Algumas gotas de sangue: Hilab capta com a EB para ir além das farmácias

O equipamento de exames rápidos desenvolvido pela Hilab
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Com um crescimento exponencial durante a pandemia, a Hilab, uma startup de Curitiba que faz testes laboratoriais rápidos usando apenas algumas gotas de sangue, quer mostrar que vai além dos testes de covid. 

Com um aporte de valor não revelado liderado pela gestora EB Capital, a empresa está ampliando seu portfólio para mais de 30 exames, incluindo o hemograma completo — de longe o exame que mais consta nos pedidos médicos e representa sozinho cerca de 10% do volume dos laboratórios. 

O plano é ampliar a presença nas farmácias, hoje o principal ponto de venda da companhia, e ir além, chegando também aos ambulatórios de empresas, hospitais e aos próprios laboratórios. Hoje, a Hilab está em 1500 pontos de venda e já processou mais de 4 milhões de exames. 

“Não somos concorrentes das empresas de saúde, temos uma oferta complementar, com usos específicos em que a rapidez dos nossos testes é um diferencial”, aponta Marcelo Mearim, que assumiu há dois meses o cargo de chief revenue officer (CRO) para liderar a expansão da Hilab. 

Ele veio da rede de laboratórios Dasa, onde ficou por cinco anos na área de negócios e marketing.

A Rise Ventures, que também tem uma tese voltada para impacto socioambiental, e a Positivo Tecnologia — primeira investidora da companhia — também participaram do aporte. 

“É o maior investimento da Positivo na Hilab, mais do que ela fez em todas as rodadas com a gente, o que mostra o nosso novo momento”, diz o CEO e fundador da startup, Marcus Figueredo. 

A empresa já tinha levantado US$ 16 milhões em três rodadas anteriormente, a última delas durante a pandemia, quando captou US$ 10 milhões (R$ 44 milhões ao câmbio da época), com a Península Participações, de Abílio Diniz, e a Endeavor Catalyst. Monashees e Qualcomm Ventures também já investiram na companhia. 

Fundada em 2016, a Hilab criou um pequeno dispositivo capaz de processar exames no ponto de atendimento — ou point-of-care, no jargão no mercado de saúde. Eles recebem o equipamento na forma de comodato, junto com kits de reagentes. 

A amostra é colhida com um pequeno furo no dedo. Um software faz a análise no próprio local, e o resultado é enviado para o laboratório da companhia em Curitiba, onde especialistas fazem a dupla checagem e emitem o laudo. O resultado sai em cerca de 30 minutos. 

De largada, a empresa focou em testes simples, como de gravidez, depois partiu para outros exames, como o de colesterol. Algumas empresas e postos de saúde especialmente em áreas remotas já usavam a tecnologia, mas o carro-chefe sempre foram as farmácias. 

O boom veio com a covid, que popularizou os testes rápidos e fez o faturamento se multiplicar — ao mesmo tempo diminuindo a resistência dos pacientes a fazer exames em drogarias. 

“Mas não ficamos parados surfando apenas a onda da covid. Durante a pandemia, aprofundamos nosso desenvolvimento com uma nova gama de exames que está vindo agora a mercado”, aponta Figueiredo. 

“Não sou a Theranos”

A nova captação e a ida mais agressiva a mercado acontecem num momento em que a Theranos voltou aos holofotes, com o julgamento da fundadora Elizabeth Holmes (ela começou a cumprir ontem sua pena de 11 anos de prisão). 

Um seriado blockbuster pintou em cores vivas a fraude impetrada pela startup, que levantou centenas de milhões de dólares prometendo fazer exames com apenas uma gota de sangue. 

“Fazemos exames colhendo sangue capilar [na ponta do dedo]. E nossa semelhança com a Theranos para aí”, diz o fundador, respondendo à pergunta que provavelmente ouve com mais frequência. 

Ele explica que Holmes se baseava numa técnica conhecida como “microfluídica”, que era uma promessa distante em 2004, quando a Theranos começou a captar, e continua sendo uma promessa 20 anos depois. “Aqui, usamos fundamentos das análises clínicas tradicionais, mesmo. Não tem milagre.”

Em primeiro lugar, a Hilab usa mais que uma gota de sangue. São algumas gotas de sangue – mais especificamente 200 microlitros para um hemograma completo, o equivalente a 20% de 1 ml, recolhidos com uma pequena pipeta. 

