A Okena garimpa negócios no lodo industrial
Empresa que faz tratamento de efluentes de grandes indústrias recebeu aporte para buscar novos materiais no que antes era lixo
Nos seus primeiros dez anos de vida, a Okena foi uma empresa de tratamento de efluentes industriais. A ambição é que nos próximos dez, e além, o negócio seja uma “mineradora de lodo”.
Esse futuro está sendo gestado no Okena Labs, um espaço montado dentro da estação de tratamento da companhia em Itapevi, na Grande São Paulo.
O laboratório é dividido em duas salas. Na primeira, são separadas e etiquetadas as amostras dos resíduos recolhidos dos clientes.
Numa recente manhã de segunda-feira, mais de 20 galões continham água de lavagem de caminhões, restos de óleo de corte usados em usinagem, substâncias químicas da indústria de tintas e efluentes da indústria farmacêutica.
Na sala seguinte, uma profissional do laboratório mistura substâncias como cal ou polímeros a um becker cheio de água barrenta. Com o balanço certo, o lodo se separa da água em menos de um minuto.
A massa sólida depositada no fundo do recipiente é o “minério” que a companhia está buscando. “Não pensamos mais em lixo, pensamos em oportunidades”, diz Francisco “Kiko” de Goeye, o CEO da Okena, recitando o mantra da economia circular.
“E se nós pudéssemos oferecer uma alternativa que zerasse o custo do tratamento dos efluentes e até gerasse receita?”, diz de Goeye. “Foi aí que nasceu nosso sonho.”
Para torná-lo realidade, a Okena, fundada por Ricardo Glass, recebeu um aporte de R$ 7 milhões da Rise Ventures, um fundo de impacto que concentra suas atenções em negócios do “mundo real”.
O plano da companhia é utilizar o dinheiro para continuar as pesquisas e dar viabilidade comercial a esses “minérios” extraídos do lodo. Quando isso acontecer, diz de Goeye, a receita da Okena pode aumentar 45% em cinco anos.
A companhia não revela seu faturamento. (Tipicamente, a Rise investe em negócios que faturam entre R$ 10 milhões e R$ 100 milhões.) Informa apenas que é lucrativa, cresce 25% ao ano e tem entre seus clientes empresas como Mercedes-Benz, BASF e Natura.
A nova fonte de receita vai significar um novo modelo de negócios. “No futuro, as estações de tratamento de efluentes deixarão de ser um fim e serão um meio”, afirma o executivo. “Hoje emitimos notas [fiscais] de serviço, mas queremos que nossa receita venha majoritariamente de notas de venda.”
Induzindo sustentabilidade
Estima-se que 60% dos resíduos industriais gerados no país sejam lançados no meio ambiente sem qualquer tratamento, segundo a Associação Brasileira de Empresas de Tratamento de Resíduos e Efluentes.
A fiscalização é insuficiente, e tratar água tem custo. A Okena aposta que a transformação dos dejetos em produtos rentáveis pode ser um indutor de responsabilidade corporativa.
A empresa trabalha hoje com efluentes recolhidos de indústrias. A planta de 15.000 m3 processa o conteúdo de 6 mil caminhões-tanque por ano. Depois de purificada, a água é canalizada para um rio; os resíduos são enviados a aterros sanitários.
O objetivo é encontrar usos para o material que hoje é descartado. Um dos experimentos promissores saídos do laboratório é uma espécie de argamassa que pode ter aplicações na construção.
Dois grandes equipamentos tratam os resíduos líquidos. O primeiro separa a água do lodo; o outro comprime e filtra esse despojo, que após o processo ganha um aspecto terroso e com coloração avermelhada.
A empresa está fazendo testes com esse substrato para determinar se ele pode ser agregado ao concreto. “Estamos avaliando resistência e durabilidade. Com um bom resultado, ele pode vir a ser usado em postes, meios-fios ou sarjetas”, afirma o CEO.
A lógica é a mesma do asfalto-borracha, que leva um percentual de pneus moídos e oferece o benefício de mais aderência e durabilidade à pavimentação.
De Goeye diz que procurou uma fábrica de tijolos para fazer testes em conjunto, mas a empresa não tinha “tino para inovação”. “Então, se a gente desenvolver um bom material, nós mesmos vamos vendê-lo.”
Fralda usada
A iniciativa de reciclagem mais adiantada não tem nada a ver com clientes industriais ou água poluída. Em colaboração com a Boomera, que faz a gestão de resíduos de difícil reciclagem e foi comprada pela Ambipar no ano passado, a companhia quer ser também uma grande recicladora de fraldas.
O processo inclui lavagem, esterilização, secagem, trituração e, enfim, a separação dos plásticos que podem ser reaproveitados. Eles são devolvidos para a Boomera, que fabrica cestos, cabides e outros itens simples.
Até aqui, o sistema funcionava em pequena escala: a Boomera recolhia as fraldas de algumas creches para provar a viabilidade do conceito.
Em dezembro, a empresa fechou um acordo com a Kimberly-Clark, fabricante da Huggies, para reciclar 100 toneladas de fraldas no primeiro ano de um piloto.
Sejam os dejetos líquidos ou sólidos, a Okena tem muitas avenidas para explorar na economia circular, diz de Goeye. “Trabalhamos numa região muito diversificada [São Paulo], o que abre o nosso leque. Recebemos óleo industrial, ácido sulfúrico contaminado, tintas, água de lavagem de equipamento.”
O avanço da regulação, como a Política Nacional de Resíduos Sólidos, também impulsiona o negócio, bem como o cumprimento das leis por indústrias de médio e pequeno porte.
Comparada com as grandes do tratamento de água, como a estatal Sabesp e negócios privados como Ambipar, a Okena é uma operação modesta.
As gigantes do setor também olham para as oportunidades da economia circular. A Tera Ambiental, por exemplo, se especializou no reaproveitamento de resíduos orgânicos, com foco na produção de fertilizantes.
Mas a maior concorrência ainda é a ilegalidade, afirma de de Goeye. “Também queremos prospectar negócios aí. Estamos experimentando um modelo de pagamentos simplificado, em que o tratamento de efluentes de pequenas empresas é parcelado no cartão de crédito.”
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