A água é um fator de risco para o seu negócio?

Mais de 40% das cidades brasileiras dependem de mananciais vulneráveis, e iniciativas de reuso serão fundamentais para garantir a segurança hídrica

Foto mostra mãos sendo banhadas por água limpa
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Essencial para a vida, a água é também insumo indispensável para a atividade dos negócios nos mais diferentes setores.

Diante do agravamento das mudanças climáticas e da perda de biodiversidade, períodos prolongados de estiagem e variação nos níveis de chuvas têm se tornado mais frequentes e intensos. Isso traz uma nova dinâmica para a gestão de riscos, e segurança hídrica e reuso de água ganham destaque na agenda corporativa. 

De acordo com o Atlas Águas 2021, da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), 44% das cidades brasileiras sofrem com mananciais vulneráveis e 42% precisam de investimentos em infraestrutura para aumentar a  produção de água para consumo. 

Além disso, também segundo a ANA, 74 milhões de pessoas não têm disponibilidade de água em quantidade e qualidade suficientes para atender às suas necessidades. A agência indica que a falta de uma gestão adequada desses recursos pode resultar em perdas econômicas de R$ 518 bilhões na agricultura e na indústria.

A segurança hídrica, portanto, é tema central para os negócios. O Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) desenvolveu uma ampla discussão entre mais de 80 empresas, de diferentes setores, para identificar as lacunas e oportunidades para fazer essa pauta avançar.

O trabalho detectou que, para a segurança hídrica das empresas, o estímulo ao reúso da água é um ponto fundamental, mas que ainda apresenta lacunas a serem preenchidas. A falta de regulamentação para suas aplicações gera um ambiente de insegurança para investimentos mais robustos.

Para o setor produtivo, é importante que haja a definição dos principais fatores jurídico-administrativos para fomentar a institucionalização da prática – e não impedir os seus avanços. 

Existem resoluções isoladas, e alguns Estados estão mais à frente do que outros. Por isso, o setor empresarial pleiteia uma regulamentação nacional que leve em consideração a realidade brasileira com padrões condizentes com as diferenças locais de oferta e demanda e a inclusão da água para reúso nas matrizes hídricas regionais.

O aumento no investimento em água para reúso passa ainda pela aplicação de incentivos fiscais, tributários e de financiamento às ações sustentáveis de governos. Afinal, a ampliação dos processos de tratamento exige investimentos e, em um cenário mais amplo, favorece toda a população, uma vez que reduz a utilização de água potável em atividades industriais ou agrícolas.

O que já está sendo feito

Iniciativas de reuso da água já estão sendo promovidas pelo setor empresarial. Temos no Estado de São Paulo, por exemplo, o maior empreendimento desse tipo da América do Sul, o Aquapolo, uma parceria entre a GS Inima e a Sabesp. 

O esgoto tratado é transformado em água de reúso para as indústrias no Polo Petroquímico de Capuava, em Mauá, na Grande São Paulo. São até mil litros por segundo de água de reúso no lugar de água potável, quantidade capaz de abastecer uma cidade com mais de 300 mil habitantes, como Palmas (TO) ou Petrópolis (RJ).

Já no setor da mineração, temos a recente parceria firmada entre Anglo American e Prumo Logística para reaproveitar o efluente do minério que chega ao Porto do Açu (RJ). A matéria-prima, misturada à água, é transportada por um mineroduto de 529 km de Conceição do Mato Dentro (MG) até o litoral fluminense.

No porto, essa água é filtrada e lançada no mar -– mas, com a parceria, passará a ser reutilizada nos processos industriais, substituindo a água potável. Serão até 300 litros por segundo. Isso representa uma economia de água limpa suficiente para abastecer cerca de 130 mil pessoas, equivalente à população de cidades como Caraguatatuba (SP) ou Guarapari (ES).

Outro exemplo do setor é a captação da água das barragens de rejeitos da Vale para uso nos processos de beneficiamento de minérios. A água é captada da barragem e encaminhada para a usina de beneficiamento, para diversas aplicações. Posteriormente, toda a água usada (bem como os rejeitos proveniente dos usos) é direcionada novamente para a barragem, reiniciando o ciclo.

A adesão de quase 20 grandes empresas ao Compromisso Empresarial para a Segurança Hídrica, lançado pelo CEBDS, é uma ferramenta importante para o avanço do tema, uma vez que o documento traz metas a serem cumpridas até 2025.

Mas é necessário desenvolver a conscientização de diferentes atores, desde a sociedade civil até os tomadores de decisão, criando um espaço para debate mais amplo e racional, para ações efetivamente participativas.

Esses desafios e oportunidades serão debatidos pelo CEBDS, em parceria com o World Business Council for Sustainable Development (WBCSD), na maior conferência mundial de água chancelada pela ONU, a UN 2023 Water Conference, que acontece entre os dias 22 e 24 de março. 

Em um cenário de emergência climática e de fenômenos cada vez mais extremos, a gestão da água precisa de avanços urgentes, que trarão resultados positivos para as pessoas, para os negócios e para o planeta.

* Ricardo Mastroti é diretor executivo do CEBDS (Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável), entidade que reúne mais de 100 empresas, cujo faturamento somado equivale a quase 50% do PIB brasileiro. É biólogo (USP), mestre em oceanografia (USP) e mestre em biomimética (Arizona State University).

Foto: Nathan Dumlao, via Unsplash