Aliança privada cria empresa para reflorestamento e preservação em escala no Brasil

Itaú, Santander, Rabobank, Suzano, Vale e Marfrig querem regenerar área equivalente ao Estado do Rio de Janeiro com créditos de carbono

vista aérea de area desmatada ao lado de floresta na fronteira do parque indígena do xingu
A A
A A

Sharm el-Sheikh* e São Paulo — Uma aliança de seis grandes empresas brasileiras ou com forte atuação no país acabam de anunciar durante a COP27 uma nova empresa para viabilizar o reflorestamento e conservação de até 4 milhões de hectares no Brasil — o equivalente à área do Estado do Rio de Janeiro. 

Os bancos Itaú Unibanco, Santander e Rabobank, a mineradora Vale, a Suzano, de papel e celulose, e o frigorífico Marfrig vão aportar R$ 20 milhões cada para financiar os primeiros anos da companhia, batizada de Biomas. 

De acordo com comunicado conjunto, a ideia é que a iniciativa seja “sustentável também do ponto de vista financeiro”, viabilizando cada projeto a partir da comercialização de créditos de carbono. 

A meta é fazer a conservação de 2 milhões de hectares e regenerar outros 2 milhões de hectares em paisagens degradadas na Amazônia, Mata Atlântica e Cerrado, nos próximos 20 anos. 

Ainda em estágio inicial, a primeira etapa da Biomas será de estruturação, com identificação e prospecção de áreas, engajamento com comunidades locais e parceria com plataformas de certificação de créditos de carbono para implementar projetos-pilotos. 

“A Biomas começou na COP do ano passado, em Glasgow, quando percebemos a conexão da agenda do clima com a da natureza e também com a social”, diz Cristiano de Oliveira, gerente executivo de novos negócios da Suzano. 

“E havia essa frustração depois de todas as COPs. Cadê o senso de urgência? A gente fala muito de 2050, mas cadê 2022 e 2023?”

A deputada federal eleita e ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva — uma das principais cotadas para assumir a pasta no governo de Lula — fez uma aparição surpresa no evento de lançamento da companhia.

“Quando as empresas assumem esse compromisso, traduzido em ações concretas e com cronograma de implementação para mostrar resultados, [ele] tem uma potência incomparavelmente maior. É como se ganhássemos duas vezes, pois os recursos públicos podem ser destinados para outras atividades estratégicas”, afirmou.

Ambição (e desafios)

O objetivo da Biomas é ambicioso. Nunca foi feito um reflorestamento nessa escala — e os recursos necessários são vultosos. 

A re.green, startup que tem entre os sócios os Moreira Salles e a Gávea, de Armínio Fraga, mira reflorestar 1 milhão de hectares. Para isso, levantou R$ 390 milhões iniciais com um grupo de investidores, mas estima que precise investir entre R$ 8 bi e R$ 10 bi ao todo ao longo dos anos para cumprir a meta. 

A re.green segue um modelo de comprar as terras para fazer o reflorestamento. Já a Biomas disse que pretende atuar num esquema de parcerias com os donos de terras e fazer os projetos “de forma gradual” para que parte dos créditos de carbono gerados possam financiar novas iniciativas. 

Um estudo feito pela McKinsey mostra que um crédito de carbono com preço entre US$ 25 e US$ 35 já torna vantajoso substituir boa parte das pastagens degradadas no Brasil por projetos de reflorestamento com integração lavoura-pecuária-floresta. Na Amazônia, com frequência, a floresta cai para dar lugar à pecuária de baixa produtividade. 

O preço estimado pela consultoria não está muito distante do que hoje já é praticado no mercado para créditos de reflorestamento – que ainda são mais raros e tem prêmio em relação aos créditos de desmatamento evitado, porque efetivamente sequestram carbono em vez de apenas evitar emissões.

Gargalos

Apesar da conta do reflorestamento fechar no papel, na prática, ainda há inúmeros desafios a serem superados: desde a falta de conhecimento técnico de produtores para adoção de técnicas de agrofloresta até questões fundiárias.

No arco do desmatamento na Amazônia, a questão da titularidade da terra é latente e um empecilho para muitas empresas desenvolverem projetos. 

Em sua breve participação, Silva sugeriu a possibilidade de criar um mecanismo para concessão de áreas públicas degradadas para iniciativas como a da Biomas. A maior parte do desmatamento ilegal hoje ocorre em áreas que pertencem ao Estado.

No comunicado em que anuncia a iniciativa, a Biomas já adiantou que avalia se fará projetos em terras públicas.

Outra questão é o desenvolvimento da cadeia de fornecimento. Hoje, há poucos viveiros de mudas de espécies nativas. A Biomas, que espera plantar 2 bilhões de árvores, já anunciou que pretende fomentar esses viveiros. 

O objetivo da Biomas é remover ou evitar a emissão de 900 milhões de toneladas de gases de efeito estufa ao longo de vinte anos. A título de comparação, o ano passado o Brasil como um todo teve uma emissão líquida na casa de 1,5 bilhão de toneladas de dióxido de carbono equivalente. 

Para a Marfrig, a nova companhia vai ajudar no cumprimento das metas de descarbonização assumidas pela empresa. 

“A Biomas contribuirá para tornar a cadeia de fornecimento da Marfrig mais sustentável por meio da pecuária de baixo carbono, que concilia produção com conservação ambiental”, disse Paulo Pianez, diretor de sustentabilidade do frigorífico, no evento em que a empresa foi apresentada.

*O jornalista viajou a convite da International Chamber of Commerce.