A Unilever está sob ataque. A culpa é do ESG?

O investidor ativista Nelson Peltz parece estar se posicionando para uma batalha com a direção da companhia. O foco em sustentabilidade fez a gigante dos bens de consumo perder o rumo?

Logotipo da Unilever visto através de uma lupa
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A Unilever, uma das maiores empresas de bens de consumo do mundo e símbolo do capitalismo de stakeholder, está sob ataque de investidores insatisfeitos.

No mais recente lance, o fundo de hedge Trian Fund Management, do investidor ativista americano Nelson Peltz, acaba de montar uma participação relevante na companhia para tentar chacoalhar as coisas, segundo revelou o Financial Times no domingo.

Os investidores se queixam do desempenho da empresa na bolsa. Enquanto rivais como Procter & Gamble e Nestlé avançam, as ações da Unilever caíram 17,7% em 2021 (descontados os dividendos).

Poucos dias atrás, o foco da empresa na sustentabilidade e no capitalismo com propósito foi colocado na berlinda. Um dos dez maiores acionistas da companhia, o britânico Terry Smith, disse que a gigante estava “perdida”, mais preocupada com o lustro conferido pelo foco no ESG que com os rumos do negócio.

Dono do Fundsmith, popular entre investidores de varejo britânicos, Smith usou uma declaração de Alan Jope, CEO da Unilever, para fazer uma piada ácida e sob medida para viralizar.

“Na nossa opinião, uma empresa que acha que tem de definir o propósito da maionese Hellmann’s claramente está perdida”, escreveu ele em sua carta anual aos investidores.

“A marca Hellmann’s existe desde 1913, então diríamos que a essa altura os consumidores já entenderam qual é o propósito dela (alerta de spoiler – saladas e sanduíches).”

Smith se referia a um comentário feito por Jope dois anos e meio atrás, quando havia recém-assumido o comando da gigante britânica.

Numa tentativa de combater o que chamou de ‘woke-washing’, o equivalente social do greenwashing, Jope afirmou que os executivos da Unilever teriam de encontrar o propósito de cada uma das centenas de marcas da companhia.

Mas essa diretriz acabou se tornando uma obsessão com “demonstrações públicas de credenciais de sustentabilidade, à custa do foco no que é essencial para o negócio”, escreveu Smith, um dos dez maiores acionistas da empresa.

O episódio em quase tudo lembra a crise enfrentada pela Danone, menos de um ano atrás, que culminou com a demissão do CEO Emmanuel Faber, um dos mais vocais defensores do capitalismo responsável. Para muitos, Faber perdeu o foco no negócio enquanto dava ênfase à sustentabilidade.

Nos dez anos de gestão do holandês Paul Polman, a Unilever tornou-se um dos principais expoentes entre as empresas interessadas em dar lucros enquanto ajudam a resolver os problemas do mundo. 

Com três anos de Jope à frente da companhia depois da aposentadoria de Polman, a Unilever enfrenta desafios em várias frentes. Um deles é encontrar novas oportunidades de crescimento (mais um ponto em comum com o caso Danone).

Dona de marcas globais como os sorvetes Ben & Jerry’s e os sabonetes Dove, a Unilever tentou três vezes adquirir a unidade de consumo da farmacêutica GlaxoSmithKline e produtos como o analgésico Advil e as pastas de dente Sensodyne.

A oferta mais recente, de US$ 68 bilhões, foi recusada pela GSK – e pelos acionistas da Unilever, que derrubaram o preço da ação em mais de 10% na semana passada.

Nelson Peltz já orquestrou campanhas contra empresas como GE, Mondelez e Procter & Gamble. Nesta última, ele manteve um assento no conselho de administração durante quatro anos, até agosto do ano passado.

Ele apontava dois problemas na gestão da gigante americana: estrutura inchada e falta de foco nos consumidores mais jovens. Mas Peltz não exigiu a renúncia do então CEO, David Taylor, nem exigiu uma divisão da companhia em negócios separados.

A Procter & Gamble fez uma reorganização interna, melhorou processos e os resultados apareceram. No fim de 2017, quando Peltz conseguiu a indicação para o conselho, a ação da empresa valia cerca de US$ 92 dólares; nesta segunda-feira, ela era negociada a US$ 161.

Resposta não-binária

O impacto da chegada da “raposa ao galinheiro”, como disse um analista, na política de sustentabilidade da Unilever será observado de perto.

O analista Bruno Monteyne, da gestora AllianceBernstein, afirmou em entrevista recente que a resposta à crise não deve ser binária, ou seja, não se trata de simplesmente escolher entre foco em ESG ou retorno ao acionista.

“Não houve críticas ao propósito ESG, mas sim a uma falta de urgência no que diz respeito a crescimento e inovação”, afirmou ele. “O que os investidores temem é que a execução [das metas] ESG receba mais energia e paixão que a missão de manter-se relevante para os consumidores.”

Conforme se mexa em resposta à pressão dos investidores por mais crescimento e foco no core business, a Unilever será pressionada também a não descuidar da sustentabilidade. 

Na semana passada, um grupo de investidores da empresa, com US$ 215 bi em ativos, apresentou uma proposta a ser levada à assembleia de acionistas deste ano pedindo à empresa que corrija o que consideram um “ponto cego crucial” em sua estratégia e estabeleça metas ambiciosas para vender alimentos mais saudáveis.

Os investidores querem que a empresa divulgue a proporção atual de vendas de produtos mais saudáveis e crie uma meta de aumentar essa fatia até 2030, com uma revisão anual dos avanços.

Para o grupo, diante do aumento das regulamentações em torno da saúde, deixar de agir agora pode afetar suas finanças no futuro.

Com a crise na Unilever ainda se desenrolando, o episódio já serve como um alerta sobre a necessidade das lideranças de buscar um bom equilíbrio entre lucro e propósito – e não descuidar de um enquanto se olha o outro.