A crise climática pode estar por trás do surto de gripe aviária?

Cientistas identificam novo padrão de circulação global da doença, que já foi identificada em países vizinhos do Brasil

Criação de galinhas em granja dos Estados Unidos
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O pior surto de gripe aviária já registrado está cada vez mais perto do Brasil, o maior exportador de frango do mundo. A explicação pode estar na crise climática.

Mudanças nos padrões migratórios de aves e impactos nos seus habitats naturais são apontados pelos cientistas como uma das possíveis razões para novos padrões de disseminação da doença.

Durante o século passado, surtos eram identificados com certa frequência em aves domesticadas, especialmente galinhas criadas para consumo humano na Ásia, na Europa e na África.

Medidas como sacrifícios contêm a transmissão para outras espécies – que poderiam espalham o vírus pelo mundo e de volta para aves domesticadas.

Nos últimos anos, porém, o vírus causador da gripe aviária vem circulando de maneira diferente, afirmam os cientistas. Desde meados do ano passado houve surtos da doença em quase todos os continentes, em épocas em que ela raramente é detectada.

“Como pode um vírus estar aparecendo no meio do verão no Mar Mediterrâneo ou quando está menos 20 ou 30 graus [Celsius] em uma fazenda no Canadá?”, questionou Jean-Pierre Vaillancourt, professor no departamento de Ciências Clínicas na Universidade de Montreal, em entrevista ao Grist. “Há quase 80 países no mundo com esse problema, nunca vimos isso antes.”

Além de alterações nos ciclos migratórios, a perda da biodiversidade em certas áreas pode levar as aves a fazer ninhos e botar ovos em áreas em que há mais chance de interação com animais criados em fazendas.

Cada vez mais perto

Embora seja difícil cravar uma relação causal direta entre a mudança do clima e o aumento dos casos de gripe aviária, os pesquisadores estão alarmados – assim como os avicultores do mundo inteiro.

O número de ocorrências da doença bateu recordes em 2022, aumentando o preço dos ovos e da carne de frango, proteína animal mais consumida no planeta.

Nenhum caso do H5N1, responsável pelos casos atuais, foi identificado no Brasil, mas já houve registros no Peru, na Bolívia, no Equador e mais recentemente na Argentina e no Uruguai.

Embora nestes dois últimos países os animais contaminados fossem aves silvestres, o ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro, alertou que o País está aumentando o nível de vigilância, com novas providências preventivas.

Na semana passada, foram investigados três casos suspeitos no país, mas os testes deram negativo. O Brasil exportou 4,8 milhões de toneladas de frango no ano passado, um recorde.

Nos Estados Unidos, cerca de 50 milhões de aves morreram em decorrência da doença ou foram sacrificadas no ano passado. Reino Unido, França e Japão são outros países que tiveram perdas recordes em 2022.

Uma nova pandemia?

As mesmas condições responsáveis por mudar os padrões globais da gripe aviária também podem estar por trás do aumento dos casos da doença entre mamíferos – com potenciais riscos para a saúde humana.

No início de fevereiro, Tedros Ghebreyesus, diretor da Organização Mundial da Saúde, afirmou que o mundo deveria se preparar para uma possível pandemia de gripe aviária entre humanos.

O cenário, pelo menos em tese, é parecido com o que provocou a pandemia da Covid-19: o “salto” do vírus entre espécies.

Vários casos foram registrados de infecção pelo H5N1 entre mamíferos: leões-marinhos no Peru, martas na Espanha e raposas na Inglaterra.

Por enquanto, não há evidências de que o próximo passo seja uma mutação que atinja humanos e, criticamente, possa ser transmitido entre pessoas. A OMS classifica como baixo o risco de uma nova pandemia.

Mas a extensão geográfica dos casos, especialmente no continente americano, e também a possibilidade de que haja transmissão direta entre mamíferos são pontos preocupantes, afirmam os cientistas, pois vírus estão em constante mutação.

Caso acometa seres humanos – o que costuma acontecer no contato direto com aves infectadas –, a doença tem índices altíssimos de letalidade: cerca de 50%, segundo o Centro Europeu de Prevenção e Controle de Doenças.

A cepa em circulação hoje está infectando uma variedade maior de espécies que as anteriores, incluindo algumas que não migram longas distâncias, o que poderia explicar a persistência da doença em épocas inesperadas.

Quanto mais prevalente a doença, maiores os riscos de mutações perigosas.