólica para uma companhia no Brasil

ArcelorMittal e Casa dos Ventos se unem para aço com energia limpa
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A ArcelorMittal anunciou hoje uma parceria com a geradora de energia Casa dos Ventos para desenvolver um parque eólico de 554 MW na Bahia, que deve consumir R$ 4,2 bilhões em investimentos. 

Trata-se do maior contrato de fornecimento de energia renovável já firmado por uma companhia no Brasil. 

As empresas estão formando uma joint venture, com 55% de participação da Arcelor e 45% da Casa dos Ventos, num modelo pouco usual no mercado de energia brasileiro e que mostra a importância de garantir energia limpa e a preços competitivos para a siderúrgica, uma das dez maiores consumidores de eletricidade no país. 

Normalmente, as empresas firmam apenas um contrato de fornecimento de longo prazo com as desenvolvedoras, como a Casa dos Ventos, e não entram diretamente na estrutura societária dos projetos de energia. 

“A Arcelor é uma empresa de aço, mas energia é uma das nossas principais matérias-primas e queremos entender como operar e navegar nesse mercado. Queremos participar do projeto, da construção e da operação para nos envolver e aprender mais desse negócio”, disse o presidente da ArcelorMittal Brasil, Jefferson de Paula, em teleconferência com jornalistas. 

É uma estratégia que a Arcelor já vem adotando em outras partes do mundo, com parques construídos em parceria com empresas de energia na Argentina e na Índia. 

Na joint venture, pouco mais de 90% da energia vai ser voltada para a Arcelor e os outros 10% podem ser comercializados no mercado. O contrato de fornecimento com a siderúrgica é de 267 MW médios, equivalente ao consumo de 1,1 milhão de residências e tem validade de 20 anos, prorrogáveis por outros 15. 

O novo parque eólico, que fica no município de Várzea Nova, no interior da Bahia, deve garantir 38% de todo o consumo de energia estimado pela ArcelorMittal no Brasil em 2030. 

O investimento vem num momento em que a companhia, maior produtora de aço do país, está investindo pesadamente no Brasil. 

No começo do ano, a companhia pagou R$ 11,4 bilhões pela Companhia Siderúrgica do Pecém (CSP), no Ceará, que pretende transformar num hub de siderurgia de baixo carbono. 

Além disso, a empresa está investindo cerca de R$ 7 bi em expansão de capacidade e modernizações nas demais plantas no Brasil. 

Descarbonização

Multinacional com presença em todo o mundo, a ArcelorMittal tem o compromisso global de cortar suas emissões de gases de efeito-estufa em 25% até 2030 e se tornar neutra em carbono até 2050. 

No Brasil, a companhia produz cerca de 50% da energia que consome, por meio de uma hidrelétrica em Minas Gerais, e de uma termelétrica a gás natural. 

Além do investimento no parque eólico, a empresa está apostando também na compra de certificados de energia renovável, os chamados i-RECs, para garantir que a energia que abastece suas fábricas por meio da rede  venha de fontes limpas. 

“Nossa ideia é chegar em 2030 com mais de 60% de energia renovável e a 2050 com 100% de energia limpa”, diz de Paula. 

O parque da Bahia pode ser expandido em mais 100 MW por meio de geração solar híbrida – em que a energia gerada por painéis solares usa a mesma estrutura de transmissão, entrando nos linhões em momento em que as pás eólicas não estão produzindo.

“É um arranjo em que se compartilha investimentos e custos de operação, o que dá um retorno bastante interessante. Parte do nosso acordo, numa segunda etapa, é a opção de desenvolver a solar”, diz Lucas Araripe, diretor-executivo da Casa dos Ventos. 

Hidrogênio verde? 

A disponibilidade de energia limpa foi uma das razões apontadas pela Arcelor para a compra da siderúrgica de Pecém. Além do fornecimento direto de energia solar e eólica, o Ceará está desenvolvendo um dos principais hubs de hidrogênio verde no país – tido como uma das rotas tecnológicas mais promissoras para descarbonizar os altos-fornos das siderúrgicas. 

Questionado se a parceria com a Casa dos Ventos poderia evoluir para a produção de hidrogênio – feito a partir da eletrólise com energia renovável –, de Paula não descartou a possibilidade. 

“O grupo ArcelorMittal, junto com a Casa dos Ventos, está aberto a ver outras oportunidades e o hidrogênio certamente vai ser um dos gases mais importantes do futuro”, afirmou, acrescentando que não há nada concreto em negociação no presente. 

No momento, além da aposta em eletricidade renovável, a ArcelorMittal Brasil está focada em usar menos carvão mineral e mais carvão vegetal nos seus fornos, além de mais sucata de aço em vez de ferro-gusa, que é intensivo em carbono.

“Isso deve nos dar uma redução de 10% a 15% nas emissões em 2030”, afirma o CEO. 

Para chegar à meta dos 25%, serão necessárias tecnologias que hoje ainda não estão disponíveis – e cujo desenvolvimento está ocorrendo em centros de pesquisa na Europa.

A Arcelor já gastou mais de US$ 300 milhões em pesquisa e desenvolvimento de equipamentos e processos de redução de CO2. Os projetos mais avançados dizem respeito à captura e armazenagem de dióxido de carbono. 

Competitividade

O cenário atual é bastante desafiador para novos projetos de energia, com excesso de oferta, o que pressiona os preços da eletricidade de curto e longo prazo para baixo, incentivando a compra no mercado spot em vez de contratos de longo prazo. 

Por outro lado, os custos de construção estão elevados, com aperto na indústria de equipamentos e taxas de juros mais elevadas. 

Mas, sem especificar cifras, a ArcelorMittal afirma que os preços de fornecimento fechados no contrato de 20 anos na JV são competitivos. 

“Não foi absolutamente apenas uma questão de descarbonização ou de pagar mais caro para ter energia limpa. Pelo contrário, é um projeto com boas taxas de retorno, maiores até que dos nossos projetos de aço”, afirma de Paula. 

Araripe, da Casa dos Ventos, lembra que a curva de preços de energia é bastante volátil. “Ainda que os preços de longo prazo estejam mais baixos agora, basta mudar a hidrologia para o cenário virar completamente.”

Num momento de escassez deoferta de equipamentos, a Casa dos Ventos já assegurou os aerogeradores num giga contrato com dinamarquesa Vestas. 

Foram quase 300 turbinas, com 1,3 GW de capacidade de geração, no maior contrato mundial já fechado pela fabricante. Do total, 123 aerogeradores vão para o parque eólico em conjunto com a ArcelorMittal. 

O dinheiro para financiar o projeto vai começar a ser levantado no fim do ano. 

“Ter a Casa dos Ventos de um lado, e a ArcelorMittal do outro, se reflete em condições de financiamento muito mais competitivas. Esse é o espírito dessa parceria”, afirma Araripe, adicionando que BNDES e bancos regionais de fomento podem ser fontes de recursos para colocar o projeto em pé. 

Uma das principais desenvolvedoras de projetos eólicos no Brasil, a Casa dos Ventos recebeu um investimento de mais de R$ 4 bi por parte da francesa Total Energies em outubro de 2022, numa operação avaliada, ao todo, em R$ 12 bi. 

Atualmente a empresa tem 1GW em parques eólicos em operação. Com um pipeline robusto para os próximos anos, a expectativa é chegar a 3 GW ao fim de 2025.