Ambientalistas agem para barrar avanço da Petrobras na Foz do Amazonas

Em documento enviado ao governo, quase 80 organizações dizem que análise aprofundada na região é essencial para garantir segurança jurídica e ambiental

Plataforma de petróleo da Petrobras
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Diante da crescente pressão da Petrobras para conseguir o licenciamento ambiental para perfurar poços de petróleo na Bacia da Foz do Amazonas, quase 80 organizações não governamentais resolveram agir em conjunto e elevar o tom da oposição, cobrando uma análise mais diligente dos órgãos do governo. 

O grupo, que inclui WWF-Brasil, Observatório do Clima, Instituto Arayara, SOS Amazônia e outras entidades, entregou um ofício a diferentes instâncias do governo federal em que pede que o Ibama não emita uma licença de operação para o bloco FZA-M-59, que a estatal deseja explorar, sem que haja segurança técnica e jurídica suficiente para exploração na região.

O documento foi enviado para os ministérios de Minas e Energia, Relações Exteriores, Pesca e Aquicultura e Povos Indígenas, além de Ibama, Funai, Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e Petrobras, com cópia para a pasta de Meio Ambiente e Mudança do Clima.

Se a estatal conseguir a licença para buscar petróleo no “novo pré-sal” entre o litoral do Pará e Amapá, uma nova fronteira de exploração se abrirá no país. A resposta deve chegar até o fim de maio, de acordo com o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, em entrevista ao Metrópoles.

A preocupação latente entre ambientalistas neste cenário é pela falta de uma análise aprofundada e multidisciplinar sobre a região, que avalie não apenas os impactos da perfuração exploratória no bloco FZA-M-59, que está sob os holofotes, mas do possível “efeito em cascata para os outros oito blocos em licenciamento ambiental, 47 blocos disponíveis em edital de Oferta Permanente para concessão e 157 blocos em estudo, apenas na bacia da Foz do Amazonas”, como destaca o documento.

Responsabilidade do governo

O primeiro pedido é para que seja elaborada a chamada Avaliação Ambiental de Área Sedimentar (AAAS). 

Diferentemente de outros documentos que são produzidos pela empresa que busca a licitação, a AAAS deve ser feita pelo governo, mais precisamente pelos ministérios do Meio Ambiente e de Minas e Energia. 

Como determinado em portaria interministerial de 2012 – anterior, portanto, à rodada de concessões que inclui o polêmico bloco –, os ministérios teriam que realizar o diagnóstico das características socioambientais de cada área e os possíveis impactos pela exploração e produção de petróleo e gás na região.

Com essa análise, cada área pode ser considerada apta, não apta ou em moratória (quando há lacunas importantes de conhecimento científico ou social que precisam ser estudadas). 

“O problema todo na Bacia da Foz do Amazonas e na Margem Equatorial é que não foi feita a avaliação ambiental de área sedimentar”, diz Suely Araújo, especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima e ex-presidente do Ibama. “É uma avaliação que deveria ter sido feita antes do leilão, porque aí você já define quais áreas são aptas, quais áreas não são aptas para a exploração de petróleo e quais áreas precisam de maiores estudos.” 

“Na prática, o Brasil tem quase ignorado essa portaria. Tem sido usado um dispositivo temporário que fala que enquanto não tiver AAAS, os órgãos ambientais podem dar um parecer pleno. Mas esse é um dispositivo de 2012, e a exceção virou a regra”, diz Araújo. 

A AAAS não é peça obrigatória para que a Petrobras consiga a licença ambiental pelo Ibama, mas é considerada indispensável por ambientalistas.

Diretora executiva do Instituto Arayara, Nicole Oliveira reforça que essa análise deveria ser feita para todos os blocos da Margem Equatorial, que conta com cinco bacias sedimentares ao todo. “Há bacias naquela região que são supersensíveis do ponto de vista ambiental, ainda mais que o bloco 59. A aprovação de sua exploração abriria portas que colocam em risco o habitat amazônico”. 

Insegurança jurídica

Guardadas as devidas proporções, a ideia das organizações é tentar  replicar a insegurança jurídica criada em torno do leilão da ANP em áreas próximas a Fernando de Noronha, que, à época, teve apenas 5 de 92 blocos arrematados.

“Não é só a insegurança jurídica, queremos conter essa exploração até por meio de ordem judicial. Infelizmente, é a medida que temos hoje para tomar”.

Oliveira destaca a importância da pesca para a economia local, além da ampla presença de manguezais e do sistema de recifes do Amazonas, e a necessidade de que a Petrobras e quaisquer outras petroleiras na região tenham capacidade de administrar qualquer incidente. 

A TotalEnergies, por exemplo, já teve sua licença indeferida pelo Ibama em 2018, por não conseguir apresentar tal comprovação. Dois anos depois, a francesa vendeu sua participação na Bacia da Foz do Amazonas para a Petrobras. 

No documento entregue hoje, os grupos pedem também para que os órgãos competentes consultem os povos e comunidades indígenas locais, garantam acesso à informação sobre os impactos e riscos da instalação da indústria de petróleo na região, concluam o estudo sobre a Base Hidrodinâmica da Margem Equatorial e incorporem seus resultados à modelagem da dispersão de óleo do bloco 59 e também demonstrem a eficácia das ações de resposta nacional e transnacional, caso ocorra vazamento de óleo para águas de países vizinhos. 

A Petrobras, por sua vez, reafirma que a Margem Equatorial brasileira “é uma fronteira exploratória em águas profundas muito importante” e que a licença que busca neste momento é para iniciar a perfuração do poço exploratório e, só então, realizar os demais estudos para avaliar a descoberta e identificação de possíveis acumulações de petróleo e gás natural na área da concessão.