A filantropia climática – e estratégica – do Arapyaú, de Guilherme Leal

Com foco em soluções inéditas, instituto está por trás de iniciativas como o MapBiomas e instrumentos financeiros para financiar pequenos produtores e ganhou protagonismo no advocacy de clima na esfera federal

Renata Piazzon, diretora do Instituto Arapyaú
A A
A A

Empresário brasileiro mais identificado com a pauta da sustentabilidade ambiental e social no Brasil, Guilherme Leal, um dos fundadores da Natura, criou um ecossistema próprio de instituições em torno do tema.

De um lado, por meio do seu family office, investe em negócios que buscam aliar impacto e retorno financeiro. Além da fabricante de cosméticos, há no portfólio outras empresas, como a chocolateria Dengo e a fabricante de madeira engenheirada Urbem.

Para os investimentos que saem exclusivamente do bolso filantrópico, as ações estão concentradas no instituto Arapyaú, fundado há quinze anos.

O instituto nasceu da vontade do empresário de realizar ações sociais estruturantes no Sul da Bahia, no entorno empobrecido de uma propriedade que acabara de adquirir na região, e ao longo dos anos colocou o foco em temas variados, como o urbanismo. 

Hoje, o foco do Arapyaú é a agenda climática, na qual é protagonista no país, ao lado do Instituto Clima e Sociedade (ICS) e da Climate and Land Use Alliance (Clua). E, se começou pela Bahia, cada vez mais o instituto tem fincado seus pés na Amazônia.

“Os recursos da filantropia são menores quando você compara com os recursos públicos ou privados, mas a grande contribuição para avançar com a agenda é que temos muito mais liberdade para inovar”, diz a advogada Renata Piazzon, diretora-geral do Arapyaú. 

“Acreditamos que temos esse papel de desenhar e incubar soluções inéditas, que não foram testadas, para desafios complexos tanto na Bahia quanto na região amazônica”. 

Foi assim, por exemplo, com a MapBiomas, rede liderada por Tasso Azevedo e que reúne ONGs, universidades e startups de tecnologia e hoje é uma das principais entidades de mapeamento e monitoramento do uso da terra no Brasil, com uma ferramenta de alerta de desmatamento usada por empresas e bancos do país para tomar decisões de negócios. 

Em 2018 foi tomada a decisão de incubar e fomentar a rede, diz Piazzon. Isso quer dizer que, durante um bom tempo, o instituto foi o CNPJ da rede, fez o apoio administrativo, financeiro e jurídico, além de ajudar na captação de recursos.

O mesmo conceito de incubação vale para produtos financeiros inovadores, como uma emissão de dívida voltada a dar microcrédito para famílias produtoras de cacau na Bahia, feita em 2020.

“Vimos que precisava ter crédito na região para um público completamente vulnerável que não conseguia acessar a política pública porque não tem todas as documentações. Então desenhamos essa solução em blended finance com o grupo Gaia.”

A captação trouxe, junto do ambiental, o elemento social. “É um exemplo bastante concreto do jeito que a gente atua, integrando e fomentando novos modelos de desenvolvimento que valorizem o capital natural e a justiça social. Não tem como a agenda ambiental e a agenda social não andarem juntas.” 

Articulação e advocacy

Paralelamente à incubação de soluções, valendo-se do poder de convocação de Leal, o Arapyaú também tem sido um articulador de redes que trabalham fortemente no advocacy de causas climáticas e ambientais.

Seguindo essa fórmula, surgiu em 2015 a Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, que reúne mais de 350 representantes de empresas, setor financeiro, universidade e sociedade civil para promover a agenda de preservação e uso sustentável das florestas do país. 

A mesma coisa na iniciativa Uma Concertação pela Amazônia, idealizada por Leal em 2020 para trazer grandes atores do setor privado para a mesa em busca soluções de desenvolvimento sustentável para o bioma. 

No ano passado, na reta final das eleições, a iniciativa produziu um documento com recomendações de medidas práticas que o governo eleito poderia adotar nos primeiros 100 dias de governo.

O documento abriu espaço para que, com a eleição de Lula, a Concertação e o próprio instituto conquistassem mais espaço para influenciar os rumos da agenda ambiental no país. 

Piazzon fez parte da equipe de transição do Ministério do Meio Ambiente e depois passou a integrar o chamado Conselhão – que faz jus ao nome ao reunir quase 250 pessoas para discutir com o governo o desenvolvimento econômico sustentável do país.

Na mesa dos adultos

E não é só dentro do país que o Arapyaú se tornou um ator relevante na agenda da filantropia climática.

Vinte dos maiores institutos filantrópicos do mundo que investem na mitigação dos efeitos das mudanças climáticas estão reunidas numa plataforma de colaboração chamada de Funders Table. 

Estão lá nomes como Bezos Earth Fund, Good Energies Foundation, Ikea Foundation, Bill & Melinda Gates Foundation e Bloomberg Philanthropies, que, juntos, investem mais de US$ 3 bilhões por ano na causa climática. O Arapyaú é a única entidade brasileira a integrar o grupo.

“Temos um papel importante de ajudar a pautar quais são as prioridades estratégicas de investimento da filantropia internacional no Brasil”, diz Piazzon.

No MapBiomas, por exemplo, o Arapyaú aportou no primeiro ano R$ 2 milhões de recursos próprios, mas conseguiu captar outros R$ 30 milhões com os participantes do Funders Table para viabilizar o projeto.

Desde o começo do ano, esse acesso tem sido usado para tentar engordar os recursos disponíveis no Fundo Amazônia e também do Funbio.

Outra marca do Arapyaú é não atuar ‘no varejo’. “A gente não capta para pulverizar os recursos entre diversos projetos. Fazemos uma filantropia voltada para projetos estruturantes.”
A abordagem, diz Piazzon, é estratégica. “O diferencial é incubar projetos já envolvendo outros atores do setor privado, já envolvendo a articulação com o governo para conseguir escalar via políticas públicas.”