A estreia do MST no mercado de capitais (sim, você leu certo)

A estreia do MST no mercado de capitais (sim, você leu certo)
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Um encontro que parecia improvável aconteceu.

Na semana passada, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) levantou R$ 1 milhão no mercado de capitais.

O valor é pequeno para os padrões de mercado, mas permitirá que a Cooperativa de Produção Agropecuária Nova Santa Rita (Coopan), no Rio Grande do Sul, conclua as obras de uma fábrica de beneficiamento de produtos agrícolas.

Com isso, devem ser gerados 60 novos empregos diretos no assentamento Capela, criado em 1994 por 100 famílias numa área penhorada pelo Banco do Brasil e considerado modelo pelo movimento.

A Coopan produz principalmente arroz orgânico, que é vendido a quase 400 mil pessoas na grande Porto Alegre, e integra uma rede de mais de 20 assentamentos que converteram o MST no maior produtor de arroz orgânico do Brasil.

Os recursos, que já entraram na conta da cooperativa na semana passada, vieram da emissão de Certificados de Recebíveis do Agronegócio, ou CRA. O papel, que conta com isenção de imposto de renda para os investidores, é um título de renda fixa lastreado em recebíveis da atividade agrícola.

Esse primeiro título do MST tem prazo de seis anos, com um ano de carência para o início do pagamento dos juros, que são de 5,5% ao ano. O rendimento é compatível com o do título do Tesouro de prazo semelhante, que está com remuneração de pouco mais de 7% ao ano, mas que não conta com a isenção do IR.

“Está lançada a semente do financiamento popular”, disse, em tom empolgado, o economista Eduardo Moreira, em live realizada no último fim de semana para anunciar a novidade, articulada por ele.

Dividindo a tela estava João Pedro Stédile, um dos líderes do MST, para quem a iniciativa permite que as pessoas que investem possam “ter lucro e ao mesmo tempo ajudar a zeladoria da natureza, aumentar a produção de alimentos e aumentar a agroecologia”.

Como o investimento mínimo no CRA do MST é de R$ 100 mil não se pode falar ainda em financiamento popular. No caso, foram pouco mais de cinco os investidores que emprestaram esse R$ 1 milhão inicial, entre eles o próprio Moreira e pessoas próximas a ele ou ao movimento. A operação ainda prevê a captação de outros R$ 500 mil. A oferta foi restrita, ou seja, não houve um esforço de venda ao público.

Moreira se aproximou do MST nos últimos anos, depois que abandonou a carreira no mercado e passou a fazer críticas ao sistema financeiro.

Antes um sócio do Banco Brasil Plural, passou a vender cursos online de educação financeira e investimentos. Desde o ano passado, tem se aproximado cada vez mais da política. Seu canal no YouTube tem 370 mil inscritos.

Foi Moreira quem levou Stédile e outros integrantes do MST a uma reunião no coração da Faria Lima, em São Paulo, na securitizadora Gaia, no ano passado. Na live do fim de semana, Moreira chegou a dizer que só a cena do MST em reuniões na Faria Lima “já valeu tudo”.

O encontro deu liga e foi a Gaia quem emitiu o CRA dos sem-terra na semana passada, apesar da pandemia de covid-19.

João Paulo Pacífico, o fundador da Gaia, está longe de ser um típico farialimer. Ele, que se define como CEO ativista em sua conta no Linkedin, já se tornou conhecido no mercado pelo engajamento com causas sociais, é um defensor de negócios de impacto e, hoje em dia, raramente troca as camisetas esportivas e as bermudas com as quais costuma frequentar o escritório por camisas e calças sociais.

Antes do CRA do MST, a Gaia já havia ajudado a estruturar uma debênture inovadora para financiar clientes da startup Vivendas, que reforma moradias populares.

A Gaia não se manifestou sobre a emissão por estar em período de silêncio.

“Vamos processar mais de 50 produtos e gerar 60 empregos diretos na cooperativa”, disse Emerson Giacomelli, diretor da Coopan na live. A meta é concluir as obras até fevereiro e inaugurar a fábrica em maio de 2021.

Fazendo um paralelo com o Triodos Bank, com sede na Holanda,  Moreira disse que o CRA é a primeira iniciativa do que chamou de Finapop, ou financiamento popular, em que as pessoas poderão “financiar o mundo em que acreditam”.

Por enquanto, o Finapop é apenas uma ideia e um endereço de email para contato, mas o economista diz que uma segunda emissão de CRA já está no forno, desta vez para financiar produtores de suco de uva orgânico.