A “mágica” da amostra menor está associada a uma boa dose de pesquisa, com sensores mais precisos e reagentes específicos, à tecnologia digital — com ferramentas de inteligência artificial que ajudam a entender e interpretar possíveis ruídos no processo — e também ao simples fato de o exame ser processado in loco

No modelo tradicional, os laboratórios colhem as amostras e as transportam até unidades centrais, onde ficam as grandes máquinas automatizadas capazes de processar centenas de exames ao mesmo tempo. 

Anticoagulantes são utilizados para conservar o sangue durante o transporte e, para cada tipo de exame, é necessária uma substância extra para dar conta de eventuais interferências. É preciso ainda ter uma redundância na amostra para refazer o exame em caso de erro. Tudo isso aumenta o volume a ser colhido. 

“Estamos falando de tecnologia de ponta desenvolvida no Brasil e que tem um amplo potencial para ampliar o acesso à saúde”, afirma Luciana Antonini Ribeiro, sócia-fundadora da EB Capital. 

Ampliando os canais 

Se por um lado a história da Theranos polui a narrativa da Hilab, por outro o timing foi positivo: há pouco mais de duas semanas, a Anvisa liberou as farmácias para realizarem testes clínicos – autorizando o farmacêutico a assinar os laudos, pacificando o que até então era considerado uma zona cinzenta na regulação. 

A resolução só passa a valer em agosto, mas já vem tendo reflexos na demanda. “Nosso faturamento bateu recorde em maio, apontando para um crescimento de mais de 80% em relação ao mês anterior”, afirma Mearim. “Ter sido pioneiro nessa frente nos posiciona muito bem para essa abertura de mercado.”

Outra avenida de crescimento que a Hilab aposta é na medicina corporativa. A empresa já tem um contrato com a Renault, por exemplo, para oferecer os exames nos ambulatórios da empresa. “Nosso dispositivo facilita muito o controle de doenças crônicas, facilitando o tratamento, o que diminui custo e absenteísmo”, aponta o executivo. 

No mercado de saúde, a empresa enxerga alguns mercados com encaixe óbvio: a pediatria, evitando o transtorno da coleta de sangue venoso em crianças, além da oncologia, que demanda hemogramas frequentes durante tratamentos de quimioterapia e radioterapia. 

Mas coloca também em seus argumentos de venda a realização de exames rápidos em prontos-socorros para atendimento mais rápido e liberação de leitos.

“Nosso custo por exame ainda não consegue ser mais competitivo que o dos laboratórios tradicionais, por uma questão de escala. Mas a questão do custo na saúde está mais ligada à eficiência e prevenção do que necessariamente no custo por exame”, diz Mearim.

A companhia não divulga a receita. Em 2020, chegou a afirmar em reportagens que previa faturamento de R$ 200 milhões — mas abandonou o guidance

Investidores que olharam a empresa afirmam ao Reset que o pico de receita com os testes de covid não voltou a se repetir. “A empresa é sólida e está com uma tese de abertura de mercado, mas com bastante risco de execução”, afirma um gestor que prefere não se identificar. 

Impacto

O acesso à saúde é uma das principais teses da startup. “Em áreas mais remotas, o nosso produto se vende praticamente sozinho”, afirma Figueiredo. Hoje, além da sede em Curitiba, a empresa tem uma filial em Manaus, já que na região está um dos maiores mercados da empresa (a Bemol Farma é um de seus maiores clientes). 

“O acesso é um dos principais pilares do nosso investimento”, aponta Pedro Vilela, gestor da Rise Ventures, que fez na Hilab seu primeiro aporte em saúde. “Analisamos muitas empresas e, várias com potencial de lucro, mas em que era difícil caracterizar o impacto.”

Segundo ele, há potencial  de contratos com o setor público — um canal que já foi aberto durante a pandemia. 

Em Manaus, há também um centro de P&D com cerca de 20 pesquisadores locais voltados para o diagnóstico de doenças tropicais. “Há um potencial muito grande para fazer testes de doenças como malária, dengue, zika e outras doenças que são pouco pesquisadas pelos grandes laboratórios”, diz o CEO. 

Ribeiro, da EB Capital, destaca ainda o viés ambiental da Hilab: “Ela gera uma eficiência ambiental e de pegada de carbono muito relevante em comparação com os laboratórios tradicionais, que geram muito resíduo”. Esse é o terceiro investimento da EB via seu fundo Preferred Futures, com tese de impacto socioambiental. 

A empresa já investiu na recicladora de PET GreenPCR e na BlueHealth, de equipamentos para diagnósticos de imagem.