A empresa por trás das embalagens recicladas de Unilever e Natura

Wise fatura R$ 250 milhões com reciclagem de plástico além do PET — e cresce 50% ao ano

A empresa por trás das embalagens recicladas de Unilever e Natura
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(Atualização: Em 03/08, a Braskem comprou 61,1% da Wise por R$ 121 milhões)

Nos últimos três anos, a Unilever substituiu 18 mil toneladas de plástico virgem por material reciclado nas embalagens de seus produtos no Brasil, o equivalente a quase 80 piscinas olímpicas cheias de garrafas. 

As tampas da linha de perfumes Kaiak, um dos carros-chefe da Natura, contêm 50% de plásticos coletados no litoral brasileiro e reciclados – e essa é apenas uma das iniciativas para o grupo atingir a meta de ter metade de todo seu plástico de origem reciclada até 2030. 

Por trás de avanços e compromissos como esses, um ponto em comum: todos passam, em alguma medida, pela planta de reciclagem da Wise Plásticos, em Itatiba, interior de São Paulo.

No melhor estilo low profile, a empresa fundada em 2007 tornou-se nos últimos quatro anos a maior produtora de resina plástica pós-consumo reciclada para a indústria de limpeza e cuidados pessoais do país. 

Além de Unilever e Natura, a carteira de clientes ainda inclui Boticário, P&G, Braskem e, mais recentemente, L’Oreal.

Seu negócio não está nas garrafas PET, o tipo de embalagem plástica mais reciclada no país e amplamente utilizada nos segmentos de bebidas e alimentos.

Na ‘língua do p’ das resinas derivadas de petróleo, os materiais que a Wise reaproveita são o polietileno de alta densidade (PEAD), usado em galões e frascos, e o polipropileno (PP), matéria-prima das tampas. 

Um salto de qualidade

A empresa foi fundada em 2007 por Rogerio Igel, da família controladora do grupo Ultra – dono da rede de postos Ipiranga e da Ultragaz –, originalmente para fabricar dormentes para ferrovias e cruzetas de postes de iluminação feitos de plástico reciclado, em substituição à madeira.

Em 2012, voltou-se para a produção de resinas recicladas para aplicações mais simples, como sacos de lixo, utilidades domésticas e brinquedos. 

Foi só três anos depois que começou a perseguir o salto tecnológico que a levaria a alcançar o padrão de qualidade comparável ao da resina virgem usada pela indústria de consumo. 

Hoje, na fábrica, de um lado entram fardos enormes de embalagens prensadas de todas as cores, vindas de aterros sanitários, cooperativas de catadores e sucateiros, e de outro sai a resina granulada feita de plástico reciclado.

No meio do caminho, uma sequência de processos químicos e físicos faz com que o produto final tenha a resistência necessária, chegue na cor exata desejada pelo cliente e seja livre de contaminação e odores que podem ser transferidos ao conteúdo das embalagens que serão fabricadas.

Mercado em expansão 

No ano passado a empresa produziu cerca de 20 mil toneladas de resina, com um faturamento de R$ 250 milhões. A expectativa é atingir 30 mil toneladas em 2022 e 50 mil toneladas até 2025. “Temos crescido a uma taxa de 50% ao ano”, diz o CEO Bruno Igel, de 39 anos, filho do fundador.

“A beleza é que não temos limitação de crescimento do mercado. Cada vez tem mais tecnologias para novas aplicações do plástico reciclado e cada vez tem mais indústrias vindo”, completa ele, que assumiu a direção em 2016 e vem conduzindo a virada estratégica da empresa.

Os números confirmam o potencial de crescimento. 

O Brasil consome por ano cerca de 8 milhões de toneladas de plástico virgem para todo o tipo de aplicação. 

Em 2019, último dado disponível, o Brasil gerou 3,5 milhões de toneladas de resíduos plásticos pós-consumo e reciclou apenas 24% deste volume, segundo dados da Picplast, iniciativa da Abiplast e da Braskem para incentivar a cadeia do plástico. 

Das 838 toneladas recicladas, 42% foram de PET.  O polietileno de alta densidade e o polipropileno – os materiais trabalhados pela Wise – responderam por 18% e 16% do total, respectivamente.

Plásticos flexíveis

O espaço para crescer no que a empresa já faz é enorme, mas Igel enxerga ainda novas frentes. 

Em plásticos rígidos, uma delas é atender a indústria de eletroeletrônicos.  Hoje a empresa já vende para a SEB, que detém a marca Arno no país. As grandes marcas têm metas objetivas de descarbonização e ele acredita que a Wise pode ocupar esse espaço. 

“O setor automotivo lá fora já tem atividade mais intensa com materiais reciclados e no Brasil ainda não.”

Mas a maior oportunidade de crescimento — e provavelmente o próximo passo da empresa — está nas embalagens flexíveis, que englobam tanto as sacolas plásticas de qualidade, quanto embalagens de alimentos, como salgadinhos e biscoitos. 

Hoje as embalagens flexíveis são o maior volume do material recolhido por catadores, mas vão parar, majoritariamente, em aterros, por falta de infraestrutura para aplicações nobres para o resíduo. 

A Wise já estudou bastante o tema para entender o novo passo tecnológico que precisaria dar. 

“Mas ainda estamos no processo de construir esse business case, entender volumes, quem são os clientes, como seria a relação comercial transparente e justa para todos.”

Parceria com as empresas

Se de um lado a demanda por resina reciclada está vindo a taxas crescentes, com cada vez mais empresas se comprometendo com a economia circular, de outro a infraestrutura para atender a essa procura é o maior gargalo.

A própria trajetória da empresa ilustra isso. Antes de começar a engrenar no atendimento a grandes marcas, a Wise teve anos difíceis, até que começaram a aparecer lá fora os primeiros compromissos de circularidade de plástico das grandes multinacionais.

Com uma promessa global de ter 25% de todas as suas embalagens provenientes de plástico reciclado até 2025, a Unilever encontrou a Wise e foi a grande indutora da virada da empresa, diz Igel. Tanto aportando conhecimento técnico para desenvolver o produto em parceria quanto provendo a empresa com um contrato de longo prazo que fez a equação fechar, permitindo todo o investimento necessário para a inovação acontecer.

“Esse é um mercado não regulamentado. Então, o ‘brand owner’ tem que fazer um papel de regulador. Ele olha o que tem de lei, o que não tem de lei e o que precisa ser feito para dar segurança ao consumidor. Mas isso demora”, diz Igel. 

(Os clientes da Wise não são as marcas diretamente, mas os transformadores de plástico que fazem as embalagens. Mas é do relacionamento com as marcas que surgem os contratos.)

Entre as primeiras conversas com a Unilever e a venda da primeira resina, em 2018, foram três anos de pesquisa e desenvolvimento. O maquinário da fábrica teve que ser importado, depois de visitas a indústrias europeias que já estavam nesse mercado. 

“Agora, o padrão de qualidade está claro e o nível de risco diminuiu para quem quiser fazer o mesmo”, diz, completando que outros participantes são necessários e aos poucos começam a aparecer. “Sozinhos não vamos conseguir atender o mercado todo.”

Remuneração justa

Para dar novos saltos e escalar o negócio, o CEO diz que será imperativo organizar a cadeia que fornece os resíduos descartados, – e isso passa, obrigatoriamente, por gerar impacto social positivo na ponta.   

“Hoje compramos sucata de cooperativas e alguns poucos aterros [que fazem a separação], mas principalmente de sucateiros. Esse mercado no Brasil roda com sucateiros e não com cooperativas. A maior parte do material vai para catadores. É um problema de informalidade total.”

Sem as práticas certas, diz, o mercado não é escalável. “Não posso ter uma cadeia de suprimentos que depende de catadores que, se o Brasil for bem, daqui a 10 anos estarão fazendo outra coisa melhor”, diz. 

Ele ilustra com um caso concreto. Na coleta de plásticos no litoral, a empresa sofreu recentemente com uma quebra de fornecimento quando chegou o verão e os catadores encontraram trabalhos temporários mais bem remunerados.

Para fechar essa equação, Igel acredita que o caminho passa por oferecer condições dignas de trabalho e remuneração para o elo mais frágil da cadeia e transformar isso num valor intangível que gere benefícios para as marcas, cada vez mais preocupadas em demonstrar um impacto social positivo. 

Ele vem negociando com as empresas uma remuneração que não esteja atrelada ao preço do plástico virgem, que oscila ao sabor da cotação do petróleo. “Se o preço do plástico cair, não podemos derrubar o preço que pagamos aos catadores e cooperativas. Se baixamos o preço da sucata, o sucateiro perde renda e isso está errado”, diz.

Organizando os fornecedores

Ao mesmo tempo, a empresa está desenvolvendo um sistema que homologa e avalia os fornecedores segundo critérios de boas práticas sociais e ambientais. 

Criou um ranking que classifica os fornecedores numa escala de uma a cinco estrelas. No nível mais básico, estão critérios não negociáveis como ter uma entidade formal constituída, ausência de trabalho infantil e escravo e descarte adequado de resíduos, por exemplo.

Para receber a nota mais alta, fatores como remuneração básica acima de 1 salário mínimo e equidade de gênero passam a ser avaliados. O resultado dá o tamanho da precariedade da cadeia: de todos os fornecedores, apenas um tem cinco estrelas.

A ideia é usar esse ranking para estimular a melhoria contínua dos fornecedores e, mais adiante, criar incentivos econômicos, pagando mais a quem tiver as melhores práticas.

Para isso, as marcas precisam reconhecer o impacto social positivo gerado – e estar disposta a pagar um prêmio por ele. 

“Se, como consequência, o ‘brand owner’ vai captar dinheiro mais barato, se vai valorizar na bolsa, se vai vender o produto mais caro, eu não sei. Mas tenho que dar instrumentos, via transparência sobre a origem do nosso produto, para ele conseguir fazer qualquer uma dessas coisas.”