A BLZ Recicla não deixa faltar garrafa para sua cerveja — e está chegando aos EUA 

Fundada há três anos, empresa já fatura R$ 130 milhões coletando e tratando vidro retornável e prepara internacionalização

garrafas de cerveja retornáveis
sequência de garrafas de vidro âmbar passando por linha de produção em indústria de bebidas
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Criada há três anos, a BLZ Recicla está prestes a cruzar o oceano com um carregamento, à primeira vista, inusitado: uma leva de garrafas de vinho usadas para atender vinícolas de Portugal. 

Com a crise do gás, falta combustível para produzir o vidro — e importar garrafa retornável virou uma opção. 

Com sede em Araçariguama, no interior de São Paulo, a BLZ já fatura R$ 130 milhões num nicho até pouco tempo atrás inexplorado: separando e vendendo garrafas de vidro usadas, principalmente para cervejarias, e têm entre seus clientes, Heineken, Ambev e Coca-Cola. 

“Uma garrafa pode passar 24 vezes pela máquina da indústria, mas na prática elas nem sempre voltam”, afirma Rodrigo Clemente, fundador da BLZ. 

Em meio à falta de matéria-prima e os compromissos de sustentabilidade das empresas, a BLZ vem crescendo de forma exponencial e já vislumbra um faturamento de R$ 600 milhões nos próximos doze meses.

A companhia está investindo R$ 110 milhões para abrir mais duas unidades, uma na Bahia e outra no Rio Grande do Sul, e ampliar a fábrica no interior de São Paulo, de onde partem hoje garrafas para todo o Brasil. 

E prepara a expansão internacional, com R$ 50 milhões a serem investidos em três unidades nos Estados Unidos, em Nevada, Ohio e Flórida, onde acredita que é possível replicar o seu modelo. 

O negócio da BLZ nasceu de uma dor de Clemente. Dono de uma distribuidora de bebidas no litoral de São Paulo, há quatro anos ele se deparou com um problema: uma grande cervejaria disse que não poderia atender os pedidos para o verão porque faltava vidro. 

Empreendedor serial — com uma gama de negócios que variam de agência de marketing a restaurantes, todos abaixo da holding JVMC —, ele foi atrás de encontrar os cascos retornáveis. 

De largada, fechou a compra de 2 milhões de garrafas que encontrou com garrafeiros em todo o país. Eles compram os cascos por um valor baixo de quem se dispõe a vender, mas, como vivem na informalidade, não conseguem atuar diretamente com a indústria. 

“Vi a oportunidade de profissionalizar este mercado”, afirma. “A princípio queria resolver um problema do meu negócio, mas encontrei uma dor que não era só minha, era mundial.”

Catando cascos

O principal desafio do negócio é assegurar a oferta de garrafas, num mercado em que a logística reversa se restringe basicamente aos bares, onde as distribuidoras chegam com os cascos cheios e trazem de volta os vazios. 

A BLZ Recicla também recebe garrafas de cooperativas de catadores – são 1300 cadastradas na sua base. Aqui, a dificuldade é fazer com que elas entreguem as garrafas intactas. 

Além do manuseio mais difícil, a indústria de reciclagem paga pelo vidro quebrado, que pode virar matéria-prima para produzir uma nova garrafa – o que acaba dificultando o reúso. 

“Pagamos o dobro por garrafa por ela inteira, mas tem toda uma cultura que se construir em cima da indústria de fabricação do vidro que é difícil romper”, diz Clemente. 

A BLZ também está desenvolvendo uma nova fonte de oferta de garrafas a partir do BLZ Bank. A fintech foi desenvolvida para dar crédito e cashback aos donos de bares que trabalham na rede do negócio de distribuição de alimentos e bebidas do grupo, mas virou um braço de sourcing para a Recicla. 

Por meio dela, catadores podem entregar garrafas em bares cadastrados e receber o pagamento na hora por meio de um cartão pré-pago. “É uma forma de remunerar esse catador diretamente”, diz o fundador. O preço varia de R$ 0,15 a R$ 0,70 para a garrafa em ótimo estado. 

Além de assegurar a oferta das garrafas, a BLZ também faz a separação e entende que tipo de garrafa cada indústria precisa. 

Há a diferenciação de cor, como o verde típico da Heineken, por exemplo, e nível de desgaste. Algumas marcas aceitam garrafas com mais sinais de uso – o chamado ‘scuff’, marcas de raspagem que ficam logo abaixo do pescoço e em próximo à base da garrafa e que denunciam sua idade.

“Nossa garrafa chega do mesmo jeito que uma garrafa zero, ela passa pelo processo de descontaminação e entra direto na linha”, afirma Clemente. Segundo ele, a taxa de rejeição das garrafas da BLZ é de 1,1%, contra 0,8% do vidro virgem. 

O problema da long neck

Um dos maiores problemas atuais da indústria é o que fazer com as garrafas long neck, que cada vez representam um volume maior das vendas, diz. 

As tampas de rosquear facilitam a abertura, mas causam microfissuras no gargalo que as tornam impróprias para o reuso. Hoje, a BLZ quebra essas garrafas e as envia para o caminho tradicional da reciclagem do vidro.

“Agora, estamos investindo num modelo mais amplo, no qual vamos separar por cor, descontaminar, moer o vidro e entregar para a indústria moído, descontaminado e na pigmentação correta”, diz Clemente. 

Serão 50 mil toneladas de vidro por mês, num processo que permite um reaproveitamento maior da matéria-prima. Segundo o empresário, apenas de 25% a 30% do vidro quebrado e sem descontaminação vira efetivamente uma nova garrafa. No modelo moído e limpo, esse patamar passa para mais de 80%. 

“Mas o melhor que poderia ser feito seria uma campanha de conscientização para todo mundo usar o abridor”, pontua. 

Geração de caixa 

Os investimentos na BLZ estão sendo feitos com a geração de caixa do negócio e com capital próprio da JVMC — que está prestes a colocar uma debênture de R$ 70 milhões no mercado para captar para o BLZ Bank. 

Segundo Clemente, a margem do negócio é alta, e há espaço para transformar isso numa remuneração melhor na ponta. 

“Hoje essas pessoas que entregam a garrafa para esses garrafeiros que a gente compra recebem muito pouco por isso. Estamos tentando melhorar isso”, aponta. 

O empresário começou a carreira com uma agência de marketing dedicada especialmente ao público jovem, com ativações voltadas ao mercado universitário, a Mercado Jovem, que recentemente foi rebatizada de JVMX. 

A agência está abaixo da holding, que inclui também uma participação de 10% na Better Drinks, dona de marcas de bebidas como Baer-Mate e a cerveja Praya, e uma operação de restaurante que mostra seu lado pragmático. O carro-chefe é a Carnívoros Steak Burger, mas no próximo ano deve estrear uma nova marca: a Veganíssimo